Caça a imigrantes e voos com algemados são sintoma de uma relação conflituosa de Trump com o Brasil – Blog Folha do Comercio
Home Mundo Caça a imigrantes e voos com algemados são sintoma de uma relação conflituosa de Trump com o Brasil

Caça a imigrantes e voos com algemados são sintoma de uma relação conflituosa de Trump com o Brasil

de admin

Políticas do republicano aumentam pressão sobre América Latina, origem da maior parte das pessoas que vivem em situação irregular nos Estados Unidos

Donald Trump parece disposto a cumprir as promessas de deportar milhões de pessoas que vivem nos Estados Unidos ilegalmente e aumenta a pressão sobre a América Latina, origem da maior parte desses imigrantes sem documentos. Estima-se que 230 mil brasileiros se insiram na classificação e o governo Lula terá um desafio pela frente: se equilibrar entre a necessidade de garantir a integridade dos seus cidadãos e as ameaças do republicano.

Analistas consultados pelo Estado avaliam que a retórica agressiva e midiática de Trump é o início de uma relação muito conflituosa com a América Latina. Em paralelo, a dureza das operações para deter imigrantes ilegais está semeando pavor na comunidade brasileira nos EUA, segundo advogados especializados no tema.

Governo Donald Trump intensifica prisões de imigrantes e promete deportação em massa nos EUA.
Governo Donald Trump intensifica prisões de imigrantes e promete deportação em massa nos EUA. Foto: Secretária de Imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt/via X

“Para Trump é interessante não só deportar imigrantes em larga escala, mas também esse tipo de ação muito rigorosa e até teatral. Porque ele quer passar a mensagem de que as pessoas não devem migrar para os Estados Unidos, a não ser que tenha autorização para isso”, afirma Mauricio Santoro, doutor em ciência política e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marina.

No fim de semana, o presidente americano protagonizou uma queda de braço com o colombiano Gustavo Petro, que negou a entrada de dois aviões com imigrantes deportados. Ameaçado de tarifas e sanções, Petro recuou e concordou em receber seus cidadãos de volta.

“Foi o primeiro episódio do que será uma relação muito conflituosa de Trump com a América Latina, com o Brasil, Colômbia, México e vários países da região. Esses conflitos atravessam três grandes temas: a imigração, o comércio e a presença da China na região”, aponta Santoro. O aumento do comércio com a China, afirma, poderia contornar eventuais sanções americanas, mas nenhum país latino teria condições de virar as costas para os EUA.

“A China pode ser um contrapeso aos Estados Unidos em alguns setores, em outros não. A capacidade de investimento americano, por exemplo, é muito maior. Nenhum país da América Latina pode ser dar ao luxo de abrir mão da relação com os EUA. Vai ser muito difícil equilibrar a necessidade de defender os interesses nacionais sem cair nas provocações de Trump. Até porque há pressões e divisões ideológicas internas. Aqui no Brasil, por exemplo, muitas pessoas defenderam as deportações”, conclui.

No caso das deportações, o Brasil poderia negociar — individualmente ou em coordenação com outros países — condições melhores para o retorno dos seus cidadãos. O diálogo, contudo, deve ser difícil. Trump deixou claro como vê as relações com a América Latina, especificamente com o Brasil, no seu retorno à Casa Branca: “Eles precisam de nós. Muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles”.

Para Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil em Washington, os Estados Unidos devem aumentar a sua presença na região, mas com uma atitude negativa em relação à América Latina. Diante desse cenário, o governo brasileiro precisará ter cautela para evitar embates com Donald Trump.

“Trump está se valendo da vitória política dele, que é uma vitória inquestionável”, lembra Abdenur ao comentar a crise envolvendo a Colômbia. “Se tivesse pensado mais detidamente, Gustavo Petro não teria dito o que disse. O resultado foi uma humilhação aos olhos de toda comunidade internacional. O Brasil deve adotar uma política de autocontenção, de moderação, de controle para evitar dar pretextos a ataques ao nosso país”.

Preocupação entre imigrantes brasileiros

Enquanto Trump fecha o cerco, Marcelo Gondim, advogado brasileiro especializado em migração para os EUA, viu a procura por atendimento no seu escritório, o Gondim Law Corp, em Los Angeles, disparar nos últimos dias. “Tem brasileiros que estão pedindo um número do escritório que atenda 24 horas para o caso de alguma emergência. As pessoas estão com muito medo. Há notícias de raids (batidas das autoridades migratórias) em várias cidades”, relata.

Até mesmo os brasileiros que estão em busca de vistos para entrar nos EUA legalmente, conta Gondim, têm procurado auxílio jurídico e expressado preocupação com a política migratória de Donald Trump.

Desde que o republicano assumiu a Casa Branca, há uma semana, autoridades americanas prenderam 2,6 mil imigrantes, sendo 956 detidos só neste domingo. E tudo indica que os números devem aumentar. Donald Trump ficou decepcionado com os resultados iniciais da sua operação para deportação, segundo informações obtidas pelo The Washington Post, e o governo estabeleceu cotas de 1,2 mil a 1,5 mil prisões por dia.

Autoridades americanas acorrentam imigrante detido.
Autoridades americanas acorrentam imigrante detido. Foto: Alex Brandon/Associated Press

Governo reclama de ‘tratamento degradante’ a brasileiros

O tratamento dado a imigrantes, frequentemente chamados por Trump de criminosos, acendeu o alerta em Brasília. O País mantém a cautela ao lidar com os EUA, mas cobrou respeito aos acordos sobre deportações, depois que brasileiros denunciaram maus-tratos dos agentes americanos.

O voo, que fez um pouso inesperado em Manaus por apresentar problemas técnicos, foi o primeiro do tipo desde que Donald Trump assumiu, embora os brasileiros tenham sido deportados pela administração Joe Biden.

O Itamaraty destaca que o entendimento sobre as deportações foi firmado para reduzir o tempo que os brasileiros ficam detidos nos EUA por problemas com a imigração nos casos em que não cabe mais recurso. E afirmou que o “uso indiscriminado” de algemas e correntes viola o acordo.

O ministro da Justiça Ricardo Lewandowski — que deu a ordem de retirar as algemas quando os brasileiros chegaram a Manaus — ressaltou que o governo não tem a intenção de afrontar os EUA, mas quer que os brasileiros recebam tratamento digno.

“Tivemos uma reação muito sóbria. Não queremos provocar o governo americano, até porque a deportação está prevista em um tratado entre o Brasil e os Estados Unidos, mas obviamente essa deportação tem que ser feita com respeito aos direitos fundamentais das pessoas, sobretudo aqueles que não são criminosos”, disse em almoço com empresários nesta segunda-feira, 27, em São Paulo.

O País recebe brasileiros expulsos pelas autoridades americanas regularmente. E os apelos contra o uso de algemas, prática comum nas deportações dos Estados Unidos, foram ignoradas sob o governo Joe Biden. Agora, além de os imigrantes estarem com pés e mãos acorrentados, o Brasil questionou as condições do avião que estava sem ar condicionado e apresentou problemas técnicos.

Militares instalam cerca em muro na fronteira com o México.
Militares instalam cerca em muro na fronteira com o México. Foto: Kyle Chan / US Department of Defense / AFP

Dados oficiais dos EUA apontam que 6.776 brasileiros foram deportados durante o primeiro governo Donald Trump. Outros 7.168 foram mandados de volta ao País sob a administração Joe Biden, de acordo com o serviço de imigração e alfândega dos EUA (ICE na sigla em inglês).

As deportações como um todo aumentaram sob o democrata até porque havia mais pessoas chegando ao país. As travessias na fronteira dispararam com a revogação do Título 42, política que permitia a expulsão imediata de imigrantes sem documentos durante a emergência para a Covid-19, e só caíram quando Biden impôs novas restrições de olho nas eleições.

As estimativas mais confiáveis apontam que há 11 milhões de imigrantes entre os que estão ilegalmente nos Estados Unidos e aqueles que têm autorização temporária para permanecer no país enquanto esperam decisões da Justiça. O número, contudo, pode ser ainda maior, chegando a 14 milhões a depender do levantamento. Dentro desse universo há 230 mil brasileiros, segundo os dados mais recentes do Pew Research, de 2022.

Por Estadão


Você pode interessar!