Em seis episódios, produção humaniza o herói brasileiro para mostrar como o piloto superou as dificuldades e se tornou um dos maiores atletas brasileiros de todos os tempos
O texto a seguir contém spoilers da série Senna, da Netflix
Senna, que estreia da Netflix nesta sexta-feira, 29, é de encher a tela, com narrativa envolvente. Produção em seis episódios protagonizada por Gabriel Leone e com direção de Vicente Amorim e Julia Rezende e direção-geral de Amorim, a série, para a alegria dos fãs do piloto brasileiro Ayrton Senna (1960-1994), se passa na pista. Ou em volta dela, sempre com temas que envolvem a paixão de Senna pelo automobilismo.
Ano a ano. Marcha a marcha. Manobra a manobra. Desde a infância do piloto no kart, passando pelas Fórmulas Ford e o Campeonato Britânico de Fórmula 3, até chegar em sua angústia por estrear na Fórmula 1 guiando uma Toleman, até conquistar a confiança das equipes e vencer os conchavos que o impediam de estar em um boa equipe e brilhar no campeonato no qual foi um dos mais brilhantes dos pilotos.
Os fãs de automobilismo e admiradores de Senna se fartarão com as reconstituições das principais corridas. Parece que a aflição e a habilidade do piloto transpassam a tela. O espectador tem vontade de acelerar com o piloto. Empurrar o carro. Ajudar Senna a convencer os mecânicos de que ele tem razão: sempre falta algo para que o carro fique melhor e dê as condições tão desejadas por ele para enfrentar seus adversários. Na chuva, então, tudo se potencializa.
Filmada em cinco países – Brasil, Argentina, Uruguai, Irlanda do Norte e Mônaco – a produção envolveu 231 atores e atrizes de nove nacionalidades diferentes e quase 15 mil figurantes. Foram duas unidades de filmagem: uma principal e outra de performance de automobilismo. A remontagem da época impressiona. Até as marcas estão lá, nos uniformes, placas ou pódios.
Essa grandiosidade não dilui ou mascara o personagem principal. Senna é retratado como o cara genial e genioso que foi. Capaz de pular no pescoço de um adversário ou ter que ler e ouvir, sobretudo de seu principal adversário, o francês Alain Prost, que ele representava “um perigo” para outros pilotos.
Diante de complexa personalidade de Senna, a série teve que humanizar o cara transformado em mito ou herói – ou, o preferido de Deus, como chegaram a dizer – por sua morte precoce, dentro de uma pista. Sempre ela.
Nesse sentido, a série se afasta de ser um melodrama simples sobre a vida de uma figura pública. Grande mérito. Para pegar um exemplo mais gritante e brasileiro: o filme Meu Nome é Gal (2023), das diretoras Dandara Ferreira e Lô Politi, transformou Gal Costa (1945-2002) em uma mulher excessivamente agoniada, em nome da dramaturgia, tornando a produção enfadonha e apagando o brilho da homenageada. Ou Elvis, de Baz Luhrmann, no qual o ator Austin Butler suplanta a personalidade do ídolo do rock. Leone é correto.
Há, claro, dentro do roteiro de Senna, momentos de ‘descanso’ das pistas. Um deles é quando a série mostra o namoro de Senna com a apresentadora Xuxa Meneghel.
A inacreditável participação do piloto no Xou da Xuxa – quem viveu à época, deve se lembrar de quanto isso pareceu estranho em uma véspera de Natal – é reproduzida de forma assustadoramente fiel por Leone e Pâmela Tomé, intérprete da apresentadora. Estão lá a timidez de Senna e a inconfessável vontade de Xuxa em tê-lo naquele momento, se possível, e, como ela indica, em 1989, 1990, 1991…
Sobre Xuxa, a direção não se esquece nem mesmo das indefectíveis botinhas brancas da apresentadora, em um momento – talvez, o único – de riso maior na série.
Uma curiosidade: filmada antes das denúncias contra Marlene Mattos eclodirem em documentários como o da Xuxa e das Paquitas, Senna retrata a diretora de maneira mais genérica, e nem de longe a aponta como uma pessoa autoritária, que teria interferido no namoro entre o piloto e sua pupila.
A apresentadora Adriane Galisteu é claramente posta como namorada de Senna em seus últimos dois anos de vida – já que essa dúvida pairava desde que a produção foi anunciada e costuma render polêmicas. E renderá. O tempo de Galisteu em Senna é infinitamente menor do que o de Xuxa.
Senna deixa um travo no telespectador: o último brasileiro tricampeão de F1 só foi feliz dentro dos circuitos, em uma pista – e quando vencia? Assistam e tirem suas conclusões.
Por Estadão