Morte de Navalny, opositor de Putin, deveria levar recalcitrantes a assumir postura mais firme contra o autocrata
A morte, anunciada pelas autoridades, do oposicionista russo Alexei Navalny, numa prisão a poucos quilômetros do Ártico, põe mais uma vez em evidência os métodos usados pelo regime de Vladimir Putin contra seus adversários. Navalny passa a integrar — ao lado de Boris Nemtsov, Anna Politkovskaya, Alexander Litvinenko, Evgeni Prigojin e tantos outros — a longa lista de opositores mortos desde que Putin chegou ao poder. Sobre todos esses casos, paira a indefectível sombra do Kremlin, cujos interesses costumam ser subitamente favorecidos pela extinção de rivais em circunstâncias suspeitas.
Navalny já fora vítima de envenenamento. Em agosto de 2020, começou a passar mal num voo da Sibéria a Moscou. O piloto fez um pouso de emergência, Navalny foi tratado e se recuperou na Alemanha. Advogado filho de russa e ucraniano, àquela altura ele já era o principal líder da oposição, conhecido por ter denunciado inúmeros esquemas de corrupção sob Putin. Jamais quis sair do país, mesmo depois de envenenado. Continuou a liderar protestos e contava disputar eleições, até ser preso sob acusações fajutas de extremismo. Em seu blog, mostrou um telefonema a um espião do governo em que se fez passar pelo assistente de uma autoridade e arrancou dele que o veneno usado contra si fora posto na cueca. Médicos alemães identificaram em seu corpo o novichok, agente nervoso letal desenvolvido na ex-União Soviética, fabricado apenas na Rússia e usado contra outros opositores. Putin, ao comentar a acusação de que mandara eliminar Navalny, disse que, se o Kremlin quisesse matá-lo, ele já estaria morto.
Sua morte tende a agravar o isolamento de Putin do Ocidente. Mas não é fácil isolar comercialmente um exportador de petróleo. Putin tem driblado as sanções impostas depois da invasão da Ucrânia e, no campo de batalha, seus generais têm mantido vantagem sobre os adversários. Com a alta do petróleo, Moscou ganhou exportando para a China e outros mercados. A guerra lançou a Rússia na esfera de influência chinesa. O Kremlin desenvolve, ainda, armas de nova geração. A última, capaz de destruir satélites, foi considerada “preocupante” pelos americanos.
Putin constrói uma autocracia bélica e deposita esperanças na volta de Donald Trump à Casa Branca. Em seu governo, Trump colecionou rusgas com aliados europeus. Na atual campanha, para gáudio de Putin, ameaçou romper o artigo de solidariedade que mantém coesa a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Entre trumpistas cresce a admiração por Putin, entrevistado recentemente por Tucker Carlson, propagandista de Trump.
Longe da propaganda, as circunstâncias que cercam a morte de Navalny, reveladoras da falta de escrúpulos de Putin, são um recado aos recalcitrantes. O Congresso americano precisa aprovar novo auxílio militar e financeiro à Ucrânia. E países que favorecem Putin nos foros internacionais (como a Hungria) ou que lhe dão o benefício da dúvida (como o Brasil) têm o dever de assumir postura mais firme contra ele.
O recado de Navalny sobre a realidade cruel da Rússia foi dado na filmagem do documentário que venceu o Oscar narrando sua saga. Questionado sobre a mensagem que deixaria caso fosse assassinado, afirmou: “Se decidirem me matar, isso prova que sou incrivelmente forte. Não percebemos quão fortes somos. Precisamos saber usar esse enorme poder. Não desistam”.
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