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Alemanha se prepara para décadas de ‘guerra fria’ e confronto militar com a Rússia

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Os líderes do país alertam sobre ameaças crescentes, mas o chanceler alemão Olaf Scholz tem receio de levar o Kremlin, e o seu próprio público, longe demais

THE NEW YORK TIMES – O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, passou a aconselhar os alemães a se preparar para um confronto com a Rússia — afirmando que a Alemanha deve reconstruir rapidamente suas Forças Armadas diante da possibilidade do presidente russo, Vladimir Putin, planejar não parar na fronteira ucraniana.

As Forças Armadas da Rússia, afirmou Pistorius em uma série de entrevistas recentes, estão completamente ocupadas com a Ucrânia. Mas se houver uma trégua, e Putin tem alguns anos para redefinir seu cálculo, Pistorius acha que o líder russo considerará testar a unidade da Otan.

“Ninguém sabe como será ou se isso vai durar”, afirmou Pistorius sobre a atual guerra, argumentando a favor de um rápido aumento no tamanho das Forças Armadas da Alemanha e uma reposição de seu arsenal.

O chanceler alemão Olaf Scholz fala com o ministro da Defesa Boris Pistorius, segundo a partir da direita, durante um debate geral sobre o orçamento no parlamento alemão em 31 de janeiro de 2024 Foto: Ebrahim Noroozi/AP

Os alertas públicos de Pistorius refletem uma mudança significativa nos níveis mais graduados de liderança em um país que evitou ter uma força militar robusta desde o fim da Guerra Fria. O alarme está cada vez mais estridente, mas o público alemão continua sem se convencer de que a segurança da Alemanha e da Europa esteja ameaçada fundamentalmente por uma Rússia novamente agressiva.

O cargo de ministro da Defesa é com frequência um beco sem saída na política alemã. Mas o status de Pistorius como um dos políticos mais populares do país lhe dá liberdade para falar o que desagrada aos outros — incluindo seu chefe, Olaf Scholz.

Conforme o chanceler alemão se prepara para uma reunião com o presidente Joe Biden na Casa Branca, na sexta-feira, muitos no governo alemão consideram que não haverá volta à normalidade com a Rússia de Putin, antecipando pouco progresso este ano na Ucrânia e afirmando temer as consequências de uma vitória do líder russo por lá.

Esses temores combinam-se agora com discussões a respeito do que acontecerá à Otan se o ex-presidente Donald Trump for eleito e agir segundo seu instinto de retirar os Estados Unidos da aliança.

A possibilidade da eleição de Trump para um segundo mandato faz muitas autoridades alemãs e suas contrapartes na Otan discutirem informalmente se a estrutura da aliança de quase 75 anos que elas planejam celebrar em Washington este ano é capaz de sobreviver sem os EUA no centro. Muitas autoridades alemãs afirmam que a melhor esperança estratégica de Putin é a fratura da Otan.

Para os alemães, em particular, trata-se de uma reversão avassaladora de pensamento. Apenas um ano atrás, a Otan celebrava um novo senso de propósito e uma nova unidade, e muitos previam confidencialmente que Putin teria pressa.

Mas agora, com os EUA imprevisíveis, a Rússia agressiva e a China empenhada, assim como uma guerra aparentemente estagnada na Ucrânia e um conflito profundamente impopular em Gaza, as autoridades alemãs estão começando a falar sobre a irrupção de um mundo novo, complicado e perturbador, com consequências severas para a segurança europeia e transatlântica.

Sua preocupação imediata constitui um crescente pessimismo em relação aos EUA continuarem a financiar a luta da Ucrânia justamente no momento em que a Alemanha, o segundo país que mais contribui, concordou em dobrar sua contribuição, para cerca de US$ 8,5 bilhões.

Agora, alguns colegas de Pistorius alertam que se o financiamento americano secar e a Rússia vencer, o alvo seguinte seria mais próximo a Berlim.

“A Ucrânia ser forçada a se render não satisfaria a fome de poder da Rússia”, disse na semana passada o chefe do serviço de inteligência da Alemanha, Bruno Kahl. “Se o Ocidente não demonstrar uma disposição clara para defender, Putin deixará de ver motivo para não atacar a Otan.”

Soldados ucranianos próximos a um tanque russo nos arredores de Bakhmut em 29 de janeiro de 2024 Foto: Tyler Hicks/NYT

Mas quando pressionados para se posicionar a respeito de um possível conflito com a Rússia, ou sobre o futuro da Otan, os políticos alemães são cautelosos.

Nas décadas que passaram desde o fim da União Soviética, a maioria dos alemães se acostumou às noções de que a segurança de seu país estaria garantida se ele trabalhasse com a Rússia, não contra, e de que a China é uma parceira necessária, com um mercado crítico para os automóveis e equipamentos alemães.

Mesmo hoje, Scholz, um social-democrata, cujo partido buscou tradicionalmente manter relações decentes com Moscou, parece relutante em discutir o futuro vastamente mais conflituoso com a Rússia ou a China que os comandantes de defesa e os chefes de inteligência alemães descrevem tão vividamente.

Exceto por Pistorius, que era pouco conhecido até ser escolhido para ocupar o Ministério da Defesa, um ano atrás, poucos políticos abordam o assunto em público. Scholz é especialmente cuidadoso, zelando pela relação da Alemanha com os EUA e atento para não pressionar demais a Rússia e seu imprevisível presidente.

Dois anos atrás, Scholz declarou o início de uma nova era para a Alemanha — uma “Zeitenwende”, ou um ponto de inflexão histórico, na política de segurança de seu país, que, afirmou ele, seria marcado por uma mudança significativa nos gastos e no pensamento estratégico. Ele cumpriu uma promessa de alocar 100 bilhões de euros a mais para o gasto militar ao longo de quatro anos.

Este ano pela primeira vez a Alemanha gastará o equivalente a 2% de seu produto interno bruto em suas Forças Armadas, alcançando a meta com a qual todos os países da Otan concordaram em 2014, depois que a Rússia anexou a Crimeia, mas que muitos especialistas afirmam agora ser baixa demais. E a Alemanha se comprometeu em reforçar o flanco oriental da Otan contra a Rússia prometendo estacionar permanentemente uma brigada na Lituânia até 2027.

Ainda que de outras maneiras, Scholz se movimentou com grande cautela. Ele se opôs — juntamente com Biden — ao estabelecimento de um cronograma para a eventual entrada da Ucrânia na aliança.

O exemplo mais vívido do cuidado de Scholz é sua contínua recusa em fornecer para a Ucrânia um míssil de cruzeiro de longo alcance, de lançamento aéreo, chamado Taurus.

No ano passado, Reino Unido e França deram à Ucrânia seu equivalente mais próximo, o Storm Shadow/SCALP, que foi usado para devastar navios russos em portos na Crimeia — e para forçar a Rússia a retirar sua frota. Biden concordou relutantemente em fornecer ATACMS, um míssil similar mas com alcance limitado a aproximadamente 160 quilômetros, para a Ucrânia no outono (Hemisfério Norte).

O Taurus tem mais de 480 quilômetros de alcance, o que concederia à Ucrânia possibilidade de usá-lo para atacar pontos profundos na Rússia. E Scholz não está disposto a correr esse risco — nem o Bundestag, que votou contra uma resolução solicitando a transferência. Ainda que a decisão pareça de acordo com a opinião pública alemã, Scholz quer evitar o assunto.

Mas os alemães também se preocupam com a possibilidade de Scholz permanecer relutante em atacar Putin com força demais.

Pesquisas mostram que os alemães querem ver Forças Armadas alemãs mais capazes. Mas apenas 38% dos entrevistados disseram querer seu país mais envolvido em crises internacionais, o índice mais baixo desde que a pergunta começou a ser feita, em 2017, de acordo com a Fundação Körber, que conduziu a sondagem. Nesse grupo, 76% afirmaram que o envolvimento deveria ser primeiramente diplomático, e 71% se posicionaram contra um papel de liderança militar para a Alemanha na Europa.

Autoridades militares alemãs provocaram indignação recentemente ao sugerir que seu país deve ser “kriegstüchtig”, que se traduz aproximadamente como a capacidade de travar e vencer uma guerra.

O legislador da oposição Norbert Röttgen, especialista em política externa dos democratas-cristãos, afirmou que o termo foi considerado um “exagero retórico” e foi rapidamente abandonado.

“Scholz sempre afirmou que ‘A Ucrânia não deve perder, mas a Rússia não pode vencer’, o que indicava que ele sempre pensou a respeito de um impasse que ocasionaria um processo diplomático”, afirmou Röttgen. “Ele considera a Rússia mais importante que todos os países entre nós e eles, desprovido de um senso europeu e de um possível papel como líder europeu.”

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante evento em Moscou em 31 de janeiro Foto: Maxim Shemetov/Reuters

Röttgen e outros críticos de Scholz pensam que ele está perdendo uma oportunidade histórica de liderar a criação de uma capacidade europeia de defesa menos dependente das Forças Armadas dos EUA, assim como dissuasão nuclear.

Mas Scholz claramente se sente mais confortável dependendo pesadamente de Washington, e graduadas autoridades alemãs afirmam que ele desconfia especialmente do presidente francês, Emmanuel Macron, que argumenta a favor de uma “autonomia estratégica” europeia. Macron encontrou novos seguidores no continente.

Mesmo a principal iniciativa de defesa europeia de Scholz, um sistema terrestre de defesa antiaérea contra mísseis balísticos conhecido como Sky Shield, depende de uma combinação de sistemas de mísseis americanos, americano-israelenses e alemães. Isso enfureceu franceses, italianos, espanhóis e poloneses, que não aderiram argumentando que um sistema italiano-francês deveria ser usado.

As ambições de Scholz também são entravadas pela economia alemã cada vez mais fraca — que encolheu 0,3% no ano passado, e aproximadamente o mesmo é esperado para 2024. Os custos da guerra na Ucrânia e os problemas econômicos da China — que atingiram com mais força os setor automotivo e a manufatura — exacerbaram o problema.

Ainda que Scholz reconheça que o mundo mudou, “ele não está dizendo que nós devemos também mudar junto”, afirmou o analista alemão Ulrich Speck. “Está dizendo que o mundo mudou e que nós vamos protegê-los.”

Mas fazer isso pode muito bem requerer mais gastos militares em níveis acima de 3% do PIB alemão. Por agora, poucos no partido de Scholz ousam sugerir ir tão longe.

Os alemães, mesmo os social-democratas, “se perceberam que a Alemanha vive no mundo real e que poder coercitivo é importante”, afirmou o especialista em Europa Charles Kupchan, da Universidade Georgetown. “Ao mesmo tempo”, afirmou ele “ainda há a esperança de que tudo isso não passe de um pesadelo e de que os alemães voltarão a despertar no mundo passado”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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