A esquerda brasileira tem se notabilizado, ao longo dos anos, por defender causas que orbitam em torno dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos e do respeito às instituições democráticas. Contudo, ao observar a postura de setores dessa mesma esquerda diante dos acontecimentos recentes, salta aos olhos uma contradição gritante: enquanto vociferam contra a possibilidade de anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, condenando com veemência qualquer gesto de condescendência institucional, não demonstram o mesmo rigor ético ao apoiar — ou, no mínimo, relativizar — a aliança política de Lula com líderes autocráticos, como Vladimir Putin.
Neste exato momento, o presidente Lula se encontra na Rússia, participando das celebrações do Dia da Vitória, evento simbólico em memória da derrota da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial — mas que, sob o comando de Putin, tem sido progressivamente transformado em uma vitrine do autoritarismo russo e de sua narrativa bélica. O país anfitrião, convém lembrar, está imerso em um conflito internacional iniciado por uma invasão unilateral a um país soberano, a Ucrânia, em flagrante desrespeito às normas que regem a convivência entre nações civilizadas.
A presença de Lula ao lado de Putin, em um momento tão carregado de significado político, não é apenas diplomática: é simbólica. Trata-se de um gesto que confere legitimidade a um regime acusado de crimes de guerra, repressão interna e agressão militar internacional. É o mesmo Lula que, em solo brasileiro, defende o Estado de Direito, a estabilidade democrática e a punição exemplar dos envolvidos em atos antidemocráticos — como os de 8 de janeiro. Mas como justificar essa coerência doméstica quando, fora de casa, o discurso se curva diante de conveniências geopolíticas?
É legítimo — e necessário — criticar os atos golpistas de 8 de janeiro, julgar seus responsáveis e garantir que o Estado democrático de direito não seja novamente ameaçado por hordas travestidas de patriotas. Mas essa crítica perde sua força moral quando aqueles que a vocalizam se associam, de forma condescendente, a líderes que pisoteiam a democracia em escala global.
A esquerda brasileira precisa decidir se está comprometida com princípios universais ou apenas com conveniências ideológicas. Não se pode defender a democracia pela metade, nem tampouco relativizar crimes de guerra com a desculpa de “multipolaridade” ou “soberania estratégica”. Lula, como líder de uma potência regional, deveria ser a voz firme em defesa da paz e da legalidade internacional — não mais um personagem cúmplice em uma encenação que desonra as vítimas da guerra.
Se a coerência é o mínimo que se espera de uma liderança política madura, o silêncio ensurdecedor diante das contradições do Planalto revela o quanto ainda estamos distantes desse ideal.