A Rússia pode ter voluntários chineses, mas a Ucrânia tem drones
No mês passado, a Rússia expulsou as forças da Ucrânia da maior parte do território da região russa de Kursk, que os ucranianos haviam conquistado em agosto do ano passado. Os russos mobilizaram suas próprias brigadas de elite, tropas norte-coreanas e uma nova arma — drones de fibra óptica controlados por um filamento longo e leve, em vez de sinais de rádio, tornando-os impossíveis de bloquear. Agora, os combates se espalharam pela fronteira, chegando ao território ucraniano. Localidades próximas estão sendo bombardeadas, e milhares de civis fugiram ou foram retirados. Algumas unidades de assalto russas cruzaram a fronteira — mas até agora, insiste Volodmir Artiukh, chefe da administração militar da província de Sumi, “têm sido eliminadas”.
Tropas da Ucrânia ainda detêm faixas de território dentro da Rússia. Em um ataque diversivo, na última semana de março, as forças ucranianas avançaram através da fronteira até a região vizinha de Belgorod. Os russos estão bombardeando as cidades e vilas dentro da Ucrânia por onde as forças ucranianas passaram para chegar a Belgorod. Enquanto isso, na região do Donbas, no leste ucraniano, os combates continuam. Em 8 de abril, o presidente Volodmir Zelenski afirmou que as forças ucranianas capturaram dois cidadãos chineses que lutavam do lado dos russos — confirmando relatos de outros prisioneiros de guerra estrangeiros, de meses atrás, sobre a presença chinesa. Zelenski afirmou que abordaria a questão com o governo chinês.
Muitos dos que fogem das regiões fronteiriças próximas a Kursk acabam em Sumi, uma modesta cidade localizada 23 quilômetros ao sul da fronteira, com uma população anterior à guerra de aproximadamente 250 mil habitantes. Nadia Gorbliuk, de 64 anos, foi retirada do vilarejo rural de Uhroidi. Ela contou que não queria deixar seus animais, desatando a chorar. Enquanto as bombas caíam, ela pensou: “Este é o meu destino, morrer com meus perus!”. Quando soldados ordenaram sua retirada, ela beijou as aves despedindo-se. Gorbliuk ouviu que os nove perus foram levados para um local seguro.

A Rússia tentou, sem sucesso, tomar Sumi em fevereiro de 2022, no início de sua invasão em escala total à Ucrânia. Em seis semanas, suas forças foram expulsas de toda a região. Agora, diz Zelenski, a Rússia está se preparando para uma nova ofensiva. Não está claro se isso implicará um esforço real para ocupar a área ou simplesmente uma série de ataques implacáveis com o objetivo de imobilizar as tropas ucranianas e criar uma zona-tampão.
O acesso à cidade é rigorosamente controlado pelo SBU, o serviço de inteligência interna da Ucrânia. Além dos postos de controle, novos bunkers, mais trincheiras e mais linhas defensivas podem ser vistos recortando os campos que cercam a cidade. Sumi, porém, está mais movimentada: apesar do aumento na frequência dos ataques, sua população cresceu desde o início da guerra, diz Artiukh. A quantidade de deslocados que chegam das regiões fronteiriças é o dobro do número de antigos moradores que partiram. Artiukh interrompeu a conversa regularmente para identificar ruídos ao fundo: primeiro, o estrondo de algo se afastando; em seguida, dois rugidos baixos de jatos ucranianos sobrevoando a região, um MiG da era soviética e um F-16 de fabricação americana.

Nos primeiros três meses do ano, a região de Sumi foi atingida por 8.925 drones, bombas planadoras e mísseis, contra 3.693 no mesmo período do ano passado, afirma o Artiukh. No entanto, não há sinais de pânico na cidade. Sumi está bem defendida demais para os russos tomarem, afirmou o analista militar Iurii Butuzov. Ele acredita que o objetivo atual é retomar as colinas ao longo do lado russo da fronteira, ainda ocupadas pelas forças ucranianas.
O controle dessas colinas facilitaria o uso de drones para tentar estabelecer dentro da Ucrânia uma zona-tampão de 10 quilômetros de largura controlada pela Rússia. Isso, afirmou Butuzov, permitiria aos russos realocar a maior parte das tropas que lutam aqui para o leste do Donbas. A Rússia anexou oficialmente a região, mas praticamente nenhum país reconhece sua reivindicação, e parte da região permanece sob controle ucraniano. “O Donbas é um objetivo estratégico para Putin”, disse Butuzov.
Não está claro se os indivíduos traumatizados retirados das cidades e dos vilarejos fronteiriços retornarão algum dia. Gorbliuk agora dorme em um edifício que funcionava como uma clínica juntamente com outros deslocados, sob os cuidados da Pluriton, uma organização que ajuda pessoas que deixaram suas casas. A entidade é administrada por Katerina Arisoi, ela própria refugiada do Donbas. Muitos idosos retirados, cujas vidas giravam em torno de suas casas, seus jardins e seus animais, acham impossível se adaptar, disse Arisoi: eles desenvolvem “problemas de saúde, problemas mentais e morrem”.
Muitos em Sumi gostariam de um cessar-fogo, mas ninguém conta com isso. Os moradores não alimentam ilusões; o sentimento é de que a vida deve ir em frente. O mesmo se aplica a Kharkiv, uma cidade muito maior a sudeste de Sumi. Em uma tarde de sábado, dezenas de aposentados animados dançavam animadamente ao som da música na Praça da Liberdade, no centro da cidade. O evento de dança, que acontece todos os fins de semana há mais de uma década, mudou-se para a praça depois que o parque onde era realizado anteriormente foi bombardeado duas vezes.

Mais ao leste, em um vilarejo entre a fronteira russa e a região de Kupiansk, na linha de frente, soldados de uma unidade de drones conhecida como Tufão disseram que a situação estava tranquila. Nenhuma nova ofensiva russa era esperada, e eles se preparavam para se deslocar para Pokrovsk, uma cidade sitiada no Donbas. No último mês, a unidade começou a usar seus próprios drones de fibra óptica, afirmou Mihailo, seu comandante — alguns meses depois de os russos terem adquirido o equipamento.
Esses drones tornarão ainda mais difícil para soldados ou veículos se movimentarem ao longo das linhas de frente do que agora, disse Mihailo. Isso significa que menos soldados serão necessários para guardar as posições. Há seis meses os soldados ucranianos temiam que o inimigo os estivesse repelindo lentamente, mas hoje creem que drones e posições defensivas bem preparadas são capazes de conter os russos. De fato, as forças russas fizeram muito pouco progresso por mais de dois anos. Não se sabe se um acordo de cessar-fogo será alcançado. A Ucrânia está se fiando em suas próprias forças. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
Por Estadão