Uma em cada quatro cidades brasileiras não possui coleta seletiva. Ao todo, são 1.425. Os dados são de pesquisa recente da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais).
O cenário de atraso, descrito pelo diretor-presidente da associação, Carlos Silva Filho, pode ser ainda pior que as estatísticas indicam, pois o processo é incipiente em grande parte dos 74% municípios restantes.
“Precisamos levar em consideração que, mesmo nos municípios que possuem [coleta seletiva], ela não abrange a totalidade do território. Essa parte no Brasil é ineficiente”, afirma Silva Filho.
Com mais de 2.600 lixões a céu aberto, comenta Telines Basílio, gestor ambiental e presidente da Coopercaps, cooperativa de coleta seletiva de São Paulo (SP), a falta de incentivo prejudica também o meio ambiente e prejudica a criação de empregos nas indústrias de reciclagem. “Por isso, a coleta seletiva na maioria dos nossos municípios ainda é mínima”, diz Basílio.
Em concordância com o gestor ambiental, Silva Filho aponta que a coleta seletiva seria um importante passo para solucionar a existência dos lixões, outro problema grave.
“Eles recebem um volume enorme, 30 milhões de toneladas por ano, e dentre esse volume temos os recicláveis. Se tivéssemos coleta seletiva eficiente, não só avançaríamos na reciclagem, teríamos um ingresso de recursos na economia e minimizaríamos o impacto dos lixões”, destaca.
Outro levantamento da Abrelpe, de 2019, mostra a perda econômica gerada pelos resíduos recicláveis que vão aos 2.655 lixões existentes no país. Anualmente, segundo a associação, são R$ 14 bilhões desperdiçados.
“Se tivéssemos coleta seletiva eficiente, não só avançaríamos na reciclagem, teríamos um ingresso de recursos na economia e minimizaríamos o impacto dos lixões”, afirma o presidente da Abrelpe.
Dados o contexto de crise econômica e os trabalhadores que atuam com a coleta de lixo, avanços na reciclagem significariam emprego para camadas em situação de vulnerabilidade, sobretudo nos últimos anos.
“A reciclagem tem esse potencial de um triplo benefício: ambiental, pois reduz o descarte inadequado e minimiza a extração de recursos; girar a economia com novos recursos; e, por fim, fazer a inclusão social desses trabalhadores”, comenta Carlos Silva Filho.
Hoje, ao todo, segundo a Abrelpe, são 334 mil empregos gerados pelo setor de limpeza urbana e manejo de resíduos no país: 143.146 no Sudeste, 98.035 no Nordeste, 40.896 no Sul, 27.915 no Centro-Oeste e 24.587 no Norte.
Trata-se, portanto, segundo Silva Filho, de uma pauta sustentável, “para que possamos avançar em relação ao meio ambiente, e a um benefício de emprego e renda à população”.
Neste propósito, as cooperativas realizam um importante trabalho de inserção social da população no mercado de trabalho, diz Telines Basílio, que comenta que o cenário se acentuou na pandemia.
“Trabalhadores perderam seus empregos, e foi através daquilo que as pessoas chamam de ‘lixo’ que milhares de pessoas passaram a ter uma fonte de renda. O ‘S’ de social é a missão das cooperativas, principalmente das cooperativas de trabalho e produção, onde os catadores são reinseridos ao mercado de trabalho”, destaca o gestor ambiental.
Essa relação, prossegue ele, já é feita pelas cooperativas, “inserindo egressos do sistema prisional, populações da comunidade lgbtqiap+, refugiados, idosos e, principalmente, as mulheres”.
Outro dado da pesquisa da Abrelpe joga luz sobre o cenário dos resíduos no país: apenas 4% são reciclados.
A nível de comparação, o número é quatro vezes maior em países economicamente similares ao Brasil, como Argentina, África do Sul e Chile, e que chega a 67% na Alemanha, por exemplo.
O problema possui várias fontes, segundo Carlos Silva Filho. Essas falhas estruturais, aponta, constroem o cenário de atraso ao qual ele se refere.
Em primeiro lugar, cita o presidente da Abrelpe, a dimensão territorial do Brasil dificulta a logística do processo de retorno dos materiais. O custo pela tributação no país é outra adversidade: “O país não tem previsão tributária que priorize a utilização do resíduo como recurso. Existe, em muitos casos, uma bitributação, e o recurso sai mais caro que a matéria-prima.”
Por fim, a falta de integração entre as esferas do poder público termina por atrapalhar qualquer avanço nesse sentido.
“As ações são pontuais e individualizadas, e não há uma integração para se criar uma economia de escala, um potencial de negócios”, diz o presidente da Abrelpe.
Silva Filho aponta, ainda, que o país vive um processo de aumento da geração de recicláveis, que deve seguir pelos próximos anos. “Por isso, precisamos girar esse quadro”, diz.
Os dados de comparação a outros países são contestados por Telines Basílio. Segundo ele, os números são oficiais, portanto consideram somente as empresas de coleta de resíduos das prefeituras, sem incluir o trabalho dos catadores. “Falta inserir os números não oficiais. Se fizer isso, com certeza esses números irão aumentar e muito”, afirma o gestor ambiental.
Presidente da Abrelpe, Silva Filho pontua que, segundo fontes distintas, o índice de reciclagem gira entre 3% e 4%. “Desconheço alguma base de dados referenciada que tenha chegado a um índice diferente”, completa.