Por que Donald Trump está de olho em Canadá e Groenlândia? A resposta está no Ártico – Blog Folha do Comercio
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Por que Donald Trump está de olho em Canadá e Groenlândia? A resposta está no Ártico

de admin

A região está no centro dos desejos de Trump para anexar o Canadá e a Groenlândia, em busca dos recursos naturais e passagens estratégicas que se tornaram mais acessíveis por conta das mudanças climáticas

Depois de passar por Londres e Paris em sua primeira viagem internacional no cargo de primeiro-ministro do CanadáMark Carney desembarcou em Iqaluit, a capital do Ártico canadense no meio de março. A viagem teve um recado claro para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump: o Canadá não irá abrir mão de sua soberania no Ártico. A região –que se tornou uma zona de segurança importante e é cada vez mais cobiçada por conta de suas terras raras, recursos naturais e passagens estratégicas- está no centro das motivações de Trump para tentar anexar o Canadá e a Groenlândia.

Durante a visita a porção canadense do Ártico, Carney anunciou um plano de milhões de dólares canadenses para garantir uma presença militar do Canadá na região durante o ano todo. O governo canadense também revelou um acordo com a Austrália para desenvolver um radar de ponta para o Ártico que possa detectar mísseis hipersônicos e outras ameaças.

A zona ganhou mais atenção nos últimos anos por conta das mudanças climáticas, que tornaram a região mais acessível para novas rotas de transporte, além da extração de recursos naturais e terras raras. O derretimento do gelo também afetou o panorama geopolítico, já que EUA, Canadá, países nórdicos e a Rússia possuem um flanco do Ártico.

Iceberg derrete em Fiorde Scoresby, Groenlândia
Iceberg derrete em Fiorde Scoresby, Groenlândia Foto: Olivier Morin/AFP

A rota de colisão entre o Ocidente e a Rússia levou a casos de espionagem e sabotagem na região nórdica, aumentando a preocupação dos países ocidentais com a segurança. Ainda em seu primeiro mandato, o presidente Donald Trump já havia ventilado a possibilidade de comprar a Groenlândia, ilha semi-autônoma da Dinamarca, por razões de segurança no Ártico. No segundo mandato, Trump dobrou a aposta e diz que pode até usar força militar para tomar o território.

O Ártico está se tornando central na política de segurança dos Estados Unidos, avalia Marc Lanteigne, professor de ciências políticas da Universidade de Tromso, na região do ártico norueguês. “Por muitos anos os EUA expressaram preocupações com a influência da China e da Rússia na região, mas Trump rasgou muitas regras sobre como essa segurança é definida”.

O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, visita Iqaluit, capital do ártico canadense
O primeiro-ministro do Canadá, Mark Carney, visita Iqaluit, capital do ártico canadense Foto: Sean Kilpatrick/AP

Segurança da Groenlândia

O interesse americano na segurança do Ártico não é novo. A região é palco de atividades militares desde a 2ª Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, a Groenlândia se tornou peça-chave no tabuleiro militar entre Estados Unidos e União Soviética, já que os possíveis ataques das duas partes seriam lançados pelo Círculo Polar Ártico.

Em 1951, Estados Unidos e Dinamarca concordaram com um acordo de defesa que permitiu o estabelecimento de bases militares americanas na Groenlândia. Atualmente, Washington possui a Base Espacial Pituffik, um dos locais militares estrategicamente mais importantes do mundo.

“A Groenlândia está na rota direta em que os mísseis balísticos intercontinentais russos voariam em uma guerra nuclear contra os EUA”, aponta Kristian Søby Kristensen, chefe do departamento de estratégia e estudos de guerra da Escola Real de Defesa da Dinamarca. “É por isso que a Base Espacial de Pituffik está lá, é um radar de alerta de mísseis”.

O vice-presidente dos Estados Unidos, J.D Vance, participa de um tour pela Base Espacial de Pituffik, na Groenlândia
O vice-presidente dos Estados Unidos, J.D Vance, participa de um tour pela Base Espacial de Pituffik, na Groenlândia Foto: Jim Watson/AP

Mas mesmo com o acordo de defesa, Trump não está satisfeito. “Você tem barcos russos por todo o lugar, você tem barcos chineses por todo o lugar — navios de guerra. Nós precisamos da Groenlândia para segurança nacional e até internacional”, disse o presidente americano durante um discurso em uma sessão conjunta no Congresso no começo de março.

Durante a passagem pela ilha, o vice-presidente americano J.D Vance disse que os EUA estavam interessados na segurança do Ártico e criticou a Dinamarca por “não fazer o suficiente” para garantir a segurança do território. De acordo com uma reportagem do jornal americano The Washington PostWashington está preparando uma estimativa de quanto custaria para o governo federal manter a Groenlândia como território.

O que Trump quer?

A situação deixou os governos de Dinamarca e Groenlândia confusos sobre o que Trump quer na região em relação à segurança.

“O acordo de segurança entre EUA e Dinamarca já dá amplos direitos a Washington para conduzir operações militares e estabelecer bases na Groenlândia se assim desejarem”, aponta Kristensen. Durante a Guerra Fria, mais de 15 mil soldados americanos operaram no território.

Apesar disso, o analista dinamarquês reconhece que existe uma falta de investimento em defesa do país nórdico na Groenlândia, mas que esse déficit também é visto em outras áreas em que o Exército da Dinamarca atua. “Poderíamos ter feito mais, mas os EUA também. O debate sobre a segurança do Ártico não é de agora”.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anuncia novas tarifas em um discurso na Casa Branca
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anuncia novas tarifas em um discurso na Casa Branca Foto: Mark Schiefelbein/AP

Mas a Dinamarca planeja investir mais na região. O Serviço de Inteligência de Defesa do país afirmou em um relatório que a zona ártica é “uma prioridade para a Rússia”. Segundo o documento, Moscou “demonstrará seu poder por meio de comportamento agressivo e ameaçador, o que acarretará um risco maior de escalada do que nunca no Ártico”.

Copenhague também anunciou um pacote de US$ 2 bilhões de renovação militar para o Ártico, com a compra de novos navios, drones e satélites.

Kristensen diz não saber se isso será suficiente para Trump. O analista avalia que os EUA podem facilmente tomar o controle da ilha, que tem uma população de 56 mil habitantes e 80% de seu território coberto de gelo e sem presença humana.

“É justamente por isso que existe o Tratado de 1951. EUA e Dinamarca chegaram a conclusão de que a Dinamarca não conseguiria defender a Groenlândia sozinha e Washington tinha um interesse militar em defender o local. Por isso as duas partes concordaram em compartilhar essa responsabilidade”, aponta o analista.

Ártico canadense

O Canadá também tenta impulsionar o investimento em segurança no Ártico para domar as investidas de Trump sobre uma possível anexação, além de questionamentos sobre o investimento de países da Otan em defesa. O presidente dos Estados Unidos chamava o ex-primeiro-ministro Justin Trudeau de “governador” e disse em diversas oportunidades que gostaria que o país vizinho se tornasse o 51° Estado americano.

O país irá às urnas no dia 28 de abril e tanto o primeiro-ministro Carney quanto o líder da oposição, Pierre Poilievre, já afirmaram que querem abrir mais bases militares no Ártico. Atualmente, apenas 2 mil guardas locais vigiam uma área deserta e congelada de 4,4 milhões de quilômetros quadrados.

Para Heather Exner-Pirot, pesquisadora especializada em Ártico e diretora do setor de Energia e Recursos Naturais do Instituto Macdonald-Laurier, em Ottawa, é preciso investir em sistemas de vigilância para conter ataques russos e chineses. “Nosso sistema NORAD (Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte) e nossos sistemas de vigilância e monitoramento não conseguem detectar mísseis hipersônicos e outras tecnologias que eles estão desenvolvendo”.

Segundo Lanteigne, da Universidade de Tromso, a política canadense para o Ártico era excessivamente focada em meio ambiente e desenvolvimento da região antes da volta de Trump à presidência. “Toda a política de segurança do Ártico era muito integrada com os EUA. Agora existe uma pressão para que o Canadá lide de forma solitária com o Ártico e aumente o orçamento de defesa”.

O Canadá espera aumentar o investimento em defesa para 2% de seu PIB até 2032.

Exploração do Ártico

A busca por terras raras também faz parte da ambição de Donald Trump no Ártico. Desde antes de seu mandato, o presidente americano ressalta a necessidade de garantir mais minérios para competir com a China.

Pequim domina a extração e o refino de terras raras, controlando 50% das reservas mundiais e 70% da produção. Canadá e Groenlândia estão entre os dez países com maiores reservas no globo. “Na cabeça de Trump, o Ártico é visto com um lugar de recursos importantes para a nova economia: gás, petróleo e terras raras”, avalia Lanteigne.

As terras raras são importantes para a confecção de produtos de alto valor no mundo moderno, como carros elétricos, celulares, equipamentos médicos, turbinas eólicas e chips de computadores. .”A ideia de anexar a Groenlândia e o Canadá é ter acesso a esses materiais e ao mesmo tempo aumentar a extensão geográfica dos Estados Unidos”.

As rotas marítimas do Ártico também estão se tornando mais navegáveis a cada ano e tem o potencial de mudar o comércio global. As grandes potências já imaginam um dia em que os navios que viajam entre a Ásia, Europa e América do Norte não precisarão mais seguir para os canais do Panamá e de Suez, mas sim realizar rotas mais curtas pelo Ártico.

A chamada Passagem do Noroeste começa no Estreito de Davis, justamente entre a Groenlândia e o Canadá.

As reservas de petróleo e gás também impressionam. Segundo dados do Instituto Americano de Geociências, a região do Ártico possui 90 bilhões de barris de petróleo (16% do total global) e 44 bilhões de gás natural líquido (38% do globo).

Dificuldades

Apesar dos recursos almejados por Trump, a exploração da região segue sendo uma operação cara, com problemas de infraestrutura, mão de obra e gelo.

“Acredito que o governo Trump tem uma visão muito equivocada sobre a exploração do Ártico”, aponta Heather Exner-Pirot, pesquisadora especializada em Ártico. Para a analista, mesmo com a abertura de novas rotas, o fluxo do tráfego marítimo no Ártico segue sendo pequeno. “Antes o gelo do Ártico era um bloco sólido, agora está mais fino e quebradiço. Então as rotas estão lá, mas o trajeto é perigoso, precário, com um milhão de pedaços de icebergs”.

No caso da Groenlândia, existe o incentivo do governo local para que empresas estrangeiras invistam no setor de mineração, mas o custo do projeto atrapalha. “Existe um motivo de porque esses recursos não foram explorados antes. Poucas empresas se interessaram em investir neste setor da Groenlândia”, disse Kristensen.

Visão aérea mostra derretimento do gelo e a presença de icebergs em Nuuk, Groenlândia
Visão aérea mostra derretimento do gelo e a presença de icebergs em Nuuk, Groenlândia Foto: Odd Andersen/AFP

Para Lanteigne, se uma empresa desejasse investir no setor de mineração da Groenlândia ou no norte do Canadá, seria preciso esperar mais de duas décadas para ter algum lucro. “Demora muito para que uma mina seja construída. A região é muito remota, toda a infraestrutura e força de trabalho precisa ser trazida de fora e o produto precisaria ser refinado antes de ser colocado no mercado.”.

As dificuldades fazem com que a Groenlândia e o ártico canadense sejam regiões com pouco investimento e sem uma população correspondente ao tamanho dos territórios. “Não vai ser durante a minha vida que esses recursos serão baratos de extrair. Se Trump quer ter mais acesso aos recursos do Ártico, ele deve começar com o Alasca, que é muito subdesenvolvido pelos mesmos motivos que o ártico canadense e a Groenlândia são subdesenvolvidos”, destaca Exner-Pirot.

Por Estadão


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