Ministro do Supremo se transformou numa das vozes no mundo dispostas a enfrentar o poder quase absoluto das Big Techs
O ministro Alexandre de Moraes é uma figura que desperta admiração e aversão em medidas quase iguais. Para uns, ele é um magistrado que avança sobre os limites de sua autoridade, agindo de forma arbitrária. Para outros, é um guardião das instituições em tempos de ataques à democracia.
Mas há algo em sua atuação que transcende as interpretações e já se tornou um fato: para o bem ou para o mal, Moraes se transformou numa das vozes no mundo dispostas a enfrentar o poder quase absoluto das Big Techs, que dominam o fluxo global de informação.
O embate entre Moraes e as gigantes da tecnologia é um reflexo de um conflito maior, que envolve soberania nacional, liberdade de expressão e o papel das plataformas digitais na sociedade.

Um dos episódios mais recentes desse confronto envolveu o Rumble, uma plataforma de vídeos muito associada ao grupo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A empresa se apresenta como uma alternativa ao YouTube, com menos restrições na moderação de conteúdo. O Rumble se recusou a remover vídeos que a Justiça brasileira classificou como desinformação e ataques ao sistema eleitoral, e suas atividades foram suspensas no Brasil, por decisão de Alexandre de Moraes.
Nos últimos anos, tem se tornado comum que as gigantes da tecnologia, a maioria delas sediada nos EUA, ignorem ou resistam às decisões judiciais de outros países, alegando que suas políticas internas ou a legislação norte-americana prevalecem sobre as leis locais. Essa postura, que pode ser vista como um neocolonialismo digital, foi explicitamente rejeitada por Moraes em suas decisões. Concordem ou não com a decisão do ministro, é incontestável que o Rumble descumpriu uma ordem Judicial da mais alta corte do País.
A obviedade de que lei brasileira deve prevalecer, surpreendentemente, enfrenta resistência de setores que parecem aceitar passivamente a ideia de que as normas das Big Techs e a jurisdição dos EUA devem se sobrepor às regras do seu próprio país. Uma submissão preocupante e um precedente perigoso.
Moraes, nitidamente, atua diante de um vácuo deixado pelo Congresso brasileiro, que insiste em não criar leis que regulem a atuação das empresas de tecnologia no País. O Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, foi um avanço, mas não normatiza as redes sociais. Além disso, foi criado antes de debates importantes, como os que envolvem desinformação e inteligência artificial.
A falta de uma legislação específica deixa margem para que o STF crie suas jurisprudências, sem uma base ditada pelo parlamento. Portanto, os deputados e senadores que criticam Alexandre de Moraes nesse quesito deveriam ser os primeiros a propor uma legislação forte para nortear a atuação das Big Techs no Brasil.
A questão não é apenas sobre liberdade de expressão ou controle, como alguns querem fazer crer, mas sobre quem deve ditar as regras em um mundo cada vez mais digital, onde soberania nacional não deve ser desprezada.

Opinião por Sergio Denicoli
Autor do livro TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias, Sergio Denicoli é pós-doutor pela Universidade do Minho e pela Universidade Federal Fluminense. Foi repórter da Rádio CBN Vitória, da TV Gazeta (Globo-ES), e colunista do jornal A Gazeta. Atualmente, é CEO da AP Exata e cientista de dados.
Por Estadão