Entidades alertam para escassez de recursos para compra de imóveis; uso do fundo para aquisição de moradias já teve queda de 59% desde 2020
O setor imobiliário cobrou o fim dos empréstimos que antecipam recursos do saque-aniversário do FGTS após o governo federal apresentar aos bancos uma proposta para ampliar o uso do FGTS como garantia em empréstimos consignados no setor privado por meio do eSocial nesta semana. Nesse tipo de empréstimo, o desconto ocorre na folha de pagamento, e o recurso do fundo serviria apenas como garantia em caso de demissão.
O principal argumento é que a antecipação do saque-aniversário drena recursos do FGTS para o financiamento imobiliário, além de deixar o trabalhador sem a possibilidade de acessar os recursos do fundo em casos de doenças graves ou calamidades.
Segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), o saque-aniversário já retirou mais de R$ 142 bilhões do FGTS desde 2019, comprometendo a construção de 580 mil moradias populares no País. A entidade diz ainda que o número de trabalhadores que usam o saldo do fundo como entrada para comprar imóveis passou de 73% em 2020 para apenas 30% em 2024, devido ao comprometimento dos recursos com empréstimos consignados vinculados ao FGTS.
“A criação de uma plataforma virtual para crédito consignado a trabalhadores do setor privado pode ampliar o acesso ao crédito, mas é fundamental que essa medida seja acompanhada do fim do saque-aniversário do FGTS para garantir sua sustentabilidade e os investimentos em habitação popular”, informou a Abrainc, em nota ao Estadão.
O economista-chefe do sindicato das empresas do mercado imobiliário em São Paulo (Secovi-SP), Celso Petrucci, diz que a entidade vem falando com o governo há mais de um ano em busca de soluções para o impacto negativo dos empréstimos com o saque-aniversário do FGTS para o setor imobiliário.
“Daqui a alguns anos, pode ser que a gente não consiga ter o mesmo orçamento do Fundo de Garantia que nós tivemos em 2024 e que nós vamos ter em 2025. Quanto mais operações do saque-aniversário forem feitas, e são milhares por dia, mais corremos o risco do Fundo de Garantia, ao longo do tempo, não ter orçamentos que atendam principalmente o programa Minha Casa Minha Vida”, afirma Petrucci.
O economista critica a utilização do FGTS antecipado para finalidades não ligadas ao setor de habitação ou como proteção financeira ao trabalhador, como viagens ou compra de produtos com os empréstimos ligados ao fundo.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria e da Construção (CBIC), Renato de Sousa Correia, lembra que o problema não é o saque-aniversário em si, mas a antecipação feita por bancos para oferecer empréstimos.
“Se a antecipação for de muito longo prazo, se ela for de 11 anos, somente 25% do valor vai para o bolso do trabalhador, 75% vai para os bancos. O benefício é muito pequeno e o malefício é muito grande”, diz.
Na visão de Correia, oferecer aos bancos os empréstimos consignados facilitados pelo eSocial faz sentido se substituir a antecipação do saque-aniversário. “Não faz nenhum sentido ter uma ferramenta dessa e não resolver o problema grave que é de uso indevido do FGTS para consumo, e não para habitação”, afirma.
CEO da Brain, consultoria de inteligência de mercado que tem forte atuação no setor imobiliário, Fábio Tadeu Araújo afirma que o empréstimo consignado proposto pelo governo não prejudica o mercado como o empréstimo com a antecipação do saque-aniversário.
“O empréstimo do eSocial será descontado do salário do trabalhador, até o limite de 30%, e o FGTS servirá como garantia e quando a pessoa for demitida sem justa causa, 10% do saldo e até 100% da multa poderá ser utilizado para quitar o empréstimo. Isso não coloca em risco a saúde do FGTS e os principais objetivos de financiamento do FGTS, que são a habitação e saneamento básico”, diz. “Continua ainda a necessidade de avaliação de como será feito ou não o término do saque-aniversário, que, esse, sim, acaba sugando os recursos do FGTS para uma modalidade de financiamento que tem sido utilizada de maneira indiscriminada.”
Por Estadão