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Opinião | Agenda de Trump para os EUA favorece a China e DeepSeek é só o começo

de admin

No século 21, dominará o país que tiver o ecossistema mais inteligente, barato e eficiente de IA, veículos elétricos, baterias inteligentes e eletricidade limpa abundante

Entendo que Donald Trump foi eleito para administrar melhor as fronteiras americanas e conter a lacração de esquerda. Mas que ninguém se iluda: a lacração de direita de Trump — impugnar veículos elétricos e energia renovável porque eles não se conformam com a ideologia MAGA e não são másculos o suficiente — é tão desprovido de bom senso e distante do interesse nacional quanto qualquer lacração cultural de esquerda.

Não é nem do interesse da própria base dele: os cinco Estados com a maior parcela de energia eólica nos Estados Unidos são vermelhos. Eles geraram pelo menos um terço de sua energia a partir do vento. Isso é geografia, não política: os distritos rurais no centro dos EUA têm o maior potencial de energia solar e eólica. Eles sabem disso e estão aproveitando, mesmo que votem no Partido Republicano.

Mais importante: se o grito de guerra de Trump, “perfure, baby, perfure”, no alvorecer desta era de inteligência artificial, veículos elétricos, baterias e carros autônomos, realmente se tornar nossa estratégia, isso não tornará os EUA grandes novamente. Mas isso definitivamente ajudará a tornar a China grande novamente.

De fato, quando Trump declarou em seu discurso de posse que planejava levar os americanos a Marte, a primeira visão que me veio à cabeça foi a de um astronauta americano pousando no planeta vermelho e sendo recebido lá por um astronauta chinês, perguntando: “Por que demorou tanto?”

Ei, Friedman, por que você insiste em comparar os Estados Unidos e a China?

Certamente não é porque eu preferiria viver lá ou ter os problemas deles, que são muitos e profundos, principalmente no setor bancário. Não: é porque, apesar de seus problemas, a China ainda sabe como fazer grandes coisas — geralmente com pura força de cima para baixo, geralmente sustentada por um apoio governamental massivo, mas também frequentemente por um planejamento de bom senso e, mais frequentemente do que gostaríamos de acreditar partindo de um sistema autoritário, por inovação criativa.

A China tampouco é tola a ponto de tratar uma forma de geração de eletricidade como mais conservadora, liberal ou maoísta do que outra. No final, o produto de todas é apenas elétrons. Elas não seguem uma política. Tudo que importa para Pequim é o que é mais abundante, eficiente, barato e limpo.

Fiquei impressionado com a “coincidência” de que, no dia da posse de Trump, quando ele se gabou de que “os EUA em breve serão maiores, mais fortes e muito mais excepcionais do que nunca”, a startup chinesa de IA DeepSeek revelou seu mais novo modelo de IA, R1, que demonstrou um novo nível de poder de raciocínio — poder que foi capaz de alcançar com um algoritmo mais inteligente e sem importar os chips mais avançados dos EUA graças às restrições ao seu uso impostas pelos americanos à China. Pode-se obter mais suco de IA com uma laranja maior (mais redes neurais e dados) ou espremendo uma laranja menor com mais força com um algoritmo mais inteligente. Foi o que a DeepSeek teria feito.

Como descreveu um artigo no Business Insider, “A DeepSeek diz que o R1 atinge ‘desempenho comparável ao OpenAI o1 em tarefas de matemática, programação e raciocínio’”, e citou Theo Browne, um desenvolvedor de software por trás de um canal popular do YouTube, dizendo: “O novo modelo R1 da DeepSeek é incrível”.

Então, o que isso tem a ver com política energética?

DeepSeek é um chatbot mais barato e competitivo com menos chips de computador de última geração do que gigantes americanos como Google e OpenAI.
DeepSeek é um chatbot mais barato e competitivo com menos chips de computador de última geração do que gigantes americanos como Google e OpenAI. Foto: AP Photo/Andy Wong

A questão é que tudo hoje está conectado — exatamente o que Trump e seus lacradores de direita não entendem.

Quanto mais rápido a IA melhorar, mais eficientes e inteligentes os veículos elétricos autônomos se tornarão. Mas quanto mais a IA melhorar, mais energia ela exigirá. Quanto mais energia ela exigir, mais queremos que ela seja renovável, para não agravar as mudanças climáticas. Quanto mais renovável for, mais IA os EUA poderão gerar e mais eficientes nossas baterias elétricas se tornarão. Quanto mais eficientes nossas baterias se tornam, mais coisas elas podem alimentar, de carros a casas e fábricas — e mais competitivas nossas montadoras se tornam em um mundo no qual o futuro da mobilidade estará em grande parte nos veículos híbridos-elétricos, totalmente elétricos e autônomos.

Em outras palavras, no século 21, dominará o país que tiver o ecossistema mais inteligente, barato e eficiente de IA, veículos elétricos, baterias inteligentes e eletricidade limpa abundante. Assim como, na Era Industrial, dominava quem tinha o maior ecossistema de carvão, aço, petróleo e motores de combustão.

É o ecossistema, estúpido. E quem arrancar uma parte dele por razões políticas estúpidas, impulsivas e lacradoras de direita vai perder.

Confesso que tenho parentes em São Francisco e, sempre que vou lá, uso apenas o Waymo, os táxis autônomos do Google. Adoro vê-los encostarem no meio-fio para me buscar, com minhas iniciais piscando; entro no banco de trás, seleciono um dos canais de música tocando meus sucessos favoritos e então desço no meu destino — sem confusão, nem preocupação — porque nenhum humano está dirigindo.

Mas a questão dos carros autônomos — e, em breve, caminhões de longa distância e ônibus autônomos — é que eles precisam ser totalmente elétricos e conectados por satélite. Motores elétricos podem mudar a quantidade de energia que aplicam para girar as rodas instantaneamente, em uma pequena fração do tempo que leva para acelerar em um carro movido a gasolina. O tempo de reação muito mais rápido de um carro elétrico em resposta a um computador de direção autônomo é essencial para que você não mate pessoas.

Lembre-se, esses carros são apenas smartphones, robôs inteligentes e baterias inteligentes sobre rodas. Portanto, não surpreende que alguns dos veículos elétricos mais populares da China sejam feitos pela Xiaomi e Huawei, ambas empresas de smartphones, e pela BYD, a empresa de baterias. As empresas chinesas se veem construindo dispositivos de transporte digital, não apenas carros. Toda a experiência de direção de áudio e vídeo parece diferente. Muitas empresas automobilísticas dos EUA ainda estão construindo carros que se conectam ao seu telefone — e ponto final (uma das decisões industriais mais fatídicas tomadas nos EUA foi quando a Apple e o Google decidiram não fabricar carros).

A BYD, a montadora de automóveis de crescimento mais rápido do mundo, está investindo US$ 14 bilhões em tecnologia de direção autônoma, como o chefe do escritório de Pequim do The Times, Keith Bradsher, relatou no ano passado. A BYD decidiu que a direção autônoma era o futuro e entrou com milhares de engenheiros. Enquanto isso, a GM fechou o Cruise, seu projeto de táxi autônomo, e investiu em recompras de ações. É um exemplo de como hipotecar o próprio futuro.

Claro, o veículo elétrico ideal é aquele alimentado por energia renovável — eólica, solar, das ondas, hidrelétrica ou nuclear. Nesses casos, estamos realmente viajando sem poluir. A China ainda não está totalmente lá. Mas a abordagem energética da China é o que Joe BidenBarack Obama e George W. Bush optaram: todos os itens acima.

Sim, vamos explorar nossa vantagem no petróleo e no gás: sob Biden, os EUA bombearam mais petróleo em 2023 do que qualquer outro país na história do mundo. Mas ele também disse que, enquanto exploramos nossa vantagem de combustível fóssil, vamos dobrar a aposta em energia eólica e solar, nuclear, no hidrogênio, na fusão — e em veículos elétricos — para que possamos ter o ecossistema de mobilidade-IA-baterias-autonomia que será o motor de tantas inovações no século 21.

E então veio Trump.

Ele imediatamente declarou uma “emergência energética nacional” — porque os líderes das empresas americanas de IA disseram a ele, corretamente, que não teriam energia suficiente para operar seus data centers devoradores de energia.

E como Trump propôs lidar com a emergência que ele declarou? Dobrando a aposta nos combustíveis fósseis, juntamente com o congelamento dos incentivos governamentais da era Biden para energia eólica, colocando em dúvida os incentivos para energia solar e se gabando de construir enormes data centers que consomem muita eletricidade para IA.

Isso não é um ecossistema. Isso é uma bagunça energética da lacração de direita.

Turbinas eólicas em uma fazenda solar gigante perto de Weifang, na província de Shandong, no leste da China
Turbinas eólicas em uma fazenda solar gigante perto de Weifang, na província de Shandong, no leste da China Foto: AP Photo/Ng Han Guan, Arquivo

É sério? A energia eólica e solar juntas hoje fornecem mais de 14% da geração de eletricidade dos EUA.

Não consigo descrever melhor o quão tolo isso é do que meus colegas da redação do Times quando escreveram a respeito disso na semana passada: “Trump declarou que os Estados Unidos estão enfrentando uma emergência energética, mas quer bloquear milhares de megawatts de projetos eólicos planejados que poderiam abastecer residências e empresas. Ele fala em fortalecer a manufatura americana, mas planeja retirar a assistência da indústria de veículos elétricos, que investiu bilhões de dólares em novas fábricas nos Estados Unidos”.

Como disse Carl Pope, ex-presidente do Sierra Club e autor, com Michael Bloomberg, de “Climate of Hope”: “É como tocar um alarme de incêndio e depois demitir o corpo de bombeiros”.

Além disso, Pope me disse que, se sufocarmos o crescimento da indústria eólica dos EUA enquanto a demanda por eletricidade estiver aumentando, poderemos ter que reativar usinas de carvão aposentadas, “o que seria extremamente caro”, sem mencionar a poluição por carbono.

É exatamente o oposto do bom senso. Na verdade, não faz nenhum sentido. A China deve estar adorando, porque seus líderes sabem o quanto isso enfraquecerá os EUA enquanto concorrentes no ecossistema industrial do futuro: IA, veículos autônomos, baterias e energia limpa.

Como uma análise no site de pesquisa climática Carbon Brief observou no ano passado, a China fez um grande aumento no investimento em energia limpa em 2023 — “em particular, as chamadas ‘novas três’ indústrias de energia solar, veículos elétricos (VEs) e baterias”. Em 2023, “o investimento em energia limpa na China aumentou 40% em relação ao ano anterior” para US$ 890 bilhões, um investimento que “é quase tão grande quanto o total de investimentos globais em fornecimento de combustível fóssil em 2023”.

Não há dúvida: se Trump continuar neste curso, ele definitivamente tornará a América mais “excepcional” do que nunca — mas não da maneira que ele pretendia./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu ‘De Beirute a Jerusalém’

Por Estadão

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