Expectativa de inflação em alta está associada à perspectiva de contas públicas com déficit primário nos próximos anos
Pode parecer animadora a prévia de inflação de janeiro, de 0,11%, mas o cenário está longe de ser tranquilizador para as famílias. O número acumulado em 12 meses, de 4,50%, bateu no teto da meta e representa um claro desafio para o governo e para o Banco Central (BC). Além disso, o conjunto de preços ao consumidor foi puxado pelo grupo alimentação e bebidas, com alta mensal de 1,06% e variação acumulada de 7,49%. Esses números são especialmente ruins num país onde a comida tem grande peso no orçamento familiar. Os últimos dados são do IPCA-15, um balanço parcial da evolução dos preços no começo do ano, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Talvez mais sombrio que esse primeiro indicador, o boletim Focus, elaborado pelo BC, aponta para este ano uma inflação de 5,50%, correspondente à alta prevista para os preços ao consumidor. Quatro semanas antes, a alta projetada estava em 4,96%. Na semana anterior, em 5,08%. Também têm piorado as estimativas para os anos seguintes. No último levantamento, a expectativa para 2026 passou de 4,10% para 4,22%. Os números previstos para 2027 e 2028 subiram para 3,90% e 3,73%, também superando o centro da meta, de 3%. Esse boletim, publicado semanalmente, reproduz as medianas das projeções coletadas no mercado.
A inflação deverá continuar acima da meta, nos próximos anos, mesmo num quadro de baixo dinamismo econômico. Segundo as projeções, o Produto Interno Bruto (PIB), correspondente ao valor adicionado dos bens e serviços produzidos no País, crescerá 2,06% neste ano, 1,72% no próximo, 1,96% em 2027 e 2% em 2028.
Pode parecer estranha, à primeira vista, a persistência de pressões inflacionárias ao longo de anos de pouca expansão da economia. Mas a expectativa de inflação é associada à perspectiva de contas públicas esburacadas, com déficit primário em todo o período coberto pelas projeções. O desajuste, segundo as estimativas, deverá ocorrer até o fim do atual mandato presidencial e nos anos iniciais do próximo. Segundo o boletim, o resultado primário das contas públicas (sem os juros) será um déficit equivalente a 0,60% do PIB neste ano e no próximo, a 0,46% em 2027 e a 0,30% em 2028. Houve piora nas projeções a partir de 2026.
A expectativa de finanças públicas desarrumadas tem sido alimentada principalmente pela disposição gastadora exibida pelo presidente da República. Essa perspectiva combina com a manutenção de juros altos nos próximos anos – solução normalmente usada pelo BC para conter o desarranjo inflacionário. Em quatro semanas a taxa básica de juros estimada para o fim deste ano passou de 114,75% para 15%. Os próximos anos, de acordo com as projeções, deverão terminar com taxas de 12,50%, 10,38% e 10%. Descontada a inflação, esses juros básicos ainda serão muito altos e certamente desfavoráveis ao investimento produtivo e à expansão da economia.
Se estiver, mesmo, empenhado em favorecer o crescimento econômico e a expansão do emprego, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de se tornar menos gastador, cuidar mais do equilíbrio das contas públicas e dar mais espaço às empresas para se financiar e dinamizar os negócios. Lideranças petistas poderão protestar, mas a maior parte dos brasileiros poderá ter mais oportunidades com menor risco de inflação.
Análise por Rolf Kuntz
Jornalista
Por Estadão