Genes herdados da família definem nossas características físicas; entenda o que isso significa para quem deseja alcançar outro peso ou formato corporal
Dias atrás, me deparei com uma foto da influenciadora americana Kim Kardashian que me deixou reflexiva. Era uma recriação de sua icônica capa da Vogue de 2014, na qual equilibrava uma taça de champanhe nas nádegas enquanto servia a bebida. Na nova foto, ela aparece rindo, pois seu novo quadril, que antes sustentava a taça, não passa nem perto de conseguir a mesma “proeza”. Kim passou por uma transformação corporal radical no último ano: retirou (ou diminuiu) as próteses de silicone, reduziu vertiginosamente o tamanho do quadril e abandonou o visual que a tornou famosa.
Kim Kardashian não está sozinha nesse incessante ciclo de mudanças estéticas. Para além das cirurgias plásticas, outros influenciadores, como Gracyanne Barbosa, relatam comportamentos extremos tanto nos treinos quanto na dieta em busca de um corpo que chame atenção. Recentemente, a atual participante do Big Brother Brasil afirmou comer mais de 40 ovos por dia — sem contar outros suplementos — para conseguir esculpir seu corpo.
Esse tipo de declaração e as transformações corporais que esses influenciadores exibem (tanto mulheres quanto homens) fazem com que muitos se perguntem: se eu comer a mesma coisa e seguir exatamente os mesmos treinos, terei o mesmo corpo que eles? A resposta é simples: não. Para o bem ou para o mal, essas pessoas não revelam tudo o que realmente fazem e consomem. Mesmo se revelassem, e você seguisse o protocolo à risca, a resposta ainda seria “não”.
Sobre esse tema, um dos melhores e mais interessantes artigos científicos é A Loteria Genética da Vida. Nele, os autores discutem como os genes herdados de nossos pais determinam nossa forma corporal. Quando recebo pacientes insatisfeitos com alguma parte do corpo, costumo perguntar: “Como são seus parentes mais próximos?”. A resposta frequentemente é reveladora.
No artigo, os pesquisadores classificam o corpo em três principais grupos fenotípicos:
1. Pessoas com facilidade para ganhar peso: apresentam maior predisposição ao acúmulo de gordura corporal e dificuldade na perda de peso.
2. Pessoas com dificuldade para ganhar peso: tendem a ter um metabolismo aumentado e dificuldade em acumular gordura (ou até mesmo massa muscular) e facilidade para perda de peso.
3. Pessoas com características intermediárias: com tendências para ganho ou perda de peso, dependendo mais diretamente de fatores ambientais e comportamentais. A maioria das pessoas se enquadra nesse grupo.
Embora essa classificação seja apenas educativa, ela ilustra como o nosso corpo responde de formas distintas aos estímulos. Via de regra, a busca por padrões irreais não é apenas inalcançável; é também cruel e improdutiva. Basta lembrar quantos sósias dos bonecos Barbie e Ken existem no mundo e nenhum deles chegou sequer perto de ficar idêntico ao seu ídolo. Essas comparações e busca por um corpo específico, além de serem um grande desserviço, podem prejudicar tanto a saúde física quanto a emocional de quem tenta seguir o exemplo.
Entender nossa “loteria genética” não significa desistir de melhorar, mas sim de buscar transformações que respeitem nossa individualidade e nos permitam viver melhor, com saúde e equilíbrio. Querer melhorar faz parte da natureza humana. Essa é uma característica evolutiva ligada à autopreservação e ao desejo de pertencimento. Enquanto alguns buscam pertencimento pelo destaque profissional ou social, outros tentam alcançá-lo através de atributos físicos.
O que chama atenção é como certos influenciadores alteram o corpo como se trocassem de roupa. Fazem preenchimento nos lábios, realizam múltiplos procedimentos estéticos, submetem-se a cirurgias plásticas e promovem o consumo de suplementos desnecessários. Tudo isso, muitas vezes, à custa de altos investimentos financeiros e pela promessa ilusória de alcançar padrões de beleza inatingíveis.
Mas é possível driblar a nossa genética?
Sim e não. Antigamente, centenas de anos atrás, quando o ambiente era de escassez ou, pelo menos, sem excessos, já existiam esses diferentes fenótipos, mas eles pouco se manifestavam, pois não havia estímulos ambientais para isso. Com a modernização, as pessoas em geral passaram a diminuir o gasto de energia e a aumentar o consumo alimentar – inclusive com a chegada dos alimentos ultraprocessados e hiperpalatáveis. Esse aumento no consumo de calorias possibilitou que as diferentes características se manifestassem e os perfis corporais ficassem cada vez mais distintos.
Atualmente, para quem tem tendência a engordar, a principal atitude é ser mais vigilante em relação a comportamentos que levam ao ganho de peso. Mas o que é relativamente simples para alguém com um fenótipo com facilidade de perda de peso é bem mais complexo e sofrido para alguém com fenótipo que propicia o ganho de peso. Para um observador qualquer pode parecer que o esforço demandado para emagrecer seria igual para essas pessoas… Ledo engano.
Ainda não existe um método para identificar cada pessoa dentro do seu fenótipo, mas seu histórico familiar, de ganho de peso e saúde já é um indicativo de tendência. Saber isso é empoderador, já que ajuda a realinhar expectativas dentro do processo.
Todos os fenótipos podem ser saudáveis. O que não dá é desejar que todos sejam iguais. Uma de minhas frases favoritas é: “Se todas as pessoas fizessem os mesmos treinos e comessem os mesmos alimentos, ainda assim os corpos seriam completamente diferentes” – e isso é maravilhoso!
Querer melhorar, é uma coisa; tentar transformar completamente algo tão complexo quanto o corpo humano, é outra. Essa luta é árdua, custosa — e, como mostram esses casos, sem fim. Buscar a saúde deve ser a escolha de todos, sempre com muito autocuidado e respeito ao seu corpo e à sua história.
Opinião por Desire Coelho
Nutricionista e bacharel em esporte, doutora e mestre em Ciências pela USP, especialista em transtornos alimentares e em análise do comportamento. É autora do livro “Por que não consigo emagrecer?” e coautora do livro “A Dieta Ideal”