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Estudo não concluiu que ivermectina reduz tempo médio de infecção por covid

de admin

Vídeo em redes sociais distorce dados de pesquisa; conclusão de cientistas é que não há benefício na utilização do medicamento; responsável pelo conteúdo foi procurado, mas não respondeu

O que estão compartilhando: que um estudo mostrou que pacientes de covid-19 que usaram ivermectina “tiveram dois dias a menos de infecções” e redução de 60% em hospitalizações e mortes. O homem que grava o vídeo cita, ainda, que a ivermectina apresenta benefícios no tratamento de câncer. No vídeo, ele advoga o uso do medicamento taxativamente: “use, continue usando, faz diferença”.

O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. As alegações são interpretações equivocadas dos dados do estudo, como explicam pesquisadores consultados pelo Verifica. Em suas conclusões, a pesquisa científica afirma ser improvável que a ivermectina ofereça uma melhora clinicamente significativa na recuperação, internações hospitalares ou resultados a longo prazo.

O autor do vídeo, o médico Davi Rodrigues, foi procurado, mas não respondeu.

Estudo não concluiu que ivermectina reduziu infecção por covid
Estudo não concluiu que ivermectina reduziu infecção por covid Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: o estudo citado no vídeo é intitulado “Ivermectin for COVID-19 in adults in the community (PRINCIPLE): An open, randomised, controlled, adaptive platform trial of short- and longer-term outcomes“. Em português: ”Ivermectina para covid-19 em adultos na comunidade (PRINCIPLE): Um ensaio de plataforma adaptativa, aberta, randomizada e controlada de resultados a curto e longo prazo“. Ele foi publicado em abril de 2024, no Journal of Infectionpublicação oficial da British Infection Association. O estudo não apresenta as conclusões que o homem no vídeo afirma.

A pesquisa analisou casos de 8.811 pacientes que testaram positivo para covid-19 no Reino Unido, entre 2 de abril de 2020 e 1º de julho de 2022, e dividiu o grupo entre aqueles que receberam ivermectina e os que passaram por outros tipos de tratamento. Logo no início da publicação, na seção “Interpretação” (“Interpretation”, em inglês), é informado pelos autores que os dados do estudo devem ser interpretados da seguinte forma: “É improvável que a ivermectina para covid-19 ofereça uma melhora clinicamente significativa na recuperação, internações hospitalares ou resultados a longo prazo”. O texto acrescenta que não há justificativa para a realização de outros ensaios com ivermectina para infecção pelo vírus SARS-Cov-2, causador da covid-19, em populações vacinadas.

Em outro trecho, “Resumo” (“Summary”, em inglês), os autores escrevem: “não há evidências de que a ivermectina reduziu a necessidade de internação hospitalar”.

Vídeo distorce dados do estudo

No vídeo, o homem interpreta erroneamente os dados que constam na tabela abaixo, retirada do estudo, para afirmar que houve cerca de 60% na redução de mortes e hospitalizações. A comparação é feita entre o percentual de pessoas que registraram óbito ou hospitalização no grupo que recebeu ivermectina (1,6%) com o grupo que recebeu outro tratamento (4,4%). No entanto, o homem despreza o dado que vem logo na coluna seguinte: 0%. Segundo o virologista Flávio Fonseca, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esse porcentual significa não haver diferença entre os dois grupos após análise estatística que eliminou vieses da amostra.

Tabela retirada do estudo.
Tabela retirada do estudo. Foto: Reprodução/https://www.sciencedirect.com/

“Os autores explicam que o braço com tratamento sem ivermectina começou bem antes, quando as condições de saúde pública, de atendimento, ainda eram muito precárias”, explicou o virologista. “Houve muito mais morte no início, nesse grupo, do que no momento que o braço com ivermectina começou a ser analisado. Para corrigir esse viés na amostra, os autores aplicaram um método estatístico e concluíram que, corrigido o viés, não houve diferença entre os dois grupos em relação a mortes e hospitalizações”.

Também consultado sobre o estudo, o pesquisador Gabriel da Rocha Fernandes, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Minas Gerais, dá uma explicação um pouco mais técnica sobre a mesma conclusão:

“O teste estatístico mostra que em 95% das vezes, essa diminuição da porcentagem (cerca de 60% de redução de mortes) pode ser de -1% até 0.6%”, explicou Fernandes, especialista em análise de dados biológicos de experimentos clínicos. “Ou seja, o valor negativo indica que o efeito pode ser inverso. E isso deve-se à aleatoriedade representada pelas observações. Então, essa ‘diferença’ de fato não existe, e é apenas um artefato do conjunto de dados”.

O autor do vídeo também alega que o grupo que tomou ivermectina teve dois dias a menos de percepção dos sintomas, mas isso é uma distorção de outro trecho do estudo. De fato o resultado é apontado, porém o estudo mostra que ele é “clinicamente irrelevante”.

O pesquisador Gabriel Fernandes explica: “O dado se refere à mediana, ou seja, metade das pessoas do grupo que usou ivermectina tinham esse resultado (dois dias a menos). A mediana é usada para descrever dados, não para fazer inferências, tomar decisões. Ao observar todos os indivíduos dos dois grupos, o estudo conclui que não houve diferença clinicamente relevante”.

Na seção “Conclusão” (“Conclusion”, em inglês), os autores do estudo afirmam que os resultados “apoiam a posição de que a ivermectina não deve ser usada para tratar a infecção por SARS-Cov-2 na comunidade em países de alta renda com uma população amplamente vacinada”.

Os pesquisadores apontam que os achados sobre ineficácia da ivermectina no tratamento da covid-19 estão em conformidade com outros estudos, como o realizado no Brasil, intitulado “Effect of early treatment with ivermectin among patients with COVID-19″ (“Efeito do Tratamento Precoce com Ivermectina entre Pacientes com Covid-19″, em português).

Ivermectina e câncer

Sobre a suposta efetividade da ivermectina no tratamento de câncer, o Estadão Verifica mostrou recentemente que não há comprovação de eficácia do medicamento no tratamento de câncer. Os estudos sobre o tema ainda estão em fase inicial.

Por Estadão


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