A normalização só fortalecerá as elites governantes, colocará em risco os direitos humanos e criará condições que impulsionam o fluxo migratório, de acordo com um especialista
Em menos de um mês, Nicolás Maduro deve começar um terceiro mandato como presidente da Venezuela, embora as contagens de votos demonstrem que o candidato da oposição, Edmundo González, venceu a eleição por uma vantagem esmagadora. Embora toda a comunidade internacional tenha um papel importante em responsabilizar Maduro e sua elite e apoiar o povo venezuelano, todos os olhares apontam para um país: os Estados Unidos.
O retorno de Donald Trump à presidência desencadeou expectativas de uma volta à estratégia de “pressão máxima” do primeiro mandato dele. Em contraste, muitos comentários recentes alertaram para as graves consequências de um retorno a essa política, sugerindo, em vez disso, uma continuação das medidas de flexibilização das sanções, adotadas sob o governo Joe Biden.
Mas nem um retorno a 2019 nem a normalização das relações com Maduro criarão condições favoráveis para uma transformação democrática na Venezuela, especialmente considerando o forte movimento popular que se uniu para apoiar González. Novas circunstâncias exigem uma nova estratégia.
Como chegamos aqui? Em dezembro de 2023, Maduro obteve concessões significativas dos EUA. Isso incluiu a emissão de licenças da OFAC para a Chevron, outra licença que excluiu temporariamente a empresa petrolífera estatal PDVSA das sanções, e o perdão de Alex Saab, o cérebro da cleptocracia de Maduro. Por sua vez, a oposição obteve apenas promessas vagas.
Maduro esperava encorajar uma oposição dividida a boicotar as eleições de julho, para que ele pudesse obter uma vitória eleitoral aceitável o suficiente para restaurar sua posição internacional e garantir a suspensão das sanções. Mas ele superestimou seu apoio político e ignorou a capacidade da oposição de estabelecer uma candidatura robusta para Edmundo González. O que aconteceu a seguir foi uma cadeia de improvisações e reações exageradas. Depois que descobriu a verdadeira vontade dos eleitores, Maduro ordenou que sua autoridade eleitoral o proclamasse presidente eleito sem contagens oficiais ou resultados transparentes.
O que fazer com as sanções ao petróleo
Então, o que deve ser feito agora? Em 2022, o Departamento do Tesouro dos EUA justificou sua decisão de emitir as licenças da Chevron com base em “ações específicas que aliviam o sofrimento do povo venezuelano e promovem a restauração da democracia”. Mas, em 2023, ele alertou: “O Tesouro está preparado para alterar ou revogar autorizações a qualquer momento, caso os representantes de Maduro não cumpram seus compromissos”. Não devemos duvidar da sinceridade dessas declarações; as licenças de petróleo não foram concedidas porque as sanções falharam, mas porque as sanções foram consideradas o melhor incentivo para as negociações. Portanto, as licenças podem ser revertidas se Maduro violar os compromissos.
Como Maduro violou todas as linhas do Memorando de Entendimento de 2021 e do Acordo de Barbados de 2023, o governo dos EUA deve manter sua promessa alterando ou revogando as licenças de exploração do petróleo. Alguns, no entanto, argumentam a favor de desconsiderar essas declarações e mudar a estratégia, concedendo licenças de petróleo com base em ações específicas para restaurar a democracia e fornecer um fluxo de caixa estável para Maduro, que deve ser tratado como presidente.
Mas manter o alívio das sanções, mesmo que Maduro tenha abandonado qualquer tentativa de simular medidas para restaurar a democracia, enfraqueceria a credibilidade da política dos EUA. Isso, por sua vez, eliminaria qualquer possibilidade de confiar nessas políticas como alavanca para encorajar uma solução negociada.
Mais petróleo por menos imigrantes?
Outro argumento propõe que continuar a aliviar as sanções ao petróleo beneficiaria a Venezuela e diminuiria os fluxos migratórios. Outros sugerem manter as licenças de exploração do petróleo porque elas trouxeram transparência à indústria petrolífera.
As evidências indicam que essas são propostas equivocadas. A produção de petróleo permitida pelas licenças da OFAC não tem a estrutura institucional necessária para distribuir eficientemente as receitas do petróleo para o bem-estar dos venezuelanos. Na verdade, essa produção de petróleo opera sob a Lei Antibloqueio da Venezuela, que dificulta a transparência e a responsabilização ao mesmo tempo em que promove políticas predatórias, como corrupção e violações de direitos humanos.
Mais petróleo não deterá os fluxos migratórios porque as receitas do petróleo não podem ser distribuídas de forma transparente e eficiente. Sob a regra de opacidade imposta pela Lei Antibloqueio, as receitas do petróleo encorajarão políticas predatórias, como demonstrado pelo recente ataque de Maduro à crescente indústria de camarão.
As licenças da OFAC não abordam a causa raiz da crise migratória, que é a decadência política significativa. Essa decadência provavelmente continuará sob a autoproclamação de Maduro e a Lei Antibloqueio, aumentando as pressões sobre os fluxos migratórios.
Devemos retornar à pressão máxima?
A política de normalização se baseia em um equívoco: a crença de que as sanções devem ser suspensas porque “falharam” em promover a democracia. A mesma falácia pode ser usada para concluir que, como as políticas de flexibilização “falharam” em alcançar eleições livres e justas, a única opção é retornar à estratégia de 2019.
A abordagem dos EUA em 2019 para a Venezuela enfrentou dois problemas principais: não tinha um movimento de base e não forneceu uma estratégia convincente para encorajar as elites governantes a favorecer uma transição. A última questão foi abordada com o “Quadro para uma Transição Democrática Pacífica na Venezuela” de 2020, que encerrou a chamada política de “pressão máxima”. E agora, diferentemente de 2019, a Venezuela tem um movimento popular alimentado pelas primárias de 2023 e galvanizado pela eleição de 28 de julho.
Uma nova abordagem para novas condições
O recente Projeto de Lei Bolívar aprovado pela Câmara dos Representantes dos EUA e as muitas declarações do governo dos EUA reconhecendo González como presidente eleito são sinais de que a política bipartidária pode refinar a abordagem às condições atuais da Venezuela. A alternativa à pressão máxima e à política de flexibilização de sanções deve se basear em três pilares principais.
O primeiro pilar é respeitar a vontade dos eleitores venezuelanos, reconhecendo Edmundo González como seu presidente eleito. A eleição de 28 de julho resultou em parte do apoio dos EUA ao Acordo de Barbados. A elite de Maduro optou por ignorar esse acordo, mas os EUA devem continuar a defendê-lo após a Declaração de Bogotá de 2023. Honrar a vitória de González ajudará a manter o movimento popular promovido pelas primárias e pela eleição.
O segundo pilar deve ser impedir que Maduro se beneficie de licenças de exploração do petróleo. Em vez de pagar a Maduro sua parte da produção de petróleo, as empresas petrolíferas poderiam depositar essa parte em uma conta caução que poderia eventualmente ser usada para financiar ajuda humanitária por meio de mecanismos transparentes.
Finalmente, o terceiro pilar deve ser um plano abrangente que use sanções pessoais e econômicas para apoiar uma transição democrática. Isso incentivaria os membros da elite governante a desobedecer a Maduro e buscar mudanças políticas. Aumentar o custo da repressão sem aliviar o preço da dissidência não favorecerá a mudança democrática.
Ignorar a natureza predatória de Maduro e fingir que seu governo pode se comportar racionalmente para promover o bem-estar do povo é uma grave distorção dos fatos. A normalização só fortalecerá as elites governantes, colocará em risco os direitos humanos e criará condições que impulsionam os fluxos migratórios. A melhor alternativa à política de flexibilização não é retornar a 2019, mas avançar em resposta às condições atuais, honrando os resultados das eleições presidenciais e criando incentivos reais para uma transformação democrática. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Opinião por José Ignacio Hernández*
Hernández é professor de Direito Constitucional e Administrativo na UCV e UCAB da Venezuela. Ele é um membro sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, CSIS, e lidera pesquisas sobre dívida pública na Aurora Macro Strategies. Atuou como Procurador-Geral Especial da Venezuela.
Por Estadão