Cedo ou tarde, a energia será religada para todos em SP. Mas o descaso da Enel e do poder público ficará como marca do desrespeito aos cidadãos quando eles mais precisaram de atenção.
É inaceitável que milhares de consumidores de energia elétrica em São Paulo ainda estejam desatendidos desde a noite do dia 11 de outubro, quando um breve temporal destruiu parte da infraestrutura de rede elétrica da concessionária Enel, responsável pelo serviço de distribuição na Região Metropolitana do Estado.
Mais de 2 milhões de clientes da empresa ficaram às escuras logo nos primeiros minutos de chuva. Lamentavelmente, sete pessoas morreram. Os semáforos da capital paulista apagaram como sempre, é claro, instalando o caos no já tumultuado trânsito das noites de sexta-feira. Quase 96 horas desde o temporal, calculava-se que ainda houvesse cerca de 530 mil imóveis em São Paulo sem energia elétrica.
Hoje, não se pode mais falar que se trata apenas de má prestação de serviço. É de desrespeito generalizado que se está tratando, de descaso com o sofrimento dos cidadãos afetados – descaso da Enel, das três esferas de governo e, não menos importante, dos dois postulantes à Prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que viram no apagão uma oportunidade para explorar eleitoralmente o drama das famílias paulistanas.
Comecemos pela Enel. Políticos decidiram que a empresa é a inimiga pública número um de São Paulo neste momento. Nunes chegou a dizer isso quase ipsis litteris ao acusar a Enel de ser “inimiga do povo”. De fato, a falha da concessionária é evidente. Afinal, este foi o segundo apagão causado por um temporal em menos de um ano, o que permite afirmar que a Enel, no mínimo, descumpriu a sua obrigação de aprender com o apagão de novembro de 2023 a fim de elaborar um plano de contingência à altura de sua responsabilidade como prestadora de um serviço essencial.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também resolveu tirar proveito político da situação, malgrado não ter nada a ver com a concessão da Enel, de âmbito federal. No sábado passado, Tarcísio fez uma postagem em suas redes sociais pregando a ruptura do contrato de concessão da Enel. “Mais uma vez, a Enel deixou os consumidores de São Paulo na mão. Se o Ministério de Minas e Energia e, sobretudo, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) tiverem respeito com o cidadão paulista, o processo de caducidade será aberto imediatamente”, escreveu o governador. Tarcísio não foi o único a pugnar pela caducidade, mas, tendo em vista sua experiência no setor de infraestrutura, é espantosa a irresponsabilidade com que tratou a ruptura de um contrato de concessão, e de forma tão açodada.
Por sua vez, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, jogou a culpa sobre a Aneel. Em nota, Silveira acusou a agência de ser “falha na fiscalização da distribuidora de energia, uma vez que o histórico de problemas da Enel ocorre reiteradamente em São Paulo”. É curiosa, porém, essa súbita veemência na defesa dos consumidores de energia de São Paulo. Horas antes do apagão, durante colóquio entre autoridades dos Três Poderes e empresários em Roma, Silveira defendera categoricamente a renovação antecipada do contrato de concessão da Enel – e diante de executivos da própria empresa, pasme o leitor.
Por fim, a indicar aos paulistanos que tipo de prefeito haverão de ter pelos próximos quatro anos, vença quem vencer a eleição, Nunes e Boulos se engajaram numa troca de acusações que só prestou ao interesse eleitoral de ambos – os munícipes que se danem. Quem sai às ruas é capaz de constatar que a zeladoria da cidade governada por Nunes é sofrível. As árvores, de tão podres, podem cair por um sopro, que dirá por um vendaval. Mas Boulos, ao invés de dizer o que faria de diferente para melhorar a vida dos paulistanos, praticou seu esporte preferido: fustigar o prefeito.
Os cidadãos de São Paulo estão abandonados à própria sorte. Mais cedo ou mais tarde, a energia será restabelecida para todos. Mas o apagão de respeito e de solidariedade ficará como marca do descaso das instâncias públicas e privadas num momento em que a população mais precisou delas.
Por Estadão.