Lista de pepinos para presidente descascar inclui cenário eleitoral incerto, incêndios sem resolução e epidemia de endividamento com apostas
O saldo da ida de Lula a Nova York para a tradicional abertura da Assembleia Geral da ONU ficou bem aquém da volta triunfal do ano passado. E, na volta, a lista de pepinos para o presidente encarar aumentou e ganhou enorme complexidade.
Do cenário eleitoral bastante desafiador para PT e esquerda à crise ainda não resolvida dos incêndios e queimadas que devastam o Brasil, passando pela demora em detectar a epidemia de endividamento em apostas esportivas que arrasta para a inadimplência os beneficiários do Bolsa Família e os jovens que deveriam ir para a universidade, o presidente se vê diante de crises capazes de mudar os rumos dos dois últimos anos de seu terceiro mandato.
Começando pela política, o quadro das disputas no primeiro turno está longe de configurar um referendo aprovatório do governo. Diante das dificuldades enfrentadas pelo partido de Lula em capitais e grandes cidades, seus aliados aderem a uma espécie de contabilidade criativa e reeditam até a frente ampla para apontar um placar favorável aos candidatos de um amplo “time do Lula”.
Nesse cômputo, até a vantagem de João Campos (PSB) no Recife e de Eduardo Paes (PSD) no Rio é lida como sinal de força do presidente contra o bolsonarismo, quando uma análise mais acurada da realidade dessas campanhas mostra que os dois prefeitos concentram seu discurso primordialmente em questões municipais, procurando se afastar da polarização.
Em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) se ressente de, na reta final, não ter contado com a presença mais constante de Lula no palanque. Mas trata-se, de longe, da disputa em que o presidente mais se envolveu, e, nesse caso sim, vitória ou derrota será creditada em grande parte a ele. Daí por que o desfecho absolutamente incerto a pouco mais de uma semana do pleito seja um fator adicional de tensão.
Nada indica que Lula poderá ficar longe de Brasília em tempo integral no finalzinho do primeiro turno e nas semanas antes do segundo. Isso porque os problemas na gestão se avolumam e não têm solução fácil.
A questão dos incêndios — que eclipsou a fala de Lula na ONU e o fez carregar nas tintas das cobranças à geopolítica internacional para tirar o foco do tema incômodo — comprometerá fortemente a economia e os dados ambientais de 2024.
As medidas até aqui anunciadas, além de insuficientes, foram tardias e, em grande parte, adotadas por cobrança do Supremo Tribunal Federal, o que enfraquece politicamente um governo eleito com discurso fortemente ancorado no reconhecimento da crise climática e na promessa de ser implacável em seu enfrentamento.
As decisões de política energética e aquelas concernentes à exploração de petróleo de agora em diante tendem a escancarar ainda mais as divisões internas, enquanto a dificuldade de prosseguir com investigações sobre o caráter criminoso das queimadas tende a diluir o impacto dessa justificativa para o cenário de terra literalmente arrasada que se vê no país todo.
Por fim, a crise das bets pegou o governo de calças curtas, e nada do que foi ventilado até aqui para enfrentá-la, como na fala claramente de improviso de Fernando Haddad propondo um confuso controle de vícios em apostas pelo CPF, não faz sequer cócegas num problema de gravíssimas proporções.
Todos os alertas sobre os riscos de regulamentar as apostas esportivas se mostraram conservadores diante dos dados que apenas começam a ser divulgados por entidades como Banco Central e Confederação Nacional do Comércio.
Se todos se chocaram diante da tentativa do governo Bolsonaro de permitir crédito consignado em benefícios sociais, que lembraria uma agiotagem estatal, que dizer de uma realidade em que esse benefício é todo canalizado para apostas e deixa de suprir as necessidades das famílias? Um rombo na principal vitrine de vida de Lula, que todos parecem tratar com uma falta de urgência alarmante.