A voz firme da procuradora de Justiça de Registro, no interior de São Paulo, Gabriela Samadello, que diz querer encabeçar campanhas de conscientização de violência contra a mulher, reforça que ainda não superou a agressão vivida em sua sala de trabalho há pouco mais de um mês na prefeitura da cidade.
“Não me considero recuperada do trauma. Penso muito nisso, sonho com isso”, disse ela em entrevista ao R7. “Ele foi, por muitos anos, meu colega de trabalho. Embora a gente já não tivesse um bom relacionamento há algum tempo, ele acabou com a própria vida.”
A procuradora-geral do município paulista de Registro, no Vale do Ribeira, foi espancada por um funcionário da própria equipe. Gabriela Samadello, que ficou com ferimentos, principalmente, na região da cabeça, diz que decidiu voltar ao trabalho após o término da licença médica. “Achei melhor voltar ao trabalho para não ficar pensando”, diz ela que pretende retornar às atividades na primeira semana de julho.
Passado mais de um mês da agressão e da prisão de Demétrius Oliveira de Macedo, de 34 anos, Gabriela mudou a rotina para enfrentar as sequelas deixadas pela violência. Ela faz tratamento psicológico para ansiedade e sessões de terapia semanais. “Eu já fazia antes, mas mudamos um pouco o rumo”, diz.
Além disso, a procuradora relata que passou a usar remédios para dormir. “Não estava acostumada com tanta exposição, me senti muito envergonhada”, diz ela. “Mas isso foi passando porque consegui ressignificar. Transformei isso.”
Hoje, Gabriela diz que o dia mais difícil de suportar foi o seguinte à agressão. “Ele ainda estava solto e eu não tinha uma certeza de que estaria em segurança. Agora, estou feliz em poder levar essa mensagem e por fazer parte de um processo de descontrução.
Gabriela relata que a relação com o trabalho melhorou após a prisão do procurador que a agrediu. “Ele deixava o ambiente tóxico, a equipe ficou muito mais próxima. O clima ficou mais leve”, diz. “O afastamento de uma pessoa que agride uma mulher é essencial”, reflete sobre a responsabilização do funcionário.
A procuradora lembra que, nos dias subsequentes ao espancamento, foi acolhida por colegas de trabalho de diferentes formas. “Redecoramos a sala que eu apanhei para eu não ficar lembrando. Tive ajuda da prefeitura de Registro, apoio psicológico para a equipe.”
Na volta ao trabalho, Gabriela diz que pretende atuar também em campanhas de conscientização, no atendimento ao centro de referência e apoio à mulher de Registro e ainda oferecer consultoria para mulheres em situação de violência. “Penso em fazer um convênio para que seja instalada uma casa de acolhimento e políticas públicas para mulheres na cidade.”
As agressões vividas pela procuradora fez com que ao menos 50 mulheres a procurassem para compartilhar depoimentos e vivências semelhantes. “Fiquei chateada por não ter uma estrutura, um canal de acolhimento para mulheres que sofreram violência”, relatou. “Duas vizinhas minhas mandaram mensagem dizendo que também tinham sido agredidas.” O número de relatos pode ser ainda maior já que a procuradora ressalta que na primeira semana após o espancamento não conseguia sequer ler as mensagens que recebia.
Uma violência como essa é algo que, segundo a procuradora, “não se apaga da cabeça”. “É uma marca, uma tatuagem que vou carregar para sempre. É algo que eu vou ter que aprender a lidar. Para os homens, é diferente, eles cumprem pena, isso se apaga e a sociedade não vai mais saber o que ele aprontou no passado.”