Na madrugada do dia 16 de junho, a fisioterapeuta Yasmin Nicodemos relatou no Twitter o desespero de ter vivido o ‘golpe do gás’ durante uma corrida por aplicativo. “Estou tremendo até agora. Quase estourei o carro do cara e fui atropelada na avenida”, relata ela, que diz ter pulado do veículo em movimento quando o homem não quis abrir as janelas.
Assim como Yasmin, cada vez mais usuários têm feito denúncias nas mídias sociais sobre este novo possível golpe. A maioria dos relatos é de mulheres, que afirmam sentir um cheiro forte e mal-estar, momento em que temem pela vida e acabam reagindo de uma forma arriscada, como a fisioterapeuta, que decidiu pular do carro.
Em outros casos relatados, as vítimas afirmam que o veículo estava sem a manivela e o botão que abre os vidros estaria quebrado. Além disso, algumas relatam que o motorista não é a mesma pessoa da foto apresentada no aplicativo e geralmente estão extramente cobertos, com blusas de frio, touca e máscara, mesmo no calor.
A visibilidade e a quantidade de denúncias desse tipo nas redes sociais revelam um fator social sempre muito abordado: a mulher como um alvo vulnerável. De acordo com uma pesquisa da Agência Patrícia Galvão e Locomotiva, 97% das mulheres dizem ter sido vítima de assédio no transporte público e privado no Brasil. Dessas, pelo menos 9% foram em carros de motoristas de aplicativo ou táxis.
Os sintomas relatados por pessoas que dizem ter passado pelo golpe do gás durante as corridas são náuseas, dor de cabeça e tontura. Entretanto, essas afirmações também têm gerado contrapontos na mídia: “como a passageira pode ser afetada pela substância e o motorista não?”, é uma das dúvidas levantadas.
O diretor da Sociedade Brasileira de Toxicologia e toxicologista do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Unicamp, Rafael Lanaro, explica que o motorista pode ser menos afetado caso ele esteja protegido com uma máscara mais ‘forte’, como a N95, entretanto, “não diminui a exposição em 100%”, relata.
Ainda segundo Lanaro, há, de fato, alguns solventes que ocasionam os sintomas citados, mas seria necessária uma avaliação toxicológica no veículo para saber qual foi e, junto a isso, o trabalho da polícia e das empresas de corrida por aplicativo para que o motorista seja devidamente punido.
Em entrevista ao Monitor R7, a delegada da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), Jaqueline Valadares, confirma as ocorrências, mas diz que, “até agora, nada foi concretizado efetivamente, apesar da possibilidade de ocorrer ou já ter ocorrido esse golpe”.
Ela conta que participou da investigação de dois casos de golpe do gás e que, na perícia, nada tóxico foi constatado. “O cheiro forte que talvez elas tenham sentido deve ter sido álcool em gel ou aquele aroma artificial que alguns motoristas colocam no carro”, disse Valadares, que é também presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados do Estado de São Paulo).
Em contraponto, o toxicologista informou à reportagem que essas substâncias podem ser facilmente dissolvidas no ar. Então, seria necessária uma perícia de imediato no veículo.
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O motorista de aplicativo e representante de motoristas na cidade de São Paulo Johnny Vilar diz que ouviu falar dos casos nas redes sociais, mas que não soube de nenhum que efetivamente tenha ocorrido. “Geralmente, quando a empresa sabe da denúncia, ela bloqueia o acesso da pessoa para receber novas corridas, até que o caso seja investigado”, explicou em relação a possíveis irregularidades cometidas pelos condutores.
Ele diz, ainda, que casos assim “destroem a imagem do motorista de aplicativo”, que precisa dessa renda extra, “Se houver mesmo, a polícia tem que investigar, trabalhar em cima disso e, apesar de eu entender o medo, não dá para generalizar, tem muito trabalhador honesto trabalhando nas ruas, nós também estamos vulneráveis a qualquer tipo de passageiro”, finalizou.
Como o toxicologista Rafael Lanaro explicou, a substância se dissolve facilmente no ar, então é “extremamente importante que a todo momento o passageiro deixe as janelas abertas”.
A delegada Jaqueline Valadares afirma que, caso o motorista não permita isso, é necessário que a passageira notifique a ação no aplicativo, peça para descer do veículo, vá até a delegacia mais próxima imediatamente para que um exame toxicológico seja feito e o motorista investigado.
A Uber e a 99, empresas com parcelas significativas do mercado de corridas por aplicativo, dizem reforçar a importância de comparar a foto que está no cadastro com o motorista, além de informar o ocorrido imediatamente direto pelo celular para que uma providência seja tomada.
Apesar de as denúncias serem relevantes, quem não consegue provar o ato pode ter consequências. Duas mulheres chegaram a ser condenadas a pagar indenização para motoristas de aplicativo sob falsa acusação em Santos, no litoral de São Paulo. A informação foi confirmada pela Uber.
As mulheres teriam feito publicações nas redes sociais acusando o motorista do golpe do gás devido ao cheiro forte, mas o laudo do IC (Instituto de Criminalística) provou que, na verdade, o produto era álcool etílico.
*Estagiária sob supervisão de Fabíola Perez e Márcio Pinho