A fuga de investidores dos Treasuries minaram a capacidade dos EUA de negociar tarifas, elevando as incertezas sobre o futuro do comércio mundial
O grande recuo do presidente Donald Trump na imposição do tarifaço, além de não eliminar as incertezas globais, expõe a enorme debilidade da economia e do governo dos Estados Unidos.
Na edição anterior desta Coluna, foram apontadas quatro razões para a reviravolta de Trump: o despejo de títulos do Tesouro dos Estados Unidos (treasuries) no mercado, configurando o início de uma crise financeira (e fiscal) de proporções incalculáveis; a deterioração das garantias bancárias devido à forte desvalorização dos ativos que lastreiam os empréstimos; o risco de exclusão do mercado das petroleiras que operam a custos superiores aos preços vigentes do petróleo – como é o caso das empresas que exploram óleo de xisto nos EUA; e o racha interno na Casa Branca, principalmente entre Elon Musk e Peter Navarro, este último o mentor do tarifaço.
Essas importantes fragilidades reduziram o poder de barganha do presidente Trump em sua tentativa de renegociar as tarifas recíprocas. Esse fator, por si só, mantém – senão aumenta – as incertezas. Ninguém sabe qual será o novo patamar tarifário, tampouco o que ocorrerá após os 90 dias de “pausa”. Até lá, nenhuma empresa terá condições mínimas para tomar decisões estratégicas.
Convém esclarecer melhor as razões da queda no valor dos treasuries. Cerca de US$ 8,5 trilhões da dívida em títulos dos EUA está nas mãos de países estrangeiros, incluindo reservas de bancos centrais e governos. Essas reservas só podem ser acumuladas com dólares obtidos por meio de superávits comerciais (exportações superiores às importações), algo que o tarifaço tenderia a comprometer. Diante da perspectiva de queda na demanda futura por treasuries, bancos e fundos de renda fixa começaram a despejar esses títulos no mercado. Com a oferta superando a demanda, os preços desabaram e os rendimentos (yields), com juros fixados previamente em contrato, dispararam.

A principal consequência, levada ao extremo, seria não apenas uma grave dificuldade de rolagem da dívida norte-americana, mas também, como já dito, a deterioração das garantias bancárias. Enfim, a crise comercial evoluiria para uma crise financeira de proporções incalculáveis.
Qualquer economista recém-formado é capaz de antecipar esse desdobramento. No entanto, nem Trump nem seus principais assessores econômicos demonstraram essa capacidade. O tarifaço, como originalmente bolado, foi um exercício de amadorismo atroz.
Como todas as tarifas recíprocas – com exceção das aplicadas à China – foram reduzidas a 10%, alinhando-se àquelas que afetam o Brasil, o governo Lula perdeu parte da vantagem relativa que antes detinha. Mas, nos próximos 90 dias, muita coisa ainda pode mudar.

Opinião por Celso Ming
Comentarista de Economia
Por Estadão