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Opinião | Trump e Netanyahu trabalham juntos para acabar com as identidades centrais de EUA e Israel

de admin

Os dois líderes estão engajados, cada um em seu próprio país, na criação de um mundo ‘pós-EUA’ e um mundo ‘pós-Israel’

Houve uma época em que um encontro entre o presidente dos Estados Unidos e o primeiro-ministro de Israel só trazia orgulho aos judeus israelenses e americanos, que viam dois líderes democráticos trabalhando juntos. Bem, sei que não estou sozinho quando digo que orgulho não é a emoção que me invadiu ao ver a foto de Donald Trump e Binyamin Netanyahu, bem próximos, se reunindo no Salão Oval na segunda feira. As emoções foram de repulsa e depressão.

Ambos são aspirantes a autocratas, ambos trabalham para minar o Estado de Direito e as chamadas elites em seu respectivo país, ambos buscam esmagar o que chamam de “estado profundo” de profissionais do governo. Ambos estão afastando seu país de sua aspiração outrora universal de ser uma “luz para os países” e apontando-os na direção de um etnonacionalismo estreito e brutal de “manda quem pode”, pronto para a limpeza étnica clássica. Ambos tratam sua oposição política não como legítima, mas como inimiga interna, e ambos encheram seus gabinetes com picaretas incompetentes, escolhidos deliberadamente por lealdade a eles em vez de às leis de seus países.

Ambos estão afastando seu país de seus aliados democráticos tradicionais. Ambos afirmam a expansão territorial como um direito divino — “Do Golfo da América à Groenlândia” e “Da Cisjordânia a Gaza”.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de uma reunião com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, no Salão Oval
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de uma reunião com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, no Salão Oval Foto: Eric Lee/NYT

Em 2008, Fareed Zakaria publicou um livro visionário intitulado “O Mundo Pós-Americano”. Ele argumentou que, embora os Estados Unidos continuassem a ser a potência mundial dominante, a “ascensão do restante” — nações como China e Índia — significava que o domínio relativo dos Estados Unidos diminuiria com o retrocesso da Guerra Fria.

Trump e Netanyahu estão engajados, cada um em seu próprio país, na criação de um mundo “pós-EUA” e um mundo “pós-Israel”. Por “pós-EUA”, porém, não me refiro a uma América que está perdendo poder relativo, mas a uma América que está deliberadamente abandonando sua identidade central como país, em seus melhores dias, comprometido com o Estado de Direito em casa e com o aprimoramento de toda a humanidade no exterior. Por “pós-Israel”, refiro-me a um Israel que está deliberadamente abandonando sua identidade central — a de uma democracia de Estado de Direito orgulhosamente proclamada em uma região de ditadores que sempre priorizará uma paz permanente com os palestinos (se sua segurança puder ser garantida) em vez de “um pedaço permanente” da Cisjordânia e Gaza.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de uma entrevista coletiva com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, na Casa Branca
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de uma entrevista coletiva com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, na Casa Branca Foto: Evan Vucci/AP

Simplesmente não se pode imaginar Trump ou o vice-presidente J.D. Vance aspirando a construir os EUA que Ronald Reagan descreveu em seu discurso de despedida em 11 de janeiro de 1989. Reagan falou da necessidade de reforçar em nossos filhos “o que os EUA são e o que eles representam na longa história do mundo”. Que os EUA eram um farol moral e político, “uma cidade alta e orgulhosa construída sobre rochas mais fortes que oceanos, varrida pelo vento, abençoada por Deus e repleta de pessoas de todos os tipos vivendo em harmonia e paz; uma cidade com portos livres que fervilhava de comércio e criatividade. E se fosse preciso haver muralhas, as muralhas tinham portas, e as portas estavam abertas a qualquer um com a vontade e o coração para chegar até aqui”.

Futuro

Em vez disso, Trump e Vance querem transformar nosso país em uma América pós-Reagan, uma América que trata com desdém aliados democráticos, de livre mercado e de Estado de direito, como a União Europeia. Trump declarou recentemente que a União Europeia foi criada para “prejudicar os EUA”. — um sentimento que ele repetiu sentado ao lado de Netanyahu no Salão Oval. A malevolência e a ignorância histórica dessa declaração são de tirar o fôlego.

Trump e Vance também querem nos levar a uma pós-América que receba os corajosos defensores da fronteira da liberdade — a saber, a Ucrânia — com exigências pelo direito de exploração de minerais em troca de uma assistência militar relutante.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assina uma ordem executiva no Salão Oval
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assina uma ordem executiva no Salão Oval Foto: Saul Loeb/AFP

Finalmente, eles querem nos levar a uma pós-América que não esteja nem um pouco interessada em preservar, muito menos em aprimorar, seu poder brando — o poder de angariar aliados e atrair imigrantes talentosos — um conceito popularizado pelo cientista político de Harvard, Joseph S. Nye Jr. Eles desprezam o poder brando, ignorando completamente o fato de que, se o perdermos, perderemos nossa capacidade de fazer com que outros países se juntem a nós para moldar um mundo mais receptivo aos nossos interesses e valores, a maior vantagem que sempre tivemos em relação à Rússia e à China.

Ao reduzir irrefletidamente o governo americano e menosprezar tantos de nossos aliados tradicionais, “Trump não está apenas destruindo carreiras e valores, ele está literalmente tornando os Estados Unidos fracos novamente”, disse-me Larry Diamond, especialista em democracia de Stanford. Isso é o mais “pós” em relação aos Estados Unidos em que cresci — e em que aspiro ver meus netos crescerem — que posso imaginar.

Pós-Israel

Netanyahu tem se esforçado para criar um pós-Israel semelhante. Trump forçou a saída de seu diretor do FBI por não ser suficientemente leal; Netanyahu está perto de fazer o mesmo com Ronen Bar, o respeitado chefe do equivalente israelense do FBI, o Shin Bet, em um momento em que Bar investiga alguns dos principais assessores de Netanyahu por supostas ligações com o governo do Catar.

O próprio Netanyahu está sendo julgado por acusações de corrupção. Ele é acusado pela oposição israelense — e por vários parentes de reféns — de prolongar a guerra de Gaza para apaziguar os supremacistas judeus que o mantêm no poder e, potencialmente, fora da prisão. Esse prolongamento também impede qualquer comissão de inquérito a respeito da guerra desastrosa, que começou sob seu comando e por razões diretamente relacionadas ao seu fracasso político: sua crença de que o Hamas poderia ser subornado com muito dinheiro do Catar.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, na Casa Branca

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cumprimenta o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, na Casa Branca Foto: Haiyun Jiang/NYT

Ele também está tentando, neste momento, remover a independente e corajosa procuradora-geral de Israel, porque aparentemente a considera desleal. Desde que assumiu o cargo no final de 2022, Netanyahu também tem a missão de minar o poder da Suprema Corte israelense de fiscalizar as decisões dos poderes Executivo e Legislativo. Isso está relacionado à agenda nacionalista-religiosa de seu partido de anexar a Cisjordânia e Gaza e expulsar o maior número possível de palestinos — um objetivo viável somente se o poder dessa corte de restringir o primeiro-ministro e sua coalizão supremacista judaica for quebrado.

O objetivo de Netanyahu hoje é “desmantelar todos os componentes essenciais da democracia”, escreveu Mickey Gitzin, diretor do New Israel Fund, no Haaretz de domingo. “O método é simples: você cria um turbilhão de ações ousadas e ilegais, simultaneamente e em todas as frentes. Enquanto o público reage à demissão do chefe do serviço de segurança Shin Bet, você promove uma legislação draconiana contra” organizações não governamentais. “Quando todos estão preocupados com o status de consultores jurídicos, você apresenta projetos de lei que facilitarão a desqualificação de candidatos árabes.”

O público e a oposição ficam tão sobrecarregados que têm dificuldade “em processar o dilúvio”, acrescentou, e a resistência se fragmenta lentamente. Parece familiar?

As estratégias domésticas de Trump e Netanyahu realmente se fundiram com a instrumentalização do antissemitismo como forma de silenciar ou deslegitimar os críticos. Os leitores desta coluna sabem que não tenho o menor respeito por manifestantes universitários que criticam as ações israelenses em Gaza sem proferir uma palavra de censura ao Hamas — muito menos uma palavra de apoio aos ucranianos, cuja democracia está sendo devastada pela Rússia de Vladimir Putin. Mas o nosso, por enquanto, ainda é um país livre, e se as pessoas não estão se envolvendo em atos de violência ou assediando outros alunos dentro ou fora da sala de aula, deveriam ser livres para dizer o que quiserem, inclusive defender um Estado palestino do tamanho que quiserem.

“O presidente Trump pegou um fenômeno real que precisa ser abordado — o antissemitismo que emerge dos debates sobre Israel — e o está usando para justificar repressões à imigração, ao ensino superior e à liberdade de expressão em relação a Israel”, disse-me Jonathan Jacoby, diretor nacional do Nexus Project, que trabalha para combater o antissemitismo e defender a democracia.

Como judeu americano, não preciso nem quero a defesa cínica de Trump. Ele continua sendo o homem que, em 2017, defendeu os nacionalistas brancos e neonazistas que protestaram em Charlottesville, Virgínia, dizendo que ali havia “algumas pessoas muito boas”. Vance também apoiou o partido alemão AfD, simpatizante do nazismo e banalizador do Holocausto, cujos líderes pediram aos alemães que parassem de expiar os crimes nazistas.

Manifestantes protestam pela soltura de Mahmoud Khalil, um estudante palestino com Green Card que foi preso pelas autoridades americanas, em Nova York
Manifestantes protestam pela soltura de Mahmoud Khalil, um estudante palestino com Green Card que foi preso pelas autoridades americanas, em Nova York Foto: Leonardo Munoz/AFP

Como a rabina Sharon Brous, da congregação IKAR de Los Angeles, alertou eloquentemente em um sermão de 8 de março: “Nós, os judeus, estamos sendo usados para promover uma pauta política que causará graves danos ao tecido social e às instituições mais adequadas para proteger os judeus e todas as minorias. Estamos sendo usados. Nossa dor, nosso trauma, está sendo explorado para eviscerar o sonho de uma democracia multirracial, enquanto promovemos o objetivo de uma nação cristã branca”.

Netanyahu — assim como Trump, e graças a Trump — sente uma sensação de impunidade, uma sensação de que nada pode derrubá-lo. Esse tipo de pensamento se infiltra e é o que leva a incidentes como o do mês passado, em que forças israelenses mataram 15 paramédicos e socorristas no sul de Gaza, um incidente a respeito do qual “a cadeia de comando abaixo simplesmente mentiu”, disse um oficial sênior das Forças de Defesa de Israel ao Haaretz.

Felizmente, a sociedade civil israelense demonstrou muita luta — muito mais do que a americana até agora — e não é de se admirar. Porque, embora Trump possa denunciar as elites americanas sob os aplausos de sua base, os israelenses sabem que seu país não pode sobreviver sem suas elites técnicas, científicas e militares. É por isso que, neste mês, 18 ex-chefes de segurança israelenses — das Forças de Defesa de Israel (IDF), Mossad, Shin Bet, inteligência militar e polícia — declararam que Netanyahu era inapto para servir como primeiro-ministro, porque sua “conduta representa um perigo claro e imediato para a segurança e o futuro de Israel como um Estado democrático judeu”.

A todos que aspiram a impedir um mundo pós-América e pós-Israel, tenho apenas uma mensagem: esta é a luta de nossas vidas. Estou dentro dessa luta, e não estou cansado. E você? / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Foto do autor

Opinião por Thomas Friedman

é colunista de assuntos internacionais do The New York Times e ganhador de três prêmios Pulitzer. É autor de sete livros, entre eles ‘De Beirute a Jerusalém’, que venceu o Prêmio Nacional do Livro

Por Estadão


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