Discordância sobre uma prioridade central da administração marca um ponto alto de desentendimento entre o presidente e um de seus conselheiros-chave
Durante o fim de semana, enquanto Elon Musk iniciava uma enxurrada de postagens nas redes sociais criticando um dos principais conselheiros da Casa Branca e um dos artífices do agressivo plano de tarifas do presidente Donald Trump, o mesmo Musk estava passando por cima da cabeça desse funcionário – e fazendo apelos pessoais a Trump.
A tentativa de intervenção, confirmada por duas pessoas familiarizadas com o assunto que falaram sob condição de anonimato, até agora não trouxe sucesso; Trump ameaçou na segunda-feira, 8, adicionar novas tarifas de 50% sobre importações da China para acompanhar os impostos de 34% que ele anunciou na semana passada. (O presidente deu sinais de que estava aberto a negociações sobre alguns aspectos de sua política.)
Musk, por sua vez, postou um vídeo no X em que o falecido economista conservador Milton Friedman destacava os benefícios da cooperação comercial internacional – “a operação impessoal dos preços”, como ele colocou – desmembrando as fontes dos materiais que entram na fabricação de um simples lápis de madeira.
A discordância de Musk com Trump sobre uma prioridade central da administração marca o desentendimento de mais alto grau entre o presidente e um de seus conselheiros-chave, que investiu quase US$ 290 milhões apoiando-o e a outros republicanos nas eleições do ano passado e tem liderado os esforços de redução de custos da máquina pública (por meio do DOGE) desde janeiro. Musk também discordou de outros membros da coalizão de Trump em questões como vistos H1-B para imigrantes qualificados e na abordagem do DOGE em relação aos gastos governamentais.
No sábado, Musk mirou o funcionário da administração que tem sido chave no desenvolvimento dos planos de tarifas, o conselheiro comercial da Casa Branca, Peter Navarro, atacando suas credenciais. “Um PhD em Econ da Harvard é uma coisa ruim, não uma coisa boa,” escreveu Musk.
Navarro não respondeu a um pedido de comentário.
“O presidente montou uma equipe notável de indivíduos altamente talentosos e experientes que trazem diferentes ideias para a mesa, sabendo que o presidente Trump é o tomador de decisões final,” disse a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, em um comunicado. “Quando ele toma uma decisão, todos remam na mesma direção para executar. É por isso que esta administração fez mais em dois meses do que a administração anterior fez em quatro anos.”
Em uma entrevista com o vice-primeiro ministro italiano, Matteo Salvini, durante o fim de semana, Musk também disse que gostaria de ver uma “zona de livre-comércio” entre a Europa e os Estados Unidos: “No final das contas, espero que seja acordado que tanto a Europa quanto os Estados Unidos devem se mover, idealmente, na minha visão, para uma situação de tarifa zero.”
Musk também disse que gostaria de mais liberdade para as pessoas se moverem entre países na Europa e nos Estados Unidos e trabalhar em qualquer um “se assim desejarem”. “Essa tem certamente sido a minha recomendação ao presidente”, disse.
Musk, que é o CEO da fabricante de veículos elétricos Tesla, há muito vê as tarifas como prejudiciais aos objetivos empresariais de uma companhia que conta tanto com os Estados Unidos quanto a China como principais centros de manufatura e consumo. Outros fabricantes de carros, porém, provavelmente serão mais prejudicados pelas novas tarifas, segundo analistas disseram.
Mas Musk se opõe às tarifas desde pelo menos o primeiro mandato de Trump, quando a Tesla entrou com um processo judicial buscando reverter o imposto sobre as importações da Tesla da China para os Estados Unidos.
Em 2020, os principais executivos da Tesla queriam que a empresa processasse a administração Trump por suas tarifas sobre a China. Musk inicialmente concordou, dizendo que partes do pacote de Trump eram injustas para a montadora. Mas depois que a Tesla entrou com o processo judicial, em setembro de 2020, Musk reagiu de uma “forma super negativa” sobre a decisão, até repreendendo alguns membros da equipe por sugerirem que a Tesla entrasse com o processo, de acordo com uma pessoa familiarizada com o assunto, porque contas de direita no Twitter disseram que Musk estava tentando ganhar pontos com os chineses e estava indo contra a agenda “América Primeiro” de Trump.
Muitos dos líderes empresariais e tecnológicos que apoiaram a candidatura de Trump ficaram atônitos com a decisão do presidente de avançar com tarifas tão altas, e igualmente decepcionados por não conseguirem exercer mais influência sobre a política, disseram as duas pessoas familiarizadas com o assunto. Pessoas no círculo de Musk fizeram apelos diretos a amigos na administração Trump, incluindo o vice-presidente JD Vance e Musk, defendendo políticas de livre-comércio que sentiam ser mais sensatas.
Um amigo de Musk, o investidor Joe Lonsdale, postou no X que ele havia argumentado com “amigos na administração” nos últimos dias que as tarifas prejudicariam mais as empresas americanas do que as chinesas. Lonsdale recusou-se a comentar sobre seus argumentos além de seu post no X.
Grupo de lobby
Alguns líderes empresariais trabalharam durante o fim de semana para montar um grupo informal que faria lobby junto aos membros da administração Trump por políticas mais moderadas, disse uma das pessoas.
Muitos apoiaram Trump no ano passado, mesmo sabendo que as altas tarifas que ele havia prometido há muito tempo poderiam ser destrutivas tanto para a indústria de tecnologia quanto para a economia como um todo. Mas eles sentiam que Trump poderia ser influenciado por conselheiros como o secretário do Tesouro Scott Bessent a adotar uma abordagem mais suave, disseram as pessoas.
Os líderes empresariais também não anteciparam que o secretário de Comércio Howard Lutnick, que tinha sido um dos principais canais de Musk no círculo de Trump, seria um defensor tão forte das políticas protecionistas.
A disputa entre o presidente e um de seus conselheiros mais influentes ocorre poucas semanas antes de uma saída de Musk, a pessoa mais rica do mundo, da administração federal. Isso também ocorre em meio a uma pressão crescente sobre a Tesla para reverter sinais de demanda em queda – provocada em parte pela incursão de Musk na política.
“A reação às políticas tarifárias de Trump na China e a associação de Musk será difícil de subestimar”, disse Dan Ives, analista da Wedbush Securities, um entusiasta apoiador da Tesla que baixou o preço-alvo das ações da empresa – uma medida de sua viabilidade – de US$ 550 para US$ 315 “para refletir essas novas estimativas de demanda mais fraca”.
“A Tesla basicamente se tornou um símbolo político globalmente (…) e isso é uma coisa muito ruim para o futuro dessa força disruptiva tecnológica e o tornado de crise de marca que agora se tornou um tornado F5″, escreveu.
As ações da Tesla fecharam a US$ 233,29 na segunda-feira, com queda de mais de 2,5%. Neste ano, a ação perdeu mais de 38% de seu valor.
Musk mostrou sinais de tentar uma reconciliação na própria segunda-feira. Ele destacou um tópico do X da conta oficial do representante de comércio dos EUA, mostrando o que chamou de práticas comerciais desleais afetando exportadores americanos, à luz das tarifas de Trump. “Pontos bons,” disse Musk.
O irmão de Musk e também membro do conselho da Tesla, Kimbal Musk, também lançou críticas afiadas ao presidente pelas políticas tarifárias na segunda-feira. “Quem teria pensado que Trump era realmente o presidente americano com os maiores impostos em gerações”, escreveu no X, o site de mídia social de propriedade de Elon Musk. “Por meio de sua estratégia tarifária, Trump implementou um imposto estrutural e permanente ao consumidor americano.”
Os comentários vieram menos de um mês depois de Kimbal Musk ter agradecido a Trump por hospedar um evento com Teslas no gramado da Casa Branca.
Por Estadão
