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Opinião | Polarização ideológica sobre políticas de drogas impede políticas eficazes

de admin

Precisamos avançar para planejar e promover políticas públicas responsáveis e duradouras, baseadas em dados e evidências científicas, sem disputa ideológica, para enfrentar essa questão que afeta moradores e comerciantes da região central, submete usuários à extrema vulnerabilidade e consome enormes recursos públicos

Todos os dias, moradores de São Paulo presenciam agentes do poder público enxugando gelo na região conhecida como “Cracolândia”. Sem um plano consistente, a Prefeitura construiu um muro na Rua dos Protestantes, no centro, para conter o “fluxo” de pessoas. O problema segue ali, dentro e fora do gueto, sem uma pauta baseada no relatório da 8ª Conferência Municipal de Políticas de Álcool e Drogas para essa população.

Acompanho esse território há anos e percebo que falta à atual gestão da Prefeitura disposição ao diálogo em busca de soluções compartilhadas. É uma pena que o debate sobre um tratamento complementar para usuários de substâncias psicoativas em situação de vulnerabilidade tenha se encaminhado pelo senso comum ou vias ideológicas, colocando a discussão sob óticas irracionais e maniqueístas.

Recentemente, tivemos um exemplo da falta de responsabilidade sobre esse tema tão complexo. Logo após eu ter protocolado, na Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei (PL 176/2025) para criação de Espaços de Uso Seguro e Supervisionado de Substâncias Psicoativas, o Prefeito Ricardo Nunes reagiu em um vídeo atacando o PL, sugerindo que haveria incentivo ao uso de drogas (!) e fazendo acusações preconceituosas e etaristas contra mim.

Antes de mais nada, esclareço ao Prefeito e a todas e todos que os objetivos principais da minha proposta são reduzir danos associados ao uso de substâncias, fomentar inclusão social e vínculos comunitários, oferecer atendimento multidisciplinar, espaços e atividades para desenvolvimento pessoal, além de estratégias de acesso a direitos.

Segundo o Relatório do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA), a política de espaços de uso supervisionado de drogas não é novidade. Existem salas com essa finalidade há mais de três décadas. Infelizmente, o Prefeito desconhece serviços presentes em 18 países, como Estados Unidos, Canadá, França, Portugal, Colômbia, Austrália e Alemanha.

Evidências demonstram que os espaços de consumo seguro de drogas reduzem mortes por overdose, promovem práticas mais seguras e encaminham usuários para tratamento. Essas iniciativas ajudam a diminuir o consumo de drogas em locais públicos e não aumentam a criminalidade.

Estudos realizados em países como Canadá, Austrália, Noruega, EUA e Espanha mostram que a implementação desses espaços está associada a quedas expressivas na mortalidade por overdose – como em Toronto, onde a taxa de óbitos caiu 67% – e à redução da demanda por atendimento hospitalar emergencial. Em Nova York, relatórios dos espaços de uso (OnPoint) indicam que mais de 75% das pessoas atendidas aceitaram a oferta de serviços de saúde.

Além dos benefícios à saúde, modelos econômicos apontam que esses equipamentos são financeiramente vantajosos. Um estudo realizado na França demonstrou que a prevenção de diversos danos – como infecções relacionadas à injeção, overdoses, atendimentos de emergência e infecções por HIV e Hepatite C – gerou uma economia de €12,5 milhões nos gastos com saúde ao longo de 10 anos. Essas evidências reforçam a eficácia dos espaços de uso na redução de danos e na promoção da saúde pública.

Também é essencial destacar que a redução de danos está prevista nas “Diretrizes Internacionais sobre Direitos Humanos e Políticas de Drogas” da ONU, documento elaborado por estados-membros, organismos internacionais e especialistas em Direitos Humanos, consolidando um guia para políticas eficazes.

Segundo estimativa da própria administração municipal, o contingente populacional da “Cracolândia” do centro de São Paulo é de cerca de 1.200 pessoas. No entanto, cenas abertas de uso de drogas ocorrem também em outras regiões da capital e em outras cidades da região metropolitana, interior e Baixada Santista. Temos um problema social e de saúde generalizado no Estado. Até quando vamos seguir assim?

Estou aberto a debater com o Prefeito sobre o PL em uma troca respeitosa de ideias. Apresentei essa proposta porque é imperdoável não fazer nada e deixar pessoas vulneráveis escondidas atrás de muros, tendo somente drogas como recurso para lidar com a pobreza, a violência e o abandono.

Precisamos avançar para planejar e promover políticas públicas responsáveis e duradouras, baseadas em dados e evidências científicas, sem disputa ideológica, para enfrentar essa questão que afeta moradores e comerciantes da região central, submete usuários à extrema vulnerabilidade e consome enormes recursos públicos. Ao invés do prisômetro para contabilizar o número de pessoas presas, mais vale contabilizarmos o número de pessoas vivendo com dignidade e qualidade de vida.

Convidado deste artigo

Foto do autor Eduardo Matarazzo Suplicy

Eduardo Matarazzo Suplicy


Deputado estadual (PT-SP). Foto: Rodrigo Costa/Alesp

Por Estadão


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