Nina Ranieri, que é presidente da comissão de graduação da São Francisco, diz que recepção aos calouros começa como uma brincadeira, mas pode acabar em um coma alcóolico, brigas e estupro; direção da faculdade informou que não iria comentar o conteúdo dos vídeos relevados pelo ‘Estadão’
A presidente da comissão de graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Nina Ranieri, considera “inadmissível” o comportamento dos alunos em vídeos de trote na instituição, revelados quarta-feira, 26, pelo Estadão.
“Não é tirar a graça do ingresso, é para ser comemorado, o rito do trote faz parte, mas com limites, sem negligência, imprudência ou imperícia. E os estudantes de um curso de Direito deveriam saber disso”, afirma ela, que é também professora do departamento de Direito do Estado e coordenadora da cátedra Unesco de Direito à Educação.
Procurada pelo Estadão, a direção da faculdade de Direito informou que não iria comentar o conteúdo dos vídeos.
“Não se pode relativizar e dizer: todo mundo bebe, todo mundo faz trote”, completa Nina. Ela foi uma das autoras, em 1999, da norma que proíbe o trote violento na USP, após a morte de um calouro na piscina da atlética do curso de Medicina, em virtude de um trote.
“Por ter vivido essa experiência tão sofrida no fim dos anos 90, não posso concordar com recepções que, de alguma forma, ponham em risco a segurança das pessoas em qualquer grau. Começa como uma brincadeira, mas pode acabar em um coma alcóolico, brigas, estupro.”
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Os vídeos obtidos com exclusividade pelo Estadão mostram calouros ajoelhados engolindo uísque despejado diretamente na boca deles por estudantes veteranos. As cenas ocorreram durante trote na sexta-feira, 21, na primeira festa da recepção de calouros da tradicional instituição no Largo São Francisco, região central de São Paulo.
“Ele só aguenta isso?”, pergunta um dos veteranos ao derramar a bebida. “Chegou atrasado, tem punição. Ajoelha”, completa, para outros calouros. “Ajoelhou, tem que mamar.”
Para a professora, a posição de joelhos também indica submissão.
Os veteranos envolvidos nos trotes fazem parte do time de rúgbi da São Francisco. Eles foram procurados e não responderam à reportagem. O espaço continua aberto.
O perfil no Instagram do grupo, chamado Rugby XI Direito USP, afirmou que reprova “o comportamento exposto”. “O rugby é somente um time. As ações equivocadas desses indivíduos, desde que fora do âmbito esportivo, não competem ao time”.
‘Ele está consentindo porque quer pertencer’, afirma educadora
A educadora e especialista em estresse traumático Carolina Campos também considera uma violência o trote praticado na São Francisco. E chama a atenção para o fato de que, mesmo que pareça haver consentimento dos calouros para receber a bebida, os problemas ainda existem.
“Ele está consentindo porque quer pertencer. Se ele não consente, ele passa a sofrer bullying a partir daquele momento. Eu não tenho segurança social naquele ambiente se não pertenço”, afirma.
Carolina explica ainda que jovens não têm o seu desenvolvimento cerebral completo até os 24 anos; há pesquisas que indicam que essa maturação vai até os 30 anos. “Ele pode ter a maioridade na vida civil, ter 18 anos, mas ainda estamos falando de uma pessoa em formação, ela não tem um cérebro maduro e pronto para as convivências.”
Para ela, a cultura do trote com algum constrangimento se perpetua e é muitas vezes aceita porque a sociedade “banaliza a violência” e vai passando de geração em geração, que quer fazer o mesmo que recebeu.
A educadora acredita que é preciso olhar com mais atenção para a transição do ensino médio para a faculdade. “A sociedade trata esse jovem como se ele já estivesse pronto, como se já fosse um adulto, mas ainda está em formação.”
Por Estadão