Proposta levanta questões cruciais sobre a laicidade do Estado e a inclusão de todas as crenças, avalia constitucionalista
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Tramita na Câmara de Goiânia um projeto que autoriza a realização do “intervalo bíblico” em escolas públicas e privadas. O texto foi protocolado em plenário nesta semana pela vereadora Léia Klebia.
Apesar de não mencionar religião, entende-se como “bíblico” aquelas ligadas ao cristianismo. Conforme a vereadora, contudo, o Intervalo Bíblico é um momento de reflexão e leitura das “Escrituras Sagradas”, com “participação voluntária e espontânea” e que respeita a fé individual.
“As atividades realizadas no âmbito do ‘intervalo bíblico’ deverão respeitar a profissão de fé que as pessoas que fazem parte da comunidade escolar, nas instituições de ensino, assegurando-se que nenhum estudante, professor ou servidor será constrangido a participar, ou a se abster de sua profissão de fé”, diz trecho da proposta.
Na justificativa, Léia afirma que o momento pode ser uma “ferramenta de prevenção da violência e do bullying no ambiente escolar, promovendo uma cultura de paz e respeito, uma vez que oportuniza a criação de um espaço seguro e acolhedor, onde os estudantes possam se expressar, refletir sobre seus valores e interagir de maneira saudável”.
Para ela, o projeto ainda contribui para fortalecer a escola como local inclusivo e de respeito mútuo, independente das crenças ou opções religiosas. A matéria ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ir a plenário para duas votações.
Visão jurídica
Conforme o professor, advogado e especialista em Direito Constitucional, Clodoaldo Moreira, a proposta levanta questões cruciais sobre a laicidade do Estado e a inclusão de todas as crenças. “A Constituição Federal brasileira assegura a liberdade de crença, mas também impõe a neutralidade religiosa do Estado. A proposta da vereadora, ao promover uma atividade especificamente ligada ao cristianismo, pode ser vista como uma violação dessa laicidade, especialmente em contextos educacionais que devem acolher a diversidade religiosa presente em nossa sociedade”, avalia ao Mais Goiás.
Segundo ele, embora o projeto enfatize que a participação será voluntária, é importante considerar que a escola deve ser um espaço inclusivo, onde todas as crenças e filosofias de vida sejam respeitadas. “A promoção de um intervalo que reflete valores de uma única tradição religiosa pode criar divisões e marginalizar estudantes que não compartilham dessa fé.”
Além disso, ele diz que a proposta sugere que o intervalo ocorra em horários e locais que não interfiram nas atividades acadêmicas, o que é uma preocupação válida. Contudo, aponta ser essencial que essa implementação não crie um ambiente onde alunos se sintam pressionados a participar de atividades que não condizem com suas crenças pessoais.
“Um diálogo mais amplo é necessário para encontrar soluções que promovam a convivência pacífica e respeitosa entre os estudantes, sem que isso implique na promoção de uma religião específica. A construção de um ambiente escolar seguro e acolhedor deve ser uma prioridade, mas isso pode ser alcançado por meio de práticas que incluam todos, respeitando a diversidade que caracteriza nossa sociedade.” Por fim, Clodoaldo entende que o projeto deva envolver não apenas legisladores, mas também educadores, pais e a comunidade em geral.
Saiba mais sobre o projeto AQUI.
Por Mais Goiás