Menor município de RR recebe R$ 16,2 mil por morador em cinco anos; XCMG, que vende tratores, ganhou mais de R$ 800 milhões
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(Folhapress) Governos de estados e prefeituras, fornecedoras de tratores e caminhões, além de ONGs, estão entre os maiores beneficiados por verba de emendas parlamentares nos últimos cinco anos.
Os principais destinatários do dinheiro são os municípios, somando mais de R$ 103 bilhões dos cerca de R$ 150 bilhões pagos em indicações do Congresso Nacional desde 2020.
Os critérios e a transparência dos repasses estão no centro das discussões que levaram a um embate entre o Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal) no último ano, provocando incertezas sobre a distribuição do dinheiro.
Menor cidade de Roraima, com 7.777 habitantes, São Luiz do Anauá (RR) é o município que mais ganhou emendas em relação à população nos últimos cinco anos. Foram pagos cerca de R$ 16,2 mil por morador, ou R$ 126,2 milhões no total.
Os recursos impulsionaram ações e obras na pequena cidade, que tem apenas R$ 51,9 milhões em despesas previstas no Orçamento de 2025.
Em valores totais, Macapá lidera a verba repassada aos municípios no mesmo período. Mais de R$ 610 milhões foram pagos para ações na capital do Amapá. O estado tem dois padrinhos fortes no Legislativo: o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil), e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT).
Os dados sobre a divisão das emendas revelam a força dos grupos políticos que controlam a partilha do dinheiro e também mostram que o Congresso prioriza ações de rápido retorno, como a doação de tratores. Três das cinco empresas que mais ganharam recursos de emendas são fornecedoras de maquinários e veículos.
Líder neste recorte, a chinesa XCMG recebeu mais de R$ 800 milhões desde 2020 para fornecer retroescavadeiras, tratores agrícolas e outras máquinas. A empresa tem uma sede em Pouso Alegre (MG).
Usados para recuperar estradas e construir tanques e açudes, os equipamentos foram comprados principalmente pela estatal Codevasf e doados a municípios e entidades escolhidas pelos parlamentares.
Em 2023, reportagem mostrou que as máquinas se tornaram combustível para a disputa política local em municípios como Itatim (BA). Localizada a 213 km de Salvador, a cidade era a principal beneficiada, à época, pelas doações da Codevasf sob o governo Lula (PT).
A destinação de emendas também está na mira de investigações sobre supostas irregularidades que envolvem políticos de diferentes partidos. Em 2024, a distribuição da verba ganhou, como novo elemento, uma série de decisões do STF travando por meses a execução das indicações, sob argumento de que não havia transparência na partilha.
Relator das ações no Supremo, o ministro Flávio Dino também ordenou a abertura de auditorias da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre os repasses feitos a entidades sem fins lucrativos.
Estas organizações receberam ao menos R$ 5,9 bilhões em indicações parlamentares nos últimos cinco anos. O ranking de maiores beneficiados é encabeçado pela Fiotec (Fundação de Apoio à Fiocruz), com R$ 464,4 milhões.
Cerca de R$ 290 milhões pagos à entidade são de emendas do relator do Orçamento apresentadas em 2020. O dinheiro foi usado para reforçar ações ligadas ao Ministério da Saúde durante a pandemia de Covid-19.
A verba do relator foi declarada inconstitucional pelo STF em 2022. Uma parte deste recurso era usada como moeda de troca nas negociações entre governo e Congresso, sem apontar o verdadeiro autor das indicações.
Há duas ONGs entre as cinco entidades sem fins lucrativos que mais receberam emendas. Uma delas, a Con-tato, teve mais de R$ 137 milhões em emendas pagas, verba indicada principalmente pela bancada do Rio de Janeiro e por emendas de relator.
A ONG promove cursos de capacitação para a recolocação no mercado de trabalho, entre outras atividades.
A entidade foi alvo de uma auditoria da CGU determinada por Dino. Em relatório publicado em novembro, a Controladoria considerou “deficientes” os planos de trabalho analisados, disse ver imprecisão nas especificações de contratações e apontou outras falhas na execução dos valores indicados por parlamentares.
“Os mecanismos de governança da ONG Con-tato demonstraram ser frágeis, com nível inadequado de transparência e fiscalização”, afirmou a CGU.
Em nota, a Con-tato disse que “é natural e positivo” que a entidade seja fiscalizada pelos órgãos de controle. “Isso garante que as boas práticas de trabalho e a transparência das informações estejam em constante processo de melhoria.”
O aumento do controle do Orçamento pelo Congresso tornou órgãos públicos dependentes das indicações parlamentares para bancar despesas de rotina. O Ministério dos Esportes teve 74% dos seus recursos discricionários (de execução não obrigatória) em 2024 cobertos por emendas.
O valor total de emendas pagas de 2020 a 2024 representa mais de quatro vezes o valor desembolsado em indicações parlamentares no ciclo anterior, de 2015 a 2019.
A distribuição do dinheiro se tornou um mecanismo para que municípios e estados reforcem o financiamento de fundos de saúde e viabilizem convênios para obras.
Entre os municípios com mais de 100 mil habitantes, Parintins (AM) é o segundo que mais recebeu emendas no país, com cerca de R$ 200 milhões.
Prefeito da cidade até 2024, Frank Bi Garcia (PSD) afirma que as indicações de deputados e senadores se tornaram uma opção atrativa para grandes investimentos, já que os ministérios costumam ter poucos recursos a oferecer.
“É raro a gente conseguir algum investimento de proposta voluntária, que é executada pelo ministério, embora Parintins sempre faça parte dos editais”, afirma.
Garcia ainda diz que as emendas bancam a construção de um muro de proteção da cidade, além de estradas para conectar agrovilas que ficam isoladas quando os rios da região secam, entre outras ações.
Questionadas sobre a aplicação dos recursos, as prefeituras de São Luiz do Anauá e Macapá, além da XCMG, não se manifestaram.
Por Mais Goiás