Principal indicativo desse novo momento é o fato de Republicanos e PP, partidos de Motta e Lira, discutirem a ampliação de seus espaços no Executivo federal
No jantar da última segunda-feira, 27, que reuniu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ministros de Lula (PT) e deputados de diferentes posições do espectro político — do PT ao PL —, o prato principal foi o Centrão. E quem o serviu foi o próprio homenageado da noite, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB).
Rodeado de caciques políticos e saudado como o “próximo presidente da Câmara”, Motta usou seu discurso para fazer um tributo ao Centrão, que defendeu não ser sinônimo de falta de posição, mas de “ausência de preconceitos”.
“O centro político do País é muitas vezes criticado porque transparece que o centro é uma ausência de posição. Não. O centro é uma ausência de preconceitos. Nós não temos preconceitos por de onde a ideia vem. Se a ideia é boa para o País, nós temos a capacidade de buscar implementá-la em favor da nossa nação”, disse Motta a uma plateia com representantes de 9 partidos, entre eles Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, e o deputado federal Kiko Celeguim, dirigente à frente do PT paulista.
Antes de Motta, o atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), já havia citado o grupo que ficou conhecido pelo fisiologismo. Ele disse que o “tão famoso” e “debatido” Centrão é o “equilíbrio” em momentos de tensão.
Para os deputados presentes, as falas dos dois líderes foram um aviso claro de que o Centrão, que até então vinha orbitando a direita e o bolsonarismo, ensaia agora o retorno às origens: estar próximo de quem está no comando do Palácio do Planalto. O principal indicativo desse novo momento é o fato de Republicanos e PP, partidos de Motta e Lira, discutirem a ampliação de seus espaços no governo Lula.
PP vê clima ‘amistoso’ para conversas com governo
No PP, a bancada de deputados federais planeja se reunir nos próximos dias para discutir o assunto. Parlamentares ouvidos pelo Estadão afirmam que há um clima “amistoso” para o diálogo, especialmente devido à necessidade de garantir mais recursos para suas bases. Atualmente, o PP comanda apenas o Ministério do Esporte, com André Fufuca (MA).
Até então, o principal obstáculo para ampliar o espaço do partido no governo era a resistência do senador Ciro Nogueira (PI), presidente nacional da legenda e ex-ministro da Casa Civil no governo Bolsonaro. Mas tanto petistas quanto aliados do senador têm percebido uma maior abertura do cacique para negociar cargos na Esplanada.
Aliados de Ciro afirmam que os sinais de um movimento em direção ao centro surgiram após o esfriamento da sua relação com Bolsonaro e Tarcísio. O mal-estar veio com as eleições municipais, quando os dois líderes da direita atuaram contra candidatos do PP, prejudicando o desempenho eleitoral da legenda especialmente no estado de São Paulo. Segundo correligionários, Ciro fez diversos gestos ao ex-presidente e à direita nos últimos dois anos, incluindo a defesa enfática de Bolsonaro, mas faltou reciprocidade.
O distanciamento da direita e a possibilidade de novos arranjos políticos é percebida por aliados nas próprias declarações públicas de Ciro. Em artigo na Folha de S.Paulo no mês passado, o senador escreveu que o centro “nunca foi de esquerda ou de direita, mas sempre foi e é conservador”. Ele defendeu ainda que não foi o centro que se aproximou de Lula, mas sim o contrário: “Foi ele que lançou a Carta ao Povo Brasileiro, exorcizou os radicalismos que professara, montou uma equipe econômica comprometida com a responsabilidade fiscal e se deslocou para o centro”. Sobre Bolsonaro, também disse que não foi o centro que se aproximou dele, mas “ele que fez uma autocrítica em relação à antipolítica e entendeu a importância do diálogo com o Congresso”.
Na esteira dos rumores sobre a possível ida de Arthur Lira para a Esplanada, Ciro usou o X para defender que a frustração não pode só aumentar e que é preciso buscar soluções. “Ninguém quer o quanto pior, melhor. O povo brasileiro precisa de um Brasil melhor. Temos 2 anos pela frente e a frustração não pode só aumentar. Só há democracia forte com povo forte e esperança forte. É hora de responsabilidade, de encontrar soluções e não cair na tentação de encontrar culpados”, em declaração lida por aliados como um aceno a Lula.
Pessoas próximas a Ciro Nogueira afirmam que, em duas ocasiões, Lula enviou recados ao senador por meio de interlocutores, expressando interesse em dialogar com o cacique, que, no entanto, rejeitou a aproximação. Um dos emissários dessas tentativas foi o deputado Isnaldo Bulhões, líder do MDB na Câmara. Bulhões é cotado para assumir a articulação política do governo no lugar de Alexandre Padilha, o que, segundo deputados do PP, poderia aproximar o a legenda de Nogueira do governo.
Ciro nega aproximação com Lula, mas diz que não torce para ‘colapso’ do governo
Procurado para comentar a reportagem, Ciro Nogueira disse que o centro não está voltando para lugar nenhum “porque nunca saiu de onde sempre esteve”. Assim como Hugo Motta, ele afirmou que o centro acredita nenhum lado tem o monopólio da razão e que há “boas soluções em todos os lados”.
“Por isso sou crítico à polarização e não faço oposição contra o País, mas contra os erros que qualquer governo possa cometer, não contra o governo, mas para que o governo possa melhorar. Nunca fui adepto do quanto pior melhor”, declarou o dirigente partidário ao Estadão.
Sobre a possível aproximação com o governo Lula, o presidente do PP negou qualquer movimento nesse sentido. “O que nós não queremos e não poderemos torcer, com o compromisso de fazer uma oposição responsável, é para o colapso do governo. De qualquer governo. Porque se um governo colapsa, quem sofre na ponta é o povo.”
O senador disse ainda ser “absolutamente contra adotar o canibalismo político de destruir qualquer governo”. “Não existe aproximação com o governo Lula. O que não existe é uma atitude de canibalismo e irresponsabilidade política. Porque não é destruindo o governo que nós vamos construir um Brasil melhor”, afirmou ele, acrescentando que é necessário corrigir os rumos do País e que o “primeiro passo” deve ser dado pelo próprio governo Lula. “Não seremos nós da oposição que vamos colocar fogo na panela. Isso não significa de maneira nenhuma qualquer tipo de participação ou apoio.”
Lula articula novo bloco de apoio
Como revelou a Coluna do Estadão, há desconfiança entre aliados do presidente Lula em relação ao PSD de Gilberto Kassab e ao União Brasil, que devem apoiar outros candidatos em 2026. Esse cenário tem levado o governo a buscar um novo “núcleo duro” na Câmara, composto por Republicanos, PP e MDB. No entanto, a viabilidade dessa estratégia depende da definição das alianças na reforma ministerial.
No caso do Republicanos, o governo apoiou a candidatura de Hugo Motta à Presidência da Câmara e estuda deslocar o ministro Silvio Costa Filho da pasta de Portos e Aeroportos para a Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação do governo. Hoje, a pasta é ocupada por Alexandre Padilha. O deputado Isnaldo Bulhões, líder do MDB na Câmara, também é cotado para o posto de Padilha.
Em entrevista ao Estadão no mês de dezembro, o presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira, não descartou dialogar com o governo Lula sobre mais espaço para a legenda em uma eventual reforma ministerial. No final do ano passado, a Coluna do Estadão mostrou que governo Lula cogitou convidar até mesmo Pereira para assumir um ministério.
Procurado, Marcos Pereira não se manifestou.
Por Estadão