Além da maior oferta de serviços nas lojas, como açougue, padaria, unidades apostam em galerias comerciais para tornar os clientes fiéis, aumentar as vendas e se diferenciar da concorrência
O atacarejo, formato de loja que combina atacado com varejo e oferece preços geralmente mais baixos que os de supermercados tradicionais, está passando por transformações.
Há algum tempo, essas lojas começaram a vender hortifrutigranjeiros, incorporaram padarias e adicionaram serviços como seções de frios fatiados e açougues. Mais recentemente, expandiram ainda mais, incluindo galerias ou alamedas comerciais que reúnem diversas lojas, restaurantes e até academias de ginástica.
Algumas galerias foram herdadas da conversão de lojas de hipermercados em atacarejo. Mas, nos últimos tempos, esses espaços se tornaram parte do projeto de construção de novos estabelecimentos.
A transformação dos atacarejos, na análise de especialistas, foi provocada pela forte concorrência, com a entrada de novas bandeiras na disputa pelo consumidor, e, sobretudo, pela redução no ritmo de crescimento de vendas desse formato, quando se considera a mesma base de lojas.
Com mais prestação de serviços e galerias nas lojas, os estabelecimentos querem que os consumidores aumentem o número de visitas à loja, gastem mais e se tornem clientes “fiéis”. Essas mudanças abrem caminho para que esse formato de loja vire o jogo da desaceleração do crescimento de vendas.
Perda de fôlego
Em 2024, as vendas dos atacarejos no Estado de São Paulo, o maior mercado consumidor do País, perderam fôlego. O crescimento da receita das redes foi em um ritmo menor do que no ano anterior e também ficou aquém dos supermercados, quando se considera as mesmas lojas.
Levantamento da Varejo 360, empresa de pesquisa que projeta as vendas do autosserviço com base na nota fiscal de compra dos clientes, revela que em 2024 as vendas nominais (sem descontar a inflação) das lojas de atacarejo no Estado de São Paulo cresceram 3,35% em relação ao ano anterior, na mesma base de lojas. Em igual período e seguindo o mesmo critério, o avanço dos supermercados foi de 5,24%. Em 2023, a venda do atacarejo tinha crescido 4,22% e a dos supermercados, 5,14%, ante 2022.
“Em 2024, pelo segundo ano seguido, o aumento de vendas dos atacarejos no Estado de São Paulo foi inferior ao dos supermercados e menor do que o registrado em 2023, quando se considera as mesmas lojas”, afirma Fernando Faro, sócio fundador da Varejo 360 e responsável pela pesquisa.
No entanto, se for considerado o número total de lojas, que aumenta a cada ano, as vendas do atacarejo paulista cresceram nominalmente 9,68% em 2024 ante 2023, superando o desempenho dos supermercados (7,59%).
Faro observa que a capacidade do atacarejo de ampliar vendas por abertura de loja está se esgotando no Estado de São Paulo em razão da entrada de novas empresas interessadas em disputar esse mercado. A saída, portanto, é aumentar o desempenho de vendas das lojas em funcionamento.
“As companhias do setor estão oferecendo serviços e galerias com outras lojas para colocar o cliente dentro das unidades e aumentar a venda de reposição”, afirma Faro.
Concorrência e diferenciação
O consultor Eugênio Foganholo, sócio da Mixxer Desenvolvimento Empresarial, faz uma análise semelhante à de Faro. Segundo ele, poucos atacarejos mantêm hoje o conceito original de apenas focar no preço baixo das mercadorias.
Além da desaceleração nas vendas e do aumento da concorrência, ele aponta a nova demanda do consumidor como outro fator que impulsionou as mudanças pelas quais o atacarejo está passando. “O consumidor muda e o atacarejo acompanha.”
Na opinião do consultor, nunca houve uma busca tão grande por diferenciação e posicionamento dos atacarejos, como no atual momento.
O Assaí, por exemplo, segundo maior atacarejo do País pelo ranking da Associação Brasileira de Atacarejo (ABAAS), está expandindo a operação de galerias dentro das lojas. A rede faturou R$ 72,8 bilhões em 2023.
Dos 302 espaços de atacarejos da bandeira em operação, 104 já têm galerias. O nível de ocupação desses espaços chegou a 80% no terceiro trimestre do ano passado, com uma receita de locação R$ 26 milhões e crescimento de 13% ante o mesmo período de 2023.
Fernando Basílio, diretor de Expansão & Galerias Comerciais do Assaí Atacadista, conta que atualmente a empresa faz estudos para avaliar se é viável a implantação de galerias nas demais lojas de atacarejo da companhia. É que as galerias acabam sendo um diferencial do negócio não só na atração de clientes, mas também para gerar renda por meio da receita com aluguéis.
Após a conversão dos hipermercados Extra em atacarejos pelo Assaí, muitos desses espaços, antes ocupados por galerias comerciais, passaram por adaptações. Agora, a companhia inicia uma segunda etapa na implementação desse modelo de negócio.
Recentemente inaugurada, a nova loja do Assaí do Guarujá, no litoral paulista, por exemplo, terá uma área destinada à galeria, prevista para começar a funcionar em março deste ano. “É primeira vez que a área de galerias foi decidida na concepção do projeto”, afirma Basílio.
Ecossistema
Mensalmente circulam pelas lojas do Assaí 40 milhões de consumidores. Ao ampliar a presença das galerias nos atacarejos, a intenção é tornar esses clientes fiéis à loja, diz o executivo. “Estamos criando, na verdade, um grande ecossistema para fidelizar esse consumidor.”
Basílio enfatiza que a evolução do atacarejo está atrelada à mudança do comportamento do consumidor. Hoje mais da metade dos frequentadores (55%) do Assaí é de clientes finais. Isto é, eles compram os produtos para consumir no próprio domicílio. “Como o mercado foi inundado por atacados, eu preciso ter um diferencial na loja e proporcionar prazer ao cliente na hora da compra”, diz ele.
Esse movimento de atrair e reter consumidores está ligado não só às galerias, mas também à maior oferta de serviços, mais opções de produtos, em um ambiente agradável, com ar condicionado funcionando, por exemplo. No passado, esses atributos não eram muito relevantes no atacarejo e tudo estava muito focado em preço, lembra. “Preciso criar um ambiente para que esse cliente vá mais vezes à loja e se sinta confortável”, afirma Basílio.
Conveniência
O Atacadão, rede do Grupo Carrefour, líder do ranking da ABAAS, com vendas de R$ 79,1 bilhões em 2023, está empenhado em oferecer conveniência para atrair os clientes. E as galerias comerciais acopladas ao atacarejo fazem parte dessa estratégia, além da prestação de serviço dentro da loja.
Das 379 lojas do Atacadão, hoje 79 têm galerias comerciais. A primeira galeria comercial na loja de atacarejo foi aberta em 2013. Esse negócio veio se desenvolvendo na companhia antes mesmo da aquisição das lojas do Big, que já tinham essa estrutura e foram convertidas em atacarejos.
Fernanda Ferrari, diretora de Gestão Imobiliária de Carrefour Property, conta que o grupo tem investido em pesquisas junto aos consumidores para identificar em quais lojas essa estrutura seria viável. “Com oferta de serviços, o empreendimento fica mais atrativo e a tendência é conseguir capturar o fluxo e trazer, obviamente, essas pessoas para dentro do atacarejo.”
Em um dos atacarejos do grupo, por exemplo, diz ela, a decisão foi transformar pequenas lojinhas em uma área maior, locada para uma academia de ginástica. E a estratégia foi bem sucedida. A academia ajudou no fluxo da loja e também no fluxo da própria galeria. “Na verdade, acabou-se formando um ecossistema”, observa.
Atacarejo vira âncora
O Max Atacadista, do Grupo Muffato, que ocupa a quarta posição no ranking da ABAAS, com vendas de R$ 15,6 bilhões em 2023, também instalou uma academia de ginástica na alameda comercial. “Acabamos de inaugurar na filial do Butantã uma academia Smart Fit com quase 2 mil metros quadrados e temos parcerias com McDonald’s, Bob’s e a rede de farmácia Clamed”, conta Daiane Ashidate, executiva da Muffato Malls.
O grupo tem 58 lojas de atacarejos em funcionamento e 90% delas têm alamedas comerciais. Quando o atacarejo não tem uma área comercial, há posto de combustível para agregar algum serviço e o objetivo é fidelizar o cliente, diz Daiane. “As marcas entenderam que os atacarejos são uma grande âncora”, afirma.
Desde a primeira loja de atacado no início dos anos 2000, as lojas do Max já tinham espaço para alamedas comerciais e boa parte das lojas previstas para este ano já tem área reservada para essa finalidade. Apesar do avanço na prestação de serviços, Daiane ressalta que o principal atrativo do Max é o preço baixo.
Para o consultor e sócio da Mixxer Desenvolvimento Empresarial, Eugênio Foganholo, a força do preço no atacarejo continua. Mas o diferencial em relação ao preço cobrado em outros formatos de loja é menor do que foi no passado.
O motivo é que, diante de tantos avanços na prestação de serviços nas lojas de atacarejo, o custo da operação aumenta. E o risco é a diferença de preço em relação ao supermercado diminuir muito e o atacarejo ficar descaracterizado.
Por Estadão