Para integrantes dos ministérios, não há o que ser feito na prática para garantir as regras de mercado; avaliação interna é a de que assunto depende do câmbio e do mercado externo
Em meio ao esforço do governo Lula para tentar reduzir o preço dos alimentos, o diagnóstico de ministérios técnicos é o de que há “margem pequena” para as medidas barrarem o encarecimento desses produtos. Sem burlar as regras de mercado, sem intervenções sobre os preços, interlocutores afirmam que o espaço para políticas públicas com impacto direto na inflação é curto. Segundo pessoas do governo a par do tema, há pouca margem para se mexer, por se tratar de uma questão econômica “da porteira para fora e não da porteira para dentro”.
Do lado do Ministério da Agricultura, interlocutores próximos ao ministro Carlos Fávaro afirmam que ele vem repetindo que o foco da pasta são medidas que estimulem a produção de alimentos e contribuam para a redução dos custos dos produtores. O entendimento é o de que preços são uma questão de mercado. Eles lembram que Fávaro vem defendendo, desde o início da sua gestão, que a pasta deve procurar facilitar processos que diminuam a burocracia dos players do setor e medidas na direção do aumento da competitividade. Segundo uma pessoa do alto escalão da pasta, não é assunto para ser resolvido em uma semana. Ele acrescenta que, na prática, não há o que ser feito de maneira a garantir as regras de mercado. O assunto depende do câmbio e do mercado externo.
Um terceiro interlocutor observa que o Brasil possui excedente de produção em praticamente todas as culturas, à exceção do trigo, que é importado para complementar o consumo doméstico. Os preços são formados no exterior e, como o Brasil é exportador de muitos produtos, os preços internacionais influenciam diretamente o País. Essa pessoa avalia que, efetivamente, o que está afetando os preços é o câmbio, e não tem muita coisa para ser proposta com efeito imediato.
Outra frente do ministério vai no sentido de estimular a produção de alimentos básicos, como o arroz — escopo também adotado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Atualmente, o governo já concede condições diferenciadas com juros baixos para financiar pequenos produtores que invistam na produção de alimentos da cesta básica. O MDA, por sua vez, quer aumentar a produtividade de alimentos produzidos por pequenos produtores e agricultores familiares por meio da ampliação da assistência técnica. Essas medidas de estímulo e, consequentemente, o aumento da disponibilidade interna de alimentos, devem gerar efeitos apenas no médio e longo prazos, avaliam técnicos das pastas.
A própria redução do imposto de importação de alimentos para produtos com descolamento da paridade de importação, anunciada na sexta-feira, 24, pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, deve ter alcance limitado, segundo esses técnicos. Isso porque o Brasil não importa os alimentos considerados estratégicos para a inflação de alimentos neste ano: carnes, café, açúcar, laranja e óleo de soja. A avaliação é também a de que eventuais vegetais com alíquotas de importação elevadas que poderiam ser importados têm internalização comprometida por logística e perecibilidade.
O Ministério da Agricultura consultou entidades representativas do agronegócio sobre ações que poderiam ser adotadas no curto e médio prazos para baratear os preços dos alimentos, em especial das carnes. As sugestões do setor produtivo vão na direção de destravar a produção, reduzir o desperdício e diminuir custos.
Uma das sugestões, por exemplo, diz respeito ao máximo aproveitamento possível — e dentro de permissões das autoridades sanitárias — da carcaça de animais que porventura apresentem algum problema sanitário. Assim, em vez de descartar o animal inteiro, se poderia descartar apenas as partes afetadas — sempre dentro das regras e legislações sanitárias.
Outro ponto apontado pela indústria foi a regulamentação da lei do autocontrole, abrindo a possibilidade de credenciamento de fiscais terceirizados para atuação em frigoríficos, o que permitiria a atividade em maior número de turnos e até mesmo aos fins de semana. Para pessoas que atuam no setor, essas medidas podem contribuir para aumentar a produção e ampliar a oferta dos alimentos com consequente impacto nos preços no médio e longo prazos.
Uma das propostas mais polêmicas levadas pelo setor produtivo e pelas redes supermercadistas ao Planalto é a desoneração temporária de PIS/Cofins sobre determinados produtos considerados estratégicos no consumo da população de baixa renda, como cortes de carnes de segunda e itens processados. A sugestão esbarra, contudo, na eventual renúncia de receita pelo Executivo e não tem apoio da ala econômica do governo. Além da questão fiscal, a análise é a de que haveria dificuldade para controlar o repasse da desoneração ao menor preço dos produtos ao consumidor final. De acordo com integrantes do setor, a sugestão seria um plano B caso as medidas adotadas pelo Executivo não surtam efeito no curto prazo.
Outro impasse para as medidas de barateamento de alimentos é o Orçamento do Executivo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já descartou qualquer possibilidade de subsídio a medidas para combater a inflação dos alimentos.
A avaliação é compartilhada pela equipe econômica, que desaconselhou medidas heterodoxas para a questão. Em reunião com grupo de ministérios e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, técnicos da Fazenda buscaram mostrar que há uma pressão temporária sobre preços de alimentos, com perspectiva de alívio a partir da desaceleração do dólar ante o real e da entrada da safra recorde de grãos.
Por Estadão