Totó Parente, o novo secretário de Cultura, se reuniu com vereadores de direita nas últimas semanas e causou boa impressão; ao Estadão, ele diz que pasta não será “nem woke nem antiwoke” e promete dialogar com todos os setores
Vereadores de direita da cidade de São Paulo têm intensificado esforços para que o prefeito Ricardo Nunes implemente uma agenda cultural mais conservadora em seu segundo mandato. A ofensiva se divide em três frentes: a apresentação de propostas legislativas de caráter ideológico, a pressão sobre o secretário municipal de Cultura, Totó Parente, e a busca por cargos em equipamentos culturais da cidade, com o objetivo de influenciar diretamente a gestão das políticas culturais.
Nas últimas semanas, Parente conversou com alguns dos parlamentares de direita da Câmara, como Amanda Vettorazzo e Adrilles Jorge, para falar sobre a agenda cultural da cidade. Nos próximos dias, o secretário deve se reunir também com o bolsonarista Lucas Pavanatto (PL) e receber um manifesto com reivindicações de um grupo intitulado Artistas Livres, que oferece apoio a profissionais do setor que se sentem “desvalorizados por um cenário cultural e ideológico restritivo”.
Os vereadores se organizaram em um grupo de WhatsApp chamado “Bancada da Cultura Livre”, que também inclui profissionais e associações do setor cultural. Fazem parte, além de Adrilles e Pavanato, os vereadores João Jorge (MDB), aliado do prefeito, Janaína Paschoal (PP), Rute Costa (PL) e Sonaira Fernandes (PL).
A escolha de Totó Parente para o posto gerou desconforto, especialmente entre a bancada bolsonarista da Câmara, pelo fato de o secretário pertencer a uma ala mais à esquerda do MDB e ter atuado nos governos Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT).
Uma ala do PL liderada pela vereadora Sonaira tentou emplacar para o comando da Secretaria Municipal de Cultura o advogado Hélio Ferraz, ex-secretário especial de Cultura no governo de Jair Bolsonaro (PL). O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), esteve envolvido na articulação, mas a nomeação não se concretizou.
Os vereadores, de forma geral, se colocam em uma cruzada contra o “wokismo”. O termo deriva da palavra “woke”, que na tradução livre significa “acordado” e, no debate político, se refere a uma postura progressista de combate à discriminação e injustiças raciais e de gênero. Essa linha de atuação é criticada por setores conservadores, que a associam a pautas identitárias e à cultura do cancelamento nas redes sociais.
Secretário não conhecia ‘agenda woke’ até tomar posse
Nos encontros com os parlamentares, Totó Parente tem trabalhado para contornar as resistências do grupo. Até agora, causou boa impressão ao se mostrar disposto a adotar uma postura de diálogo.
Ao Estadão, o chefe da pasta disse que soube da “agenda woke” somente após sua posse no cargo e que a secretaria não será “nem woke nem antiwoke”.
“Eu sou um cara a favor de cotas, a favor de políticas afirmativas. Mas acho que, na aplicação da política pública de cultura, você tem que atingir o maior número de pessoas possível. Não vou fazer da coisa da cota a regra de funcionamento da secretaria”, completou Totó, reforçando que vai proteger todas as cotas previstas por lei e “dialogar com todo mundo”, da direita à esquerda e do pequeno artista ao grande produtor.
Questionado sobre a expectativa dos bolsonaristas de que a Secretaria da Cultura adote um perfil mais conservador, respondeu que “depende do que é ser conservador”.
“Se for conservador no sentido de conservar as coisas como estão, não serei, serei um cara inovador, de muita tecnologia, de muito conhecimento. Vou fortalecer a parte da economia criativa, trazer formação para a nossa juventude na área de tecnologia, nas áreas das artes, cinema, design, games”, afirmou.
“Conservador, do ponto de vista de ideologia, para mim é uma coisa muito abstrata num universo tão grande, numa cidade tão multicultural como São Paulo. Eu vou fazer Cultura dialogando com todos os setores de cultura”, acrescentou.
O secretário de Ricardo Nunes declarou que tudo o que não ferir seus princípios pode ser objeto de negociação e conversa e ressaltou que não tolera práticas como racismo, homofobia e xenofobia. Em relação à destinação de recursos públicos para a Parada LGBT+, assegurou que ela será mantida.
“Eu não recebi nenhuma orientação do prefeito para deixar de fazer (o financiamento), então nós devemos continuar apoiando. É uma manifestação legítima. Ao mesmo tempo que apoiamos a Parada LGBT, apoiamos, na mesma semana, a Marcha para Jesus. Poderia parecer uma contradição, mas não é; são manifestações da sociedade.”
Vereadores querem proibir apologia em shows, valorizar meritocracia e critérios conservadores na Cultura
No campo das proposições, Amanda Vettorazzo, coordenadora nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), foi a primeira a apresentar uma proposta, batizada por ela de “Lei Anti-Oruam“, em referência ao rapper Oruam. O projeto tem como objetivo proibir shows que façam apologia ao crime e às drogas em eventos públicos.
O rapper respondeu à proposta com uma série de vídeos de curta duração no Instagram, onde disparou ofensas contra a vereadora, chamando-a de “doente mental” e “idiota” e defendendo que suas músicas refletem sua própria realidade. Ele também compartilhou um vídeo em que um outro interlocutor diz para “alguém comer ela”, em referência à vereadora. Ao fundo, o próprio Oruam repete a frase e completa: “Toma jack”. A declaração gerou uma onda de críticas, principalmente porque o termo “jack” é usado nas penitenciárias brasileiras para se referir a um estuprador. A vereador passou a receber ameaças nas redes, incluindo um vídeo em que um suposto integrante do Comando Vermelho dança com uma arma ouvindo uma música de Oruam. Ela registrou um boletim de ocorrência. O rapper não se manifestou.
“Na conversa com o secretário, coloquei a nossa preocupação, visto que muitos equipamentos que estão sob o guarda-chuva da prefeitura, como a SPCINE e o Theatro Municipal, são tocados para favorecer projetos com um claro viés identitário, o que acaba canibalizando outros projetos que não atendem à agenda de esquerda. Espero que ele resolva isso, uma vez que o Ricardo teve o voto de pessoas que rejeitavam tudo isso. Precisamos garantir que São Paulo passe a produzir filmes e peças que abrangem e respeitem o público geral. De toda forma, vou garantir, pelo PL, que a gente não invista em shows e espetáculos que promovam essa cultura de armas e drogas e apologia ao crime organizado.”, disse Amanda.
Pavanato afirma que está organizando uma agenda com o secretário e, ao mesmo tempo, estudando propostas na área da cultura. Vereador mais votado da Câmara, ele iniciou seu mandato com projetos de forte viés ideológico, alguns deles contrários aos direitos das pessoas trans.
“A minha reivindicação é de que, nesta gestão, a Secretaria de Cultura deixe de ser tomada pela extrema esquerda. Nas últimas gestões, ela era totalmente tomada; a agenda woke era o padrão. Você tem valorização de grupos identitários de extrema esquerda em detrimento de um critério de meritocracia para a produção artística aqui na cidade de São Paulo”, afirma Pavanato.
Ele acrescenta que o ex-vereador Fernando Holiday não conseguiu, durante os dois mandatos na Câmara, destinar emendas por meio da Secretaria de Cultura devido a esse “enviesamento político”. “Dentro de uma gestão que diz ser de centro-direita, não se pode admitir que a esquerda tenha um flanco tão atuante na área da cultura.”
Pavanato é autor de um Projeto de Resolução que propõe a criação da Frente Parlamentar Antiwoke na Câmara. Entre suas finalidades, está a de “elaborar e propor iniciativas legislativas que visem proteger a sociedade paulistana de possíveis excessos ou imposições ideológicas derivadas do movimento woke”.
Outra iniciativa, capitaneada por Adrilles Jorge e Janaina Paschoal, é a criação da Frente Parlamentar dos Artistas Livres. Assim como Vettorazzo, Jorge critica as gestões do Theatro e da SPCine e afirmam que os órgãos, no primeiro mandato de Nunes, obedeceram “cotas sexuais, sociais e étnicas”.
“Eu vi, ninguém me falou, óperas em que ‘O Guarani’, por exemplo, do José de Alencar, foi transformada numa ópera pró-demarcação de terras indígenas. Vi grupos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Theatro Municipal. Uma coisa horrorosa”, disse ele. “O secretário prometeu que vai obedecer aos critérios de um governo que se coloca como cristão e conservador”, acrescentou Adrilles Jorge.
Artistas Livres
A atuação dos vereadores ocorre na esteira da participação deles em jantares promovidos pelo grupo Artistas Livres, liderado pelos cineastas Josias Teófilo, que dirigiu o filme “Jardim das Aflições”, sobre a vida do escritor Olavo de Carvalho, e Newton Canitto, que já atuou como roteirista da série “Cidade dos Homens”.
“O que a gente está buscando em relação ao secretário é mais diversidade na produção cultural. Não é que os wokes não vão produzir arte, mas tem espaço para todo mundo”, disse Teófilo. Uma das sugestões apresentadas em reuniões com Parente foi a inclusão de ópera e música clássica na Virada Cultural.
Pessoas com conhecimento das discussões do grupo apontam que um dos objetivos é conseguir espaços na direção da SPCine e do Theatro Municipal para influenciar o rumos desses órgãos.
Teófilo e Canitto negaram a pretensão deles mesmos assumirem cargos, mas disseram que sugeriram ao secretário que a empresa de cinema, por exemplo, seja comandada por pessoas que tenham origem no mercado audiovisual.
“Nós estamos mais focados na luta ideológica”, disse o cineasta. “O Totó não ser da área artística diretamente é uma vantagem neste momento porque ele não vem com os preconceitos que a maioria da classe artística tem”, acrescentou Canitto. A dupla pretende expandir os Artistas Livres para outras cidades do país.
Por Estadão