Governo brasileiro expressa preocupação com a escalada da violência no país, onde rebeldes avançaram sobre cidade estratégica na fronteira com a Ruanda
A Embaixada do Brasil em Kinshasa está entre as representações diplomáticas alvo de ataques na escalada da violência que atinge a República Democrática do Congo, confirmou o Itamaraty nesta terça-feira, 28.
O ministério das Relações Exteriores disse que a bandeira da Embaixada foi retirada e levada pela multidão. No comunicado, o Brasil expressa preocupação com os ataques e destaca os princípios do direito internacional que garantem a proteção da missão diplomática.
O encarregado de negócios e os funcionários da Embaixada do Brasil em Kinshasa não foram atingidos, ainda de acordo com o comunicado do Itamaraty.
Em pronunciamento separado, o Brasil expressou preocupação com o recrudescimento da violência no leste da República Democrática do Congo e pediu a retomada do cessar-fogo no conflito. O governo também condenou com veemência os ataques que atingiram a missão da ONU para Estabilização da República Democrática do Congo (Monusco) — com a qual o Brasil contribui — e a missão da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral.
A missão da ONU sofreu 13 baixas provocadas pelos rebeldes do M23, que avançam na cidade de Goma (entenda abaixo). O Brasil tem 22 militares na Monusco, que até o ano passado era chefiada pela general brasileiro Otávio Rodrigues de Miranda Filho.
“O governo brasileiro volta a recordar a obrigação de todas as partes no conflito de garantir a segurança e a proteção do pessoal e das instalações da ONU. Ataques contra a Monusco constituem grave violação do Direito Internacional e do Direito Internacional Humanitário”, afirma a nota do Itamaraty.
Diante da escalada, o ministério das Relações Exteriores recomentou aos brasileiros residentes ou em trânsito pela República Democrática do Congo que se mantenham atentos e evitem aglomerações.
Entenda a crise na República Democrática do Congo
Os protestos violentes com ataques a embaixadas na capital, é reflexo da ofensiva na cidade de Goma, no leste da República Democrática do Congo, onde o grupo armado M23, apoiado pelo Exército de Ruanda, tomou o aeroporto local e ocupou o governo da província nesta terça-feira.
Manifestantes furiosos atacaram a embaixada de Ruanda, que autoridades da República Democrática do Congo “acusaram de declarar guerra”. A violência atingiu ainda as representações diplomáticas de países como França, Bélgica e Estados Unidos, criticados pela inação da comunidade internacional diante da crise.
A ofensiva em Goma representou uma dura derrota para as forças congolesas na região de fronteira com a Ruanda, há décadas mergulhada em violência. As rivalidades regionais, disputas étnicas e conflitos de grupos armados, são alimentados desde o genocídio de Ruanda.
Para entender
A crise escalou no domingo quando os rebeldes do M23 entraram em Goma, cidade estratégica e rica em minerais, após o avanço de semanas na região. A ofensiva se seguiu ao fracasso das negociações entre República Democrática do Congo e Ruanda, mediadas por Angola.
As batalhas intensas espelharam corpos de combatentes e civis pelas ruas de Goma, onde vivem 2 milhões de pessoas, muitas descoladas pelo conflito. Pelo menos 17 morreram e 367 ficaram feridas, de acordo com os hospitais locais, que estão superlotados. E a ONU alerta para o aumento dos ataques por motivos étnicos na região.
Nas ruas da cidade, era possível ver dezenas de combatentes do M23 enquanto moradores permaneciam dentro de casa, sem acesso a água ou energia elétrica porque a infraestrutura foi bombardeada.
Origens do conflito
Nos últimos anos, o M23, grupo predominantemente Tutsi, conquistou grandes áreas de território no leste da República Democrática do Congo, alegando que luta para defender a sua etnia. Os combates entre os rebeldes e as forças armadas acirraram a crise que tem suas raízes no genocídio da vizinha Ruanda há 30 anos.
Com a perseguição dos extremistas Hutu aos Tutsi, os refugiados buscaram abrigo na vizinha República Democrática do Congo (à época chamada Zaire). Lá, esses grupos étnicos se armaram temendo que a disputa que enfrentaram dentro de casa cruzasse a fronteira. Quando os Tutsi chegaram ao poder na Ruanda apoiaram no Zaire a oposição, que derrubou o regime e fundou a República Democrática do Congo, marcada desde sempre pela instabilidade.
Ruanda vê como uma ameaça permanente a presença dos Hutu, que encontraram abrigo no leste da República Democrática do Congo. E os dois lados dois lados trocam acusações sobre o apoio a grupos armados no conflito atual.
A República Democrática do Congo alega que Ruanda usa o M23 para roubar recursos naturais do leste, acusações parcialmente confirmadas por especialistas da ONU. Ruanda, por sua vez, acusa a RDC de apoiar um grupo armado ligado aos Hutu.
O M23 rejeita oficialmente o apoio de Ruanda e se apresenta como um movimento congolês que busca derrubar o governo do presidente Felix Tshisekedi. Nas áreas que controla, o grupo armado estabeleceu uma administração paralela e nomeou líderes leais. O avanço em Goma é a maior conquista dos rebeldes nos últimos anos e o Exército da RDC e o Exército parece incapaz de retomar a cidade./AFP
Por Estadão