Preço dos alimentos: vai cair mesmo ou é só promessa? Veja o que dizem os economistas – Blog Folha do Comercio
Home Brasil Preço dos alimentos: vai cair mesmo ou é só promessa? Veja o que dizem os economistas

Preço dos alimentos: vai cair mesmo ou é só promessa? Veja o que dizem os economistas

de admin

Safra recorde e dólar menos pressionado por trégua de Trump com a China levam à previsão de uma alta menor nos preços; 2026 depende de credibilidade de política fiscal

Economistas preveem que a inflação dos alimentos deverá moderar em 2025, e o governo Lula, ainda que tenha se mobilizado para o problema, tem pouco a ver com isso. A expectativa é que dois elementos tenham influência direta sobre os preços nos supermercados: a safra recorde de grãos, cuja colheita começa neste trimestre, e a queda recente da moeda americana. Os dois fatores deverão fazer com que a inflação dos alimentos saia da casa dos 8%, em 2024, para algo em torno de 6% neste ano.

O número ainda é elevado e reflete uma herança inflacionária do ano passado, assim como o de uma demanda por consumo aquecida. Ao longo do ano, a expectativa é a de que o crescimento da economia perca fôlego com o aumento da taxa de juros (Selic), reduzindo a demanda e, com ela, a pressão sobre a inflação.

Para 2026, ano de eleição presidencial, economistas afirmam que é preciso obter mais informações sobre o ajuste fiscal prometido pelo governo Lula. O adiamento no acerto das contas e a perda de confiança no novo arcabouço fiscal, aprovado em 2023, fizeram o dólar disparar 27% no Brasil em 2024. Isso teve impacto nos insumos agrícolas, matérias-primas e alimentos com preços determinados por cotações no mercado externo, como soja, milho e carnes.

Lula se reuniu com ministros na sexta-feira, 24, para discutir medidas para conter a alta da inflação dos alimentos
Lula se reuniu com ministros na sexta-feira, 24, para discutir medidas para conter a alta da inflação dos alimentos Foto: Wallisson Breno / Presidencia da Republica

Neste ano, há uma trégua provocada por um início do governo Donald Trump menos beligerante contra a China, o que vem provocando uma desvalorização global do dólar. Em janeiro, a moeda americana caiu mais de 4% frente ao real. Mas não se sabe quanto tempo vai levar até Trump mudar de ideia.

Para o dólar ajudar a baixar os preços dos alimentos no Brasil, dizem analistas, será preciso que o governo Lula mostre avanços na política fiscal, o que tem sido um fator doméstico de alta da moeda americana.

Na sexta-feira, o chefe da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo vai avaliar a redução de tarifas de importação de alguns alimentos, a exemplo do milho, para frear as remarcações de preços no País. No dia anterior, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que sua equipe vai trabalhar para reduzir os custos do vale-alimentação e do tíquete refeição, e descartou subsídios ou redução de impostos. São duas medidas anunciadas pelas autoridades após o presidente Lula pedir aos ministros ações rápidas para conter a inflação dos alimentos.

O aumento dos preços nos supermercados não é um fenômeno recente, tanto que o próprio presidente se reuniu com representantes do setor de alimentos e de varejo para debater medidas que poderiam ser adotadas. Dessa reunião, realizada em novembro, emergiram ideias como a mudança na data de vencimento dos produtos e a autorização para supermercados venderem remédios sem receita, o que não foi encampado pelo governo.

Durante a semana, o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) chegou a mencionar a possibilidade de instalar pontos de venda de alimentos estatais nas periferias, mas a ideia não chegou à mesa de Lula, segundo Rui Costa.

Importação é vista como medida sem impacto efetivo

Economistas consultados pelo Estadão veem com ceticismo a capacidade de essas iniciativas terem influência efetiva na inflação dos alimentos e preveem que a moderação ocorrerá mais por efeitos de mercado.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, observa que o Brasil é um grande exportador de alimentos, a preços competitivos, o que indica que qualquer ação para ampliar a importação de alimentos não será relevante.

“Pode marginalmente ter algum efeito, mas não é algo que mude a tendência nos preços dos alimentos, como uma safra forte ou uma apreciação cambial, com influência em grupos relevantes, como carnes, soja e grãos”, afirma.

Economistas veem com ceticismo medidas do governo
Economistas veem com ceticismo medidas do governo Foto: OBSON FERNANDES/ESTADÃO

Fábio Romão, da consultoria LCA, vai na mesma linha e acrescenta que qualquer iniciativa de influenciar o funcionamento dos mercados será mal-recebida.

“As diversas medidas de intervenção, como controle de preços, pegam muito mal e sabemos que são coisas que não funcionam. Pode mexer com a credibilidade do governo, mexer com o câmbio. O tiro sai pela culatra. Fizeram bem em afastar as possibilidades de uso desses mecanismos”, diz.

E se o intuito do governo, com a importação, é baixar a inflação, Matheus Dias, do Ibre/FGV, dá uma má notícia. “Boa parte da cesta que compõe o IPCA (índice oficial de inflação) é de alimentos produzidos internamente e exportados, porque são competitivos, como arroz, carnes e café”, afirma.

A promessa de importar alimentos também foi mal-recebida por representantes do agronegócio no Congresso. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion (PP-PR), disse que foi uma ação “mal pensada, que ignora os problemas macroeconômicos”.

“Não existe desabastecimento, não há problemas de safra, não há sobrepreço”, afirmou. “Os preços dos produtos agropecuários brasileiros seguem os padrões mundiais, anunciar que vai abrir importações é simplesmente jogo de cena demagógico para induzir a população a achar que estão fazendo algo prático para baixar preços.”

Na semana passada, logo após a primeira reunião ministerial do ano, Lula acionou representantes de pelo menos quatro ministérios para tratar do assunto. O novo chefe da comunicação do governo, Sidônio Palmeira, participou das discussões internas.

O receio do governo parece ser chegar às vésperas da eleição de 2026 com uma inflação pressionada, diz Sergio Vale.

“A pressão cambial é maior pelo desajuste fiscal. A culpa não é da alimentação, ela não é a vilã, os empresários não são os vilões, o agronegócio. A expansão fiscal produzida pelo governo aumentou a demanda e jogou o câmbio neste patamar”, afirma.

Ele não acredita, porém, em avanços neste terceiro ano de mandato de Lula. “Provavelmente (o ajuste) vai ficar para 2027, o que vai deixar o mercado mais estressado no final do ano e o câmbio mais pressionado”, diz.

Romão afirma que as carnes também seguirão em alta, por razões setoriais. Há problemas de produção nos Estados Unidos e uma perspectiva de menor abate no Brasil.

“O raio de manobra para moderar os preços de alimentos é pequeno. Reduzir taxas para importação tem pouco ou quase nada de efeito, pode ajudar, mas com efeito muito pequeno. Mesmo que tivesse estoque regular não sei quanto isso poderia ajudar. E neste ano os preços das carnes, bovinos principalmente, vão ter uma alta importante”, diz.

Fábio Silveira, economista e sócio-diretor da MacroSector Consultores, avalia que a questão fiscal é chave para uma melhora nos preços no prazo mais longo.

“Para 2026, está nítido que boas notícias na área fiscal ajudariam a estabilizar o câmbio na faixa de R$ 5,80 e R$ 5,90. Se ficar assim durante meses, levaria à melhor previsibilidade dos preços futuros do mercado doméstico”, afirma Silveira. “Estamos sob pressão porque o câmbio foi de R$ 5 para R$ 6. Sabendo que o ponto sensível é a questão fiscal, procure dar boas notícias.”

Não são só os alimentos

A alta dos preços não está localizada somente nos alimentos, embora eles tenham peso maior nos indicadores. Abrange produtos comercializáveis diversos, os quais são influenciados pela taxa de câmbio, afirma Silveira, da MacroSector Consultores.

O economista elenca, como exemplos, vestuário, calçados, resinas plásticas, têxteis, utilidades domésticas e bens de consumo pessoal.

“Todos serão alvo de uma pressão altista nos próximos dois meses (em razão da defasagem temporal das remarcações). O IGP (Índice Geral de Preços), que mede os preços no atacado, de janeiro e fevereiro, virá pressionado pelo câmbio. Alimentos com peso relevante, vão pesar mais”, afirma o economista.

“O milho, por exemplo, que impacta a carne suína, teve alta acentuada com a influência do câmbio e alta no mercado internacional. No café, a pressão foi até janeiro. A soja já está andando de lado, com viés baixista.”

A maioria dos produtos comercializáveis, observa Silveira, tem correção de preços pelo câmbio. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) de 0,11% em janeiro, subtraindo o índice habitacional, levou a um alívio. Mas a pressão dos outros grupos de produtos, lembra, continua na faixa de 0,40% a 0,45%.

“Nesses dois meses, produtos ligados ao câmbio vão continuar sob pressão. A taxa do dólar só vai aliviar o impacto por volta de março”, afirma Silveira. Ele afirma ainda que, apesar da alta dos juros iniciada pelo BC em setembro, a economia do País ainda está sobreaquecida.

“É outro fator que não vai mudar no curto prazo e que só legitima a alta de produtos comercializáveis. É mais um elemento de sustentação da alta da inflação.”

A consultoria, informa Silveira, projeta IPCA acumulado em 2025 na casa de 4,7%. O Boletim Focus, que coleta a opinião de mais de 100 analistas de casas do mercado, aponta para uma previsão majoritária de 5,08%.

“O que deve perder pressão são os produtos vendidos no mercado interno, porque a economia vai desacelerar, a indústria vai perder fôlego, também serviços e varejo. E a massa salarial vai crescer menos”, diz Silveira.

Por Estadão


Você pode interessar!