A libertação do campo, que completa 80 anos nesta segunda-feira, 27, escancarou os crimes dos nazistas para o mundo todo.
No dia 27 de janeiro de 1945, soldados do Exército Vermelho, da União Soviética, entraram nos campos de concentração de Auschwitz, na Polônia, e testemunharam os horrores perpetrados pelo regime da Alemanha Nazista. Eles salvaram cerca de sete mil prisioneiros com a saúde precária que tinham sido deixados para trás pelos soldados alemães. A libertação do campo, que completa 80 anos nesta segunda-feira, 27, escancarou os crimes dos nazistas para o mundo todo.
Dos seis milhões de judeus que foram assassinados no Holocausto, mais de um milhão morreram em Auschwitz, o maior centro de extermínio administrado pelos nazistas, entre 1940 e 1945. No auge das deportações, entre 1943 e 1944, cerca de seis mil judeus foram mortos por dia no campo, nas câmaras de gás.
O tamanho da barbárie ocorrida no local levou as Organização das Nações Unidas (ONU) a reconhecerem o Dia Internacional em Memória as Vitimas do Holocausto também nesta segunda-feira, 27, em homenagem a libertação do campo.
“Auschwitz se tornou o símbolo do Holocausto”, destaca Avraham Milgram, historiador que trabalhou por três décadas no Museu do Holocausto do Yad Vashem, em Jerusalém, em entrevista ao Estadão. “É um marco na história universal porque retrata fielmente a tentativa dos nazistas de eliminar os judeus”.
Contexto
A libertação de Auschwitz só foi possível por conta do avanço militar soviético contra as linhas do Eixo a partir de 1944. A chamada Operação Bagration, que ocorreu entre junho e agosto de 1944, foi um marco deste processo, por ser o codinome da grande ofensiva do Exército Vermelho para a liberação do território soviético da ocupação nazista.
O líder soviético Josef Stalin ordenou a ofensiva após a vitória russa em Stalingrado, em fevereiro de 43, um marco na inversão da maré da guerra no leste. A partir daquele ano, a aliança entre a URSS, o Reino Unido se solidificou, e ao lado de Wiston Churchill e Franklin Roosevelt, a ofensiva final contra Adolf Hitler passou a ser planejada. Os soviéticos avançariam pelo leste e a aliança anglo-germânica invadiria a Itália e a França.
Depois de retomar Belarus, o Exército Vermelho chegou na Polônia Oriental, ameaçando as tropas alemãs e os campos de concentração na região. O primeiro campo a ser libertado foi Majdanek, em julho de 1944. “O objetivo dos soviéticos não era libertar os campos”, aponta Milgram. “Eles queriam libertar a Europa Oriental da ocupação nazista e foram encontrando os campos pelo caminho”.
Menos de 500 prisioneiros estavam no local, já que os soldados da Alemanha Nazista haviam realizado uma operação para deportar todos os presos de Majdanek para a Frente Ocidental.
“A libertação de Majdanek foi simbólica porque foi o primeiro campo libertado e os soviéticos começaram a registrar um material fotográfico sobre o que estava acontecendo, chamaram jornalistas e catalogaram a maneira como os nazistas assassinaram judeus”, disse o historiador. Após a libertação de Majdanek, o comandante militar da SS, Heinrich Himmler, foi mais enfático e ordenou que todos os prisioneiros em campos de concentração na Frente Oriental fossem deslocados para a Frente Ocidental, território ocupado pela Alemanha Nazista.
Marchas da morte
Antes da chegada dos soviéticos a Auschwitz, em janeiro de 1945, os nazistas deportaram cerca de 60 mil prisioneiros para a chamada Frente Ocidental em um processo que ficou conhecido como “Marchas da Morte”.
Os prisioneiros foram forçados a andar a pé em pleno inverno europeu, com roupas inadequadas para o frio e pouca comida. Centenas de prisioneiros morreram de exaustão e hipotermia, outros foram baleados por serem muito lentos.
De acordo com Milgram, os prisioneiros deportados foram levados para outros campos como o campo de Gross-Rosen, também na Polônia, e o campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha. Entre os deportados estava Anne Frank, adolescente alemã que ficou conhecida pela publicação póstuma do livro “Diário de Anne Frank”.
“Os nazistas colocavam os prisioneiros para marchar em filas de cinco com aquele uniforme listrado. Os prisioneiros estavam totalmente debilitados, famintos, doentes e andaram pelo forte inverno polonês, onde a neve poderia chegar até o joelho”, aponta o historiador. “Muitos simplesmente caíram e foram mortos com tiros na nuca. Os corpos ficaram pela neve e a população local teve que enterrá-los”.
Libertação
Os nazistas deixaram sete mil prisioneiros para trás em Auschwitz. Estas pessoas estavam doentes e não poderiam contribuir como força de trabalho em outros campos. Quando os soviéticos chegaram no local, os nazistas já tinham se retirado do território.
Segundo o historiador, o campo de Auschwitz ficou sem a presença nazista por nove dias antes de o Exército Vermelho chegar. “Eles estavam tão esqueléticos que não tinham nem força para abandonar as barracas e sair do campo”. Para Milgram, o campo de Auschwitz não foi libertado, porque já tinha sido completamente abandonado pelos nazistas.
“Só depois de quase dez dias é que os soviéticos realmente entraram lá. A libertação de Auschwitz não foi como Majdanek, onde o Exército Vermelho prendeu guardas nazistas e soldados da SS”, destaca o historiador.
Este momento é simbólico no sentido do que foi visto pelos soviéticos, avalia Maria Luiza Tucci Carneiro, historiadora e professora da Universidade de São Paulo (USP).”Os soviéticos encontraram prisioneiros que estavam semi-vivos, não conseguiam parar em pé. As narrativas dos sobreviventes sobre este momento são muito contundentes”.
Memória
A comemoração de 80 anos da libertação de Auschwitz ocorre em meio ao conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, que despertou um aumento nos casos de antissemitismo e islamofobia ao redor do globo.
Para a historiadora e professora da Universidade de São Paulo (USP), a data tem um significado de rememoração e prevenção contra novos genocídios e discurso de ódio. “Vemos um aumento no negacionismo e antissemitismo em muitos países e nas redes sociais. Essa data nos relembra um plano de extermínio perpetrado por um Estado. Não existe nada que possa ser comparado a este plano”.
De acordo com um relatório publicado pela Organização Sionista Mundial, os casos de antissemitismo ao redor do mundo aumentaram 340% em 2024 em relação a 2022. Comparado com 2023, houve o dobro de casos. Segundo o documento, a França registrou um aumento de 350% nos casos e o Reino Unido de 450%.
O relatório destaca que o antissemitismo online teve um aumento de 300%, com mensagens anti-Israel, teorias da conspiração e negação do Holocausto.
Sobrevivente
Apesar das dificuldades do momento atual, a data segue sendo celebrada e preservada por conta de esforços de pesquisadores, comunidade judaica e sobreviventes do Holocausto.
Stefan Lippmann, que completa 90 anos em 2025, nasceu em Plauen, na Alemanha, uma pequena cidade na região da Saxônia. Quando tinha 3 anos, sua casa foi totalmente destruída nos eventos que ficaram conhecidos como “Noite dos Cristais”, uma onda de violência antissemita que ocorreu na Alemanha e na Áustria entre 9 e 10 de novembro de 1938.
Lippmann fugiu da Alemanha com sua mãe, mas seu pai ficou para cuidar da loja de cortinas da família. Enquanto Lippmann e sua mãe desembarcaram em Bruxelas, onde viveram cinco anos de forma clandestina, seu pai foi deportado para a França e assassinado em Auschwitz.
“Descobri a história do meu pai cinco anos atrás. Eu sabia que meu pai tinha morrido, mas acreditava que tinha sido na França. Descobri que ele foi morto em Auschwitz por conta de um documento que estava no Museu do Holocausto de Jerusalém”, aponta Lippmann, que recebeu a reportagem do Estadão em seu apartamento na capital paulista.
O sobrevivente teve que adotar o nome falso de Etienne Campenhout durante o seu tempo na Bélgica e vivia em um convento, enquanto sua mãe trabalhava como empregada doméstica. Lippmann não morou com sua mãe durante os cinco anos no país europeu e era constantemente movido de lugar pela resistência belga, que se opunha a ocupação nazista no país. O sobrevivente conseguiu embarcar em um navio para o Brasil com sua mãe e chegou ao porto de Santos com 11 anos.
Para celebrar a data comemorada nesta segunda-feira, Lippmann participou no domingo, 26, do Ato em Memória às Vítimas do Holocausto, que ocorreu na Congregação Israelita Paulista (CIP) e foi organizado pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB), em parceria com a Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP).
O sobrevivente não acredita que o Holocausto será esquecido ao longo dos anos. “Nós temos muitos museus e documentos e eu conto a minha história em diversas organizações e escolas. Eu conto justamente para que a história não se repita”.
Por Estadão