Governo quer impedir a qualquer custo crise com escalada da inflação dos alimentos – crise que poderia ser evitada se não houvesse ‘busca pela paternidade’ dos preços baixos
O governo Lula tem na inflação de alimentos um dos seus principais desafios para 2025. Ou, como classificou o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, o “calcanhar de Aquiles” do Executivo.
E parte da crise é culpa do próprio governo, que alardeou e comemorou a queda do preço das carnes no primeiro ano da gestão, em 2023. Tanto a comunicação oficial quanto a de ministros era na direção de que os brasileiros voltaram a comer carne com o presidente Lula.
Medidas econômicas do governo influenciaram na queda do desemprego, no aumento da renda e no crescimento econômico do País – o que aumentou o poder de compra do consumidor. Mas, do lado da oferta de boiadas no campo, e consequentemente de carne bovina, os fundamentos de mercado explicam o recuo do preço da proteína animal no início do governo Lula.
Entre 2023 e 2024, houve um aumento nos abates de bovinos e, especialmente em 2024, um abate recorde de vacas. No fim do ano passado, porém, o cenário começou a mudar e o ciclo de oferta abundante de animais começou a se inverter – justamente por causa do abate recorde de reprodutoras bovinas.
A partir deste ano, a produção de carne vermelha deve desacelerar – pela falta de vacas e, consequentemente, de bezerros e bois para engorda – e os preços voltarem a subir, acompanhando a demanda externa firme e a valorização do boi gordo, além de uma demanda interna estimulada pelo pleno emprego e programas sociais. Mais uma vez, são fundamentos de mercado, desta vez altistas.
Há perspectiva, além disso, de aumento nos preços das proteínas alternativas mais baratas – carne de frango e suína, pelo reforço na demanda, e também de ovos.
O aumento, no caso da carne bovina, já chegou ao consumidor no ano passado e deve persistir neste ano, segundo previsões de analistas de mercado. Agora, a cobrança recai sobre o governo. Vale lembrar que picanha de novo da mesa do brasileiro foi promessa de campanha do presidente Lula e o aumento dos preços não é poupado pela oposição.
E não é só a carne. O café já superou patamares históricos e pode chegar até a R$ 55 o quilo nas gôndolas dos supermercados, conforme prevê a indústria.
Café, açúcar e carnes com menor produção devem ser os vilões inflacionários neste ano. Já a produção recorde de grãos deve contribuir para amenizar a pressão inflacionária. Mais uma vez, fundamentos de mercado.
A preocupação de Lula com a inflação persistente dos alimentos decorre da influência do tema na sua popularidade, um ano antes das eleições presidenciais. O assunto tomou corpo no governo nos últimos dias, após o presidente cobrar os ministros pelos preços elevados dos alimentos na primeira reunião ministerial do ano, na última segunda-feira.
Lula quer uma resposta imediata. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, tentou convencê-lo de que se trata de uma questão de mercado. Interlocutores próximos ao ministro afirmaram que a pasta esclareceu ao Planalto que o preço de alimentos é tema da equipe econômica e que medidas de abastecimento não estão mais na alçada da sua pasta.
Ao presidente Lula, Fávaro também teria dito que preço é uma questão econômica envolvendo mercado e inflação e que não há controle sobre as cotações dos produtos agropecuários. O ministro da Agricultura também teria afirmado a Lula que, do lado da produção, há perspectiva de uma safra recorde de grãos neste ano – o que pode aliviar a escalada de preços e, consequentemente, a pressão inflacionária prevista para carnes e café. Ao presidente, o ministro esclareceu que o clima adverso afetou a safra passada, pressionando a inflação.
Não adiantou. O presidente quer uma solução “fora da caixa” e foco total no tema. Técnicos do Executivo afirmam que “não há muito o que ser feito”, garantindo as regras de mercado. Ou seja, sem falar na temida intervenção. Segundo um técnico do Ministério da Agricultura, “é câmbio e mercado externo”, já que os preços internacionais balizam o valor que é cobrado aqui.
O governo tenta evitar a qualquer custo uma crise da escalada dos preços dos alimentos e eventual responsabilização pela inflação firme. Crise que poderia ser evitada se não houvesse “busca pela paternidade” dos preços baixos.
Análise por Isadora Duarte
Repórter do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, em Brasília. Jornalista formada pela UFRGS, com extensão em economia pela FGV e especialização em agronegócio pelo Insper. Responsável pela cobertura do agronegócio na capital federal, acompanha a condução da política agrícola e os projetos setoriais no Legislativo
Por Estadão