Corregedoria da Polícia Militar encontrou diálogos no celular do soldado Samuel Tillvitz da Luz que revelam sua preocupação em ajustar a escala de serviços enquanto jazia no aeroporto de Guarulhos o corpo de Antônio Vinícius Gritzbach, fuzilado naquela tarde de 8 de novembro
Enquanto policiais civis vigiavam a cena do crime do assassinato do empresário Antônio Vinícius Gritzbach, em novembro do ano passado, no Aeroporto Internacional de São Paulo, um PM que havia acabado de desembarcar com o delator do PCC tinha uma preocupação: ajustar sua escala de serviço no quartel. É o que indicam mensagens que ele trocou com um colega, para encaixar folgas que havia tirado para viajar a Maceió com Gritzbach. A tentativa de deixar a folha de ponto redonda fracassou – em sua folha pessoal foram anotadas duas faltas por causa do ‘serviço de segurança’ que prestou para Gritzbach.
A trama para ajustar a escala do PM visava não só esconder que ele havia viajado para fazer a escolta de Gritzbach – mesmo não tendo folgas suficientes para isso. O objetivo maior era ocultar a dimensão do esquema de proteção ao delator do PCC, um dos três grupos de PMs cooptados por bandidos da facção. Segundo a Corregedoria do órgão, o fato de os agentes fazerem a segurança pessoal de Gritzbach não estaria alinhado com os pilares disciplinares da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Os diálogos que revelam a apreensão do soldado Samuel Tillvitz da Luz naquela tarde de 9 de novembro foram recuperados e acessados pela Corregedoria da Polícia Militar, responsável pelo inquérito que apontou como um numeroso grupo de PMs supostamente ligados ao PCC fincaram três núcleos na própria corporação para proteger a facção – um para assassinatos, outro para vazamento de informações em favor do bando e um terceiro para serviços de segurança aos faccionados.
O inquérito levou à prisão Samuel e outros 15 PMs que teriam ligação com o PCC e a execução do delator. Os agentes diretamente envolvidos na escolta do empresário tiveram seus celulares apreendidos ainda em novembro do ano passado. Neles, a Corregedoria encontrou mensagens que apontam a relação dos agentes com Gritzbach, “seja de maneira ilícita, seja por prestação de serviço de segurança privada”.
Relatório assinado no dia 2 de janeiro frisa que os militares sob suspeita sabiam que Gritzbach era delator do PCC e lavava dinheiro para a facção. “Os policiais militares, além de saberem de negócios espúrios do empresário Antônio Vinícius Gritzbach, também se organizaram privativamente para fazerem sua segurança pessoal, fato que não encontra guarida nos postulados castrenses e disciplinares da Polícia Militar do Estado de São Paulo”, destaca a tenente Mariana Carolina de Brito Silva.
Os diálogos entre o soldado Samuel Tillvitz da Luz e o 1º tenente Thiago Maschion Angelim da Silva são o primeiro tópico abordado no documento. A Corregedoria aponta para um conjunto de 41 mensagens, iniciadas às 18h15 do dia 8 de novembro, poucas horas após o assassinato de Gritzbach.
Samuel escreveu. “Vinícius sofreu um atentado no aeroporto. Tá morto.”
Ele testemunhou o assassinato. Estava próximo do delator quando tiros de fuzil foram disparados contra Gritzbach naquela tarde. Samuel havia desembarcado minutos antes, junto de Gritzbach, de uma viagem a Maceió. Também estava ali um segurança pessoal do delator, Danilo. Ainda, a namorada de Gritzbach. O grupo tinha viajado para Alagoas na semana anterior. Eles permaneceram uma semana na chamada ‘rota dos milagres’.
Em depoimento à Corregedoria, o soldado disse que aceitou fazer a escolta de Gritzbach porque tinha folgas a tirar no quartel. Os diálogos encontrados em seu celular, no entanto, indicam uma contradição. Eles mostram que, enquanto o corpo de Gritzbach jazia no aeroporto de Guarulhos, uma das preocupações de Samuel era ajustar sua escala de serviços.
Em outro momento, Samuel pediu ao colega que fosse até o Batalhão da PM. Eles conversam sobre um documento que seria preenchido por Thiago na administração militar, referente a uma diária de serviço. “Inventa uma folga aí para mim.”
Thiago respondeu: “Folga compensação. Tem algum flagrante? Você trabalhou na eleição. Folga compensação.”
Um áudio enviado na sequência pelo militar indica que os PMs tratavam do ponto de Samuel. “Então, uma dessas folgas foi compensação, a do dia 2, a do dia 4 foi mensal, aí só administra uma para o dia 6, porque dia 8 é… coloca fala que eu ia trampar normal, ia para o batalhão, mas por conta da ocorrência aqui não deu tempo.”
Thiago faz uma sugestão para resolver o problema da escala do colega. “Dia 6 eu administro uma DS, domingo você assina ela. E a gente altera a escala do dia 6. Tem que avisar a adm depois… a gente fala que você fez a DS, eu assinei e você esqueceu de entregar na ADM.”
Samuel afastou a ideia do colega. “Não vai dar tempo. Foi sério o negócio.”
Eles falam sobre como registrar as faltas de Samuel. Thiago indica: “Hoje não tem como, não tem ninguém na adm mais. Só se a gente fizer documento de falta.”
Samuel diz a Thiago para registrar sua falta naquele dia 8 e recebe outra sugestão: “E você passa no PS e pega algum atestado.” Samuel considerou remota a possibilidade de ir a um pronto socorro. “Isso é o de menos, eu acho. Eu vou ter que ir para o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa Humana) eu acho”, indicou.
Thiago informou ao colega que ia registrar duas faltas, uma no dia 6 e outra no dia 8. “É o jeito né. Pra não te prejudicar.”
Bronca
O relatório desbanca a versão do tenente Giovanni de Oliveira Garcia que, em depoimento à Corregedoria, negou organizar a escolta de Gritzbach, feita pelos PMs que ele mesmo indicava. A PM achou no celular do tenente um grupo de Whatsapp chamado ‘VIP V’. Nele, em uma mensagem de setembro, Giovani deu uma bronca nos PMs da escolta de Gritzbach por causa de ‘vaciladas’ dos agentes com os carros do delator do PCC.
Por Estadão