Ney Matogrosso lança álbum com banda Hecto e comenta cobranças por posicionamento: ‘Sou a bandeira’ – Blog Folha do Comercio
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Ney Matogrosso lança álbum com banda Hecto e comenta cobranças por posicionamento: ‘Sou a bandeira’

de admin

Ao ‘Estadão’, o cantor e o músico Guilherme Gê falam sobre ‘Canções Para Um Novo Mundo’. O disco denuncia e aponta soluções para mazelas sociais e da alma, questões que Ney aborda desde sempre. ‘Eu chutei a porta em 1973′

Dizer que Ney Matogrosso está cantando rock no álbum Canções Para Um Novo Mundo, lançado nesta sexta-feira, 10, em parceria com a banda Hecto, é chover no molhado. Ou melhor, no Secos & Molhados – muito embora essa banda não fosse necessariamente apenas de rock. Falar que Ney, aos 83 anos, dá conta dos vocais é reafirmar o já sabido.

O que resta, então? Destacar como o álbum, arquitetado pelo músico e cantor carioca Guilherme Gê, que forma a Hecto juntamente com o guitarrista catarinense Marcelo Nader, reúne nove grandes canções de rock – seis delas são inéditas.

“Gosto muito do repertório. E isso é o suficiente [para estar no projeto]”, diz Ney ao Estadão, em chamada de vídeo, ao lado de Gê. “É um prazer estético. O prazer não acaba, mesmo depois de muito tempo. Na verdade, é ele que me mantém até hoje, caso contrário, eu já teria saído de cena”, complementa.

O músico Guilherme Gê e o cantor Ney Matogrosso: parceiros no álbum 'Canções Para Um Novo Mundo'
O músico Guilherme Gê e o cantor Ney Matogrosso: parceiros no álbum ‘Canções Para Um Novo Mundo’ Foto: Marcos Hermes/ Divulgação

Cantar rock deixa Ney à vontade. O gênero, aliás, foi o único capaz de induzir no cantor o desejo de ser alguém – e Ney sempre quis ser muito ele. “Quando tinha 13, surgiu Elvis Presley no mundo. Eu andava com um topete deste tamanho, que meu pai odiava”, conta. “Foi a única vez que fiz alguma referência na minha vida.”

A Elvis, somaram-se Marlon Brando e James Dean. “Os três me enlouqueceram a cabeça”. Três transgressores, não, Ney? “Sim, e que viviam a vida deles como queriam”. Nada fora da ordem.

Ney e Gê se conheceram em 2017, quando o músico participou do musical Puro Ney, dedicado à obra do cantor. Nessa época, Gê já havia composto Teu Sangue, canção seminal do álbum Canções Para Um Novo Mundo. A música, agora, ganhou um videoclipe com direção de Batman Zavareze.

Ney, na entrevista ao Estadão, se surpreende com a revelação da data – a música só chegou para ele em 2023. “É mesmo? Não sabia!”, diz. Não à toa. Em sua primeira parte, Teu Sangue faz uma série de denúncias que parecem ter saído nos jornais de hoje. “E a polícia, milícia, PM/E as tropas de choque, teu sangue”, diz um dos trechos. “E nossos índios morrendo de fome/De sede, sem dignidade, teu sangue”, explicita a estrofe seguinte.

“Índios morrendo. Fico chocado! Apocalipse now! O fechamento da música é o que mais me tocou. Tudo é o nosso sangue. Todas as mazelas, tudo de bom ou de errado, faz parte do nosso sangue. Somos o mesmo povo. Gostei muito dessa ideia”, elogia Ney. O cantor diz que um indígena o atualiza sempre com notícias de seu povo.

Ainda sobre Teu Sangue. A segunda parte dela aponta caminhos. Assim, ela, como bem destaca Gê, é o mote do álbum, que não apenas denuncia, mas propõe soluções para o caos social na maioria das canções. Nesse sentido, o álbum é muito bem definido em seu conceito.

Ney e a banda Hecto. O trabalho traz nove músicas, seis delas inéditas
Ney e a banda Hecto. O trabalho traz nove músicas, seis delas inéditas Foto: Marcos Hermes/ Divulgação

Os timbres de Ney e Gê, muitas vezes, se assemelham. Algo espontâneo, nascido no estúdio. Em outras, se somam a mais vozes. Como ocorre em Solaris, letra de Mauro Santa Cecília musicada por Gê. Além dos dois, há Frejat. O ex-Barão começa a canção em um tom grave. Gê segue na região média, até entregar para Ney no agudo. Cabe a ele, então, trazer o sol para uma poesia que começa falando de sombra e manhã cinzenta.

Ana Cañas está em O Amor Vem Antes de Tudo, de Gê e Déa Moura. A bateria de Will Calhoun, do Living Colour, gravada durante a passagem do músico pelo Brasil, e o sitar, instrumento indiano, deixam a faixa mais próxima do que se denomina de world music.

Anonimato, com letra e música de Gê, traz a visão de um morador de rua. “Saudade de existir”, diz o refrão. Embora apareça alinhada com a sonoridade do álbum, é um samba. Isso fica evidente no trecho “levaram meu violão”, muito bem desenhado melodicamente por Ney. “Durante a gravação dessa música, Ney me disse que as melodias eram difíceis, mas que estava tudo certo para ele, que elas o levavam. É a conexão”, avalia Gê.

Ney, que teve sua fase hippie nos anos 1970, disse nunca ter se sentido invisível perante à sociedade, como ocorre com a população de rua. Mas entende a dor de quem está nas ruas e praças. “Sou sensível. Quando ando de madrugada pelo Rio de Janeiro, vejo aquelas famílias nas ruas, emboladas… O que é isso? As pessoas nessa decadência. Para mim, é o fim de um ciclo da humanidade”, diz. Gê, autor da faixa, pede “igualdade, solidariedade e respeito”. “Só assim chegaremos à justiça”, opina.

Além de Gê e seus parceiros, Ney também canta pela primeira vez outro compositor. Um veterano: Paulo Sérgio Valle, conhecido, dos anos 1990 para cá, pelas letras da sertaneja Evidências e do pagode pop Essa Tal Liberdade. Dois hits. Nos anos 1960, Valle, ao lado do irmão, Marcos, compôs clássicos da bossa nova.

Ney deixa escapar que essa canção, de título Monólogo, é uma das que mais gosta no álbum. O poema de Valle, publicado em seu livro Contos e Letras: Uma Passagem pelo Tempo (2018) e já gravado em forma de canção anteriormente por Madu e Jana Figarella, foi musicado por Gê e Sérgio Britto, do Titãs. Ela fala sobre um corpo cansado em um mundo errado. A solidão dos dias atuais e o anseio da alma por sensações mais reconfortantes.

Ney Matogrosso no show do grupo Secos e Molhados, em junho de 1974
Ney Matogrosso no show do grupo Secos e Molhados, em junho de 1974 Foto: Ary Brandi/Estadão

Cobrado por não explicitar bandeiras, sobretudo no campo da sexualidade, Ney levanta várias delas [sociais] no álbum. Aliás, como tem feito desde os anos 1970, quando literalmente rebolou na cara da censura do período militar.

O assunto da cobrança traz certo incômodo a Ney – ele não faz questão alguma de escondê-lo. “Nunca tive medo de me expor. Mas não acho que, por isso, eu tenha que ir para a Avenida Paulista. Não acho! Você quer mais bandeiras do que já dei no Brasil? Quando disseram que eu não me envolvia, eu disse: ‘Eu sou a bandeira!’. Eu chutei a porta em 1973, … [Ney autocensura um palavrão].”

É bem provável que Canções Para Um Novo Mundo não chegue aos palcos com Ney e a banda Hecto. Isso não tem relação com Ney não querer dividir holofotes em cena. Suas decisões não passam pela vaidade – tampouco pelo dinheiro.

Ney lembra bem o que ouviu, no passado, quando fez disco e show com Pedro Luís e A Parede. Muitos apostaram que ele não iria conseguir compartilhar com o grupo. “Eu respondi: ‘Vocês pensam que sou o que? Um maluco?’ É a música que comanda minha vida. E ela aproxima as pessoas”. “O Ney é o oposto dessa vaidade, posso falar, pelo trabalho em estúdio”, atesta Gê.

Ney segue com o show Bloco na Rua, estreado em 2019, a todo vapor. Em 2024, se apresentou para quase 50 mil pessoas no Allianz Parque. Cantou no Rock in Rio em dois dias, além de lotar casas de shows pelo País. Já há datas de apresentações para este ano.

A força para estar pleno no palco, depois de mais de 50 anos de carreira? “Vem de dentro de mim. Não tenho outro lugar para tirar. Adoro cantar nesses festivais loucos, com centenas de milhares de pessoas. Não sofro! Tenho prazer de estar ali”.

Para Gê, que acompanha Ney nesse álbum tão sobre o mundo, mas também muito particular entre eles, o cantor é uma “hipersensibilidade”. “Ney é tão focado no palco, no estúdio. É como se ele entrasse em uma peça de teatro, com o mesmo respeito e amor. Ele encarna um personagem”, diz o músico. “É um personagem mesmo”, confirma Ney.

A capa do álbum 'Canções Para Um Novo Mundo
A capa do álbum ‘Canções Para Um Novo Mundo Foto: Som Livre/Divulgação
  • Canções Para Um Novo Mundo
  • Ney Matogrosso e Hecto
  • Som Livre
  • Disponível nas plataformas digitais

Por Estadão

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