Entenda em um guia simples as guerras de Israel contra Hamas e Hezbollah e o que pode mudar em 2025 – Blog Folha do Comercio
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Entenda em um guia simples as guerras de Israel contra Hamas e Hezbollah e o que pode mudar em 2025

de admin

Com chegada de Trump à Casa Branca, Netanyahu deverá ganhar fôlego para cumprir seus objetivos na guerra, incluindo a realização de um acordo de cessar-fogo que privilegie os interesses de Israel

Em 2025, Israel vive o segundo ano com duas frentes de conflito simultâneas: uma guerra contra o grupo terrorista Hamas, em Gaza, e outra contra a milícia radical xiita Hezbollah no Líbano. Enquanto em Gaza a operação israelense permanece ativa sem sinais contundentes de uma trégua, no Líbano, um cessar-fogo de 60 dias entrou em vigor em novembro, com sinais claros de fragilidade.

Enfraquecido interna e externamente por escândalos de corrupção, pela pressão por um cessar-fogo e pela libertação dos reféns que ainda permanecem sob poder do Hamas, o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu ganha fôlego para seus objetivos militares e políticos com a chegada de Donald Trump à Casa Branca.

O republicano promete mudanças significativas na postura dos Estados Unidos em relação aos conflitos. A relação próxima de Trump com Netanyahu e sua dura oposição ao Irã podem levar a uma abordagem mais incisiva em relação aos grupos armados da região, incluindo no desenho de um acordo pelo fim da guerra, que pode repetir os moldes do controverso “Plano de Paz” de 2019 e favorecer os interesses de Israel.

Qual é atual situação dos conflitos em Gaza e no Líbano?

Em novembro, Israel e o grupo Hezbollah, no Líbano, concordaram em realizar um cessar-fogo temporário de 60 dias. A decisão, mediada pelos Estados Unidos e pela França, veio dois meses após Israel iniciar uma guerra mais ampla contra a milícia xiita, com uma incursão por terra e intensificação de ataques contra o Líbano, incluindo na região central de Beirute. Ambos os lados, entretanto, têm se acusado mutuamente de repetidas violações desde o início da trégua, deixando dúvidas se a trégua será cumprida dentro do prazo estabelecido.

No dia 12 de dezembro, Israel efetuou uma primeira retirada de suas tropas de uma cidade no sul do Líbano, as quais foram substituídas pelo Exército libanês, conforme o previsto no acordo. O acordo também prevê que o Hezbollah se retire ao norte do rio Litani, a cerca de 30 km da fronteira, e desmantele sua infraestrutura militar no sul do Líbano.

Homem olha prédio destruído no sul do Líbano, na cidade de Yater, em meio ao frágil acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah.
Homem olha prédio destruído no sul do Líbano, na cidade de Yater, em meio ao frágil acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah. Foto: Mahmoud Zayyat/AFP

Já em Gaza, Israel segue com ataques quase diários, tanto no norte quanto no sul do enclave, em áreas onde alega haver presença de terroristas do Hamas ou pontos estratégicos para a logística do grupo. Pelo menos 96 pessoas permanecem como reféns em Gaza, entre os quais 34 foram declarados mortos pelo Exército israelense.

A trégua no Líbano pode dar fim à guerra?

Embora autoridades internacionais tenham anunciado o cessar-fogo como um possível prelúdio para dar fim às hostilidades, para Karina Stange Calandrin, professora de Relações Internacionais (Ibmec-SP e Uniso) e colunista da Interesse Nacional, o cessar-fogo de 60 dias pode estar em risco se algum dos lados entender que não está conseguindo manter a narrativa de vitória.

Logo após o anúncio do acordo, o líder do Hezbollah, Naim Qassem, assegurou que o grupo tinha obtido “uma grande vitória”. “Vencemos porque impedimos que o inimigo destruísse o Hezbollah e aniquilasse ou fragilizasse a Resistência”, afirmou Qassem, embora a operação israelense tenha fragilizado o Hezbollah e dizimado seus dirigentes.

“Eles querem parecer vitoriosos para as suas bases. (O fim da guerra) depende muito de como eles vão reagir a esse cessar-fogo”, diz Karina. “Israel está tentando evitar que as pessoas retornem para suas casas, para evitar também que entre oo civis tenham células do Hezbollah. Do outro lado, o Hezbollah está querendo forçar o retorno dessas pessoas com uma forma também de alegar uma vitória porque estão expulsando os israelenses.”

Há chances de algum acordo semelhante com Hamas em Gaza?

Quando a trégua entre Israel e Hezbollah foi anunciada, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que mediadores trabalhariam em um acordo semelhante para Gaza, com uma pausa nas hostilidades entre Israel e Hamas. Mas até agora, há poucos indícios de que um tratado semelhante se desenvolva, pelo menos não antes do fim do mandato de Biden.

“A situação em Gaza é bem diferente da situação do Líbano. O Líbano é um país soberano. Então apesar de o Hezbollah atuar como uma força clandestina, ser considerado um grupo terrorista, o Líbano é um país, diferentemente da Faixa de Gaza, da Jordânia. A Palestina não é um território soberano, então há uma pressão internacional muito maior para que um acordo seja feito no Líbano do que em Gaza”, avalia Karina.

Crianças palestinas encaram um prédio destruído em Nuseirat, centro de Gaza, após um ataque israelense.
Crianças palestinas encaram um prédio destruído em Nuseirat, centro de Gaza, após um ataque israelense. Foto: Eyad Baba/AFP

O conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, disse há duas semanas que Netanyahu parece “estar pronto para chegar um acordo” sobre a libertação dos reféns e um cessar-fogo em Gaza. O Catar, que atua como mediador, também fez referência a um novo “impulso” nas negociações.

Mas o próprio Netanyahu, apenas dois dias antes da declaração de Sullivan, afirmou no dia 9 de dezembro que não vai interromper “agora” a guerra contra o Hamas. “Se interrompermos a guerra agora, o Hamas vai se reerguer, se reconstruir e nos atacar de novo, e não queremos voltar para isso”, declarou Netanyahu em uma entrevista coletiva.

Como Trump na Casa Branca poderá mudar o rumo dos conflitos?

Donald Trump tem reforçado que quer dar fim às guerras no Oriente Médio e na Ucrânia quando assumir a presidência dos Estados Unidos. Mesmo assim, apesar da insistência de Netanyahu de querer seguir com as operações militares até o “colapso total do Hamas”, a vitória do republicano foi comemorada entre o governo israelense.

Isso porque, nos últimos meses, o governo de Joe Biden havia aumentado a pressão por um cessar-fogo, tensionando o clima entre os líderes. O presidente americano e o premiê israelense também tiveram rusgas sobre apoio militar — mais de uma vez, Netanyahu acusou os EUA de dificultarem a entrega de armas.

Trump, por sua vez, tem uma relação muito mais próxima com Netanyahu, e parece estar mais disposto a atender as demandas de Israel. “O Trump apoia Israel, especialmente o Netanyahu com ele quem tem amizade, em um nível de chegar a mudar a Embaixada dos Estados Unidos de Tel-Aviv para Jerusalém, que é uma um ponto que favorece Israel que quer Jerusalém como sua capital desde de 1948″, pontua Vitelio Brustolin, pesquisador de Harvard e professor da UFF.

Donald Trump e o primero-ministro israelense Binyamin Netanyahu no Museu de Israel em Jerusalém em 2017. No primeiro mandato, Trump mudou a embaixada americana para Jerusalém.

Donald Trump e o primero-ministro israelense Binyamin Netanyahu no Museu de Israel em Jerusalém em 2017. No primeiro mandato, Trump mudou a embaixada americana para Jerusalém. Foto: AP foto/Sebastian Scheiner, arquivo

Por outro lado, a relação de Trump com o Irã, que apoia o Hamas e o Hezbollah, é conturbada. O republicano retirou os Estados Unidos do acordo nuclear com o país em 2018 e, ao longo de seu primeiro mandato, endureceu sanções. Para Brustolin, a postura do Trump em relação ao Irã nesta segunda administração deverá ser mais severa. “E o que se aplica ao Irã se aplica aos grupos proxies que o Irã financia na região, dentre eles o Hamas.”

Apesar da relação complexa com o Irã, Trump tem alianças diferentes das de Biden, que podem abrir caminho para um cessar-fogo — ainda que forçado para o lado palestino. “Por sua relação com a Rússia, que, por sua vez, tem aliança com o Irã e o Hezbollah, Trump pode buscar um equilíbrio de forças. Além disso, ele pode usar acordos anteriores entre Israel e a Arábia Saudita para pressionar Netanyahu e o Hamas a aceitarem um cessar-fogo”, sugere Karina.

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Um eventual acordo de cessar-fogo em Gaza sob a liderança de Trump poderia ser desenhado aos moldes do chamado “Plano de Paz de Trump” em 2019. Esse plano, elaborado durante seu primeiro governo, previa o reconhecimento de Jerusalém como capital indivisível de Israel, a anexação de parte da Cisjordânia e a oferta de terras no deserto para o futuro Estado palestino.

“Os palestinos nem foram chamados para negociação, nem consultados sobre esse plano, o que demonstra a inclinação de Trump a favorecer os israelenses”, acrescenta Karina. Um novo acordo mediado por Trump em Gaza poderia seguir lógica semelhante: “Podemos imaginar, por exemplo, uma presença militar israelense no norte de Gaza, enquanto o Hamas se retiraria do poder e a Autoridade Palestina assumiria o controle. Apesar de ser uma solução que dificilmente agradaria todos os palestinos, seria uma tentativa de encerrar a guerra.”

Netanyahu quer dar fim às guerras?

Para Netanyahu, a guerra, sobretudo, é uma questão de sobrevivência política. A coalizão que sustenta seu governo, composta por partidos de direita e ultranacionalistas, defende que a continuidade do conflito é essencial para enfraquecer o Hamas e o Hezbollah e consolidar o controle israelense sobre a região. O ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, o ministro de Finanças, Bezalel Smotric, e o ministro de Relações Exteriores, Yisrael Katz, são peças-chave neste tabuleiro, aponta o Brustolin.

“Eles se opõem a uma paz a qualquer preço. E os três juntos controlam 17 cadeiras no Parlamento. Como Israel é um sistema parlamentarista de 120 cadeiras, se esses três ministros saírem, o Netanyahu perde a base de sustentação para governar”, explica o especialista.

Além disso, o prolongamento da guerra também serve para desviar as atenções dos escândalos que rondam o nome do primeiro-ministro. Netanyahu é cobrado pelas falhas de segurança que permitiram a invasão do Hamas em 7 de outubro de 2023 e, além disso, é acusado de corrupção — o julgamento, retomado no último dia 10 de dezembro, foi iniciado em 2020 mas foi pausado devido à guerra.

“Quanto mais tempo Israel permanecer em guerra, mais o Netanyahu se mantém no poder e se equilibra distante das acusações que ele deve sofrer quando for deposto”, diz Brustolin.

A situação na Síria afeta os conflitos em Gaza e no Líbano?

O Irã, que apoia o Hamas e o Hezbollah, também apoiava o regime de Bashar Assad, deposto na Síria na primeira semana de dezembro. Durante décadas, a Síria foi um aliado próxima de Teerã e um país-chave no trânsito de armas e conselheiros militares entre o território iraniano e o Líbano, onde atua o Hezbollah.

A queda da família Assad é vista por analistas internacionais como um duro golpe para o Irã, que investiu política, financeira e militarmente na Síria para defender o regime, em particular desde o início da guerra civil síria em 2011. O Irã perde um governo aliado em um momento em que seus grupos proxies estão enfraquecidos após meses de ataques israelenses e, sem apoio sírio, o fornecimento de armas iranianas para aliados pode se tornar mais complexo.

People cross through the destroyed crossing border point between Lebanon and Syria which hit by an Israeli airstrike, in Arida, north Lebanon, Friday, Dec. 6, 2024. (AP Photo)
People cross through the destroyed crossing border point between Lebanon and Syria which hit by an Israeli airstrike, in Arida, north Lebanon, Friday, Dec. 6, 2024. (AP Photo) Foto: Str/AP

Durante a guerra civil síria, o Hezbollah enviou combatentes para apoiar o regime de Assad contra grupos opositores, consolidando ainda mais a parceria. A cooperação entre Damasco e o Hezbollah é centralizada na oposição a Israel e no fortalecimento da resistência no Oriente Médio.

Após a derrubada do governo Assad, Israel começou a atacar a Síria. Um dos motivos por trás dos ataques, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, seria impedir o uso do território sírio como corredor para transferência de armas do Irã para grupos que apoia como o Hezbollah.

Mas em Gaza, o cenário é outro. O grupo terrorista celebrou a derrubada do ditador. No passado, Damasco foi um dos principais apoiadores do grupo terrorista, oferecendo abrigo a seus líderes e suporte logístico. Mas com o início da guerra civil síria, o Hamas se distanciou do regime de Assad devido à posição do grupo terrorista em favor dos manifestantes sírios, o que levou a um rompimento nas relações.

Por Estadão


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