Chegou a conta das apostas desajuizadas que Lula se permitiu fazer no início do mandato
Encalacrado como está, em meio a uma crise de confiança da qual não consegue sair, com inflação fora da meta, a economia entravada por taxas reais de juros absurdamente altas e câmbio pressionado, o governo alimentava a fantasia de que o Ano Novo lhe traria uma saída fácil: um Banco Central que, afinal, Lula da Silva e o PT pudessem chamar de seu.
A fantasia esvaiu-se na semana passada quando o Banco Central não só elevou a taxa básica de juros em um ponto porcentual, como sinalizou duas novas elevações de mesma magnitude no final de janeiro e em meados de março.
Prestes a iniciar a segunda metade do mandato, o presidente se vê às voltas com rápida exacerbação das contradições que advieram de apostas desajuizadas que se permitiu fazer no início desse seu terceiro governo.
Lula recusou-se a tirar as devidas conclusões do desfecho das eleições de 2022. Ao arrepio do recado claro das urnas, o presidente insistiu em apostas que se revelariam inteiramente equivocadas. Não estava disposto a montar um governo de coalizão de verdade. Nem a se mover para o centro. Na verdade, a política econômica que tinha em mente implicaria se mover no sentido oposto.
Assombrado pelo passado e entregue ao negacionismo, Lula viu seu novo mandato como uma oportunidade para insistir em políticas caras ao PT, certo de que isso redimiria o partido das pechas que lhe foram assacadas na esteira do desastre do terceiro governo petista.
Em contraste com o que anunciaram, em início de mandato, todos os presidentes dos últimos 25 anos, inclusive Dilma Rousseff, Lula deixou logo claro em 2023 que se permitiria atravessar todo seu terceiro mandato sem se preocupar com a geração de superávits primários compatíveis com a manutenção do endividamento público sob controle. Está colhendo o que plantou.
A geringonça do arcabouço fiscal, com suas regras desconexas e metas pífias de déficit primário quase zero, não passou de espalhafatosa dissimulação da farra fiscal que Lula tinha em mente.
O que fará o governo em março, quando o Banco Central tiver, afinal, elevado a Selic a 14,25% e todos os olhos estiverem voltados para a inconsequência da política fiscal? É difícil que se faça o que precisa ser feito. Ou mesmo que comece a fazer. O mais provável é que, já a 12 meses da campanha eleitoral de 2026, o governo se recuse a tirar o pé do acelerador fiscal. E insista em esticar ainda mais a corda da irresponsabilidade fiscal.
Para a economia, a travessia até as eleições não promete ser fácil.
Opinião por Rogério Werneck
Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio
Por Estadão