Ministério do Meio Ambiente diz apoiar projeto e senador afirma que não haverá entrada irrestrita de produtos perigosos; alíquotas baixas de papel e plástico têm feito o Brasil comprar materiais no exterior
O Senado aprovou nesta terça-feira, 17, um projeto de lei que restringe a importação de resíduos sólidos. O Brasil comprou ao menos 44 mil toneladas de lixo em 2024, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Esses materiais são usados pela indústria recicladora, como a de embalagens de papelão e vidro.
O motivo para comprar no exterior são preços mais atrativos – fica mais barato do que reciclar nossos próprios resíduos. O governo anterior havia zerado a alíquota de importação de papel e vidro, mas a cobrança foi retomada em 2023. Para o plástico, a tarifa estava em 11,2% – hoje todos pagam 18%.
Apesar disso, a importação ainda segue em patamares altos. A prática é alvo de críticas por especialistas e trabalhadores do setor, como catadores, por não estimular a cadeia nacional de reciclagem.
O PL aprovado no Congresso especifica os tipos de resíduos proibidos (papel, plástico, vidro e metal), mas chamou a atenção de especialistas a criação de exceções à regra, como resíduos perigosos, hoje proibidos pela legislação. O texto, que foi criticado em parecer do Ibama, agora segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O Ministério do Meio Ambiente diz apoiar o projeto, mas afirmou se preocupar com as exceções. Já o relator do PL no Senado, Weverton (PDT-MA), disse que a entrada de materiais no País não será irrestrita (leia mais abaixo).
Originalmente o projeto não tinha o trecho que permite a entrada de materiais perigosos no País, mas o texto recebeu emendas ao longo do tramitação.
A nova redação da Política Nacional de Resíduos Sólidos acrescenta duas exceções:
- Importação de resíduos utilizados na transformação de minerais estratégicos, incluindo-se os resíduos de metais e materiais metálicos para indústria de transformação e aparas de papel de fibra longa.
- Permite que o importador ou o fabricante de autopeças possa importar resíduos sólidos, exceto pneus, derivados de produtos nacionais previamente exportados, para fins exclusivos de logística reversa (reutilização na mesma cadeia de produção ou em outras) e reciclagem integral, ainda que classificados como resíduos perigosos.
Neste último caso, o texto prevê que a importação siga regulamento feito em conjunto pelo MDIC e pelo Ministério do Meio Ambiente.
Ibama aponta alto risco ambiental
Parecer do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) neste mês, ao qual o Estadão teve acesso, defende o projeto original, que restringia a entrada de resíduos no país, e refuta a brecha para importar lixo perigoso. Segundo o documento do Ibama, a nova regra poderia expor o país a alto risco ambiental.
O órgão cita “permissões e exceções significativas” e a “potencial entrada de materiais com alto risco ambiental, em oposição à situação atualmente vigente que autoriza a importação de resíduos com menor risco”.
O Ibama também afirma que a nova redação pode abrir portas para baterias usadas no País, o que representaria risco para o sistema de logística reversa.
A área técnica do instituto defende que o projeto altere o artigo 49 da Política Nacional de Resíduos Sólidos para incluir a especificação de veto à importação de papel, plástico, vidro e metal. Mas sem acrescentar exceções ou possibilidade de importação de lixo perigoso.
Apesar do parecer crítico do Ibama, o Ministério do Meio Ambiente, em nota, se manifestou favorável ao projeto de lei e disse apenas que se preocupa com exceções que gerem impactos negativos (leia mais abaixo).
A professora da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura da Unicamp Emilia Rutkowski destaca a inclusão da importação de aparas de papel entre as exceções do projeto como “muito preocupante”.
Segundo a especialista, importação cresceu na pandemia, quando as cooperativas de catadores foram proibidas de atuar, levando à falta de alguns materiais para a indústria de reciclagem, sobretudo de papel e papelão. Somado às alíquotas praticamente zeradas, esse cenário favoreceu a compra no exterior.
“Não dá pra dizer que a gente vai continuar importando pra sempre porque aconteceu a importação naquele período (pandêmico). Não faz o menor sentido”, afirma. A importação aumenta o volume de resíduos, agravando o problema no País sem tentar solucioná-lo na origem, melhorando a coleta seletiva e obrigando a separação dos materiais na fonte (nas casas ou empresas onde o resíduo é produzido), explica a professora.
Entre 2023, quando a cobrança foi retomada, e esta ano, o total de resíduos importados diminuiu de 61.658 para 44.146 toneladas.
No entanto, para Carlos Moraes, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro da Aliança Resíduo Zero Brasil, o aumento das alíquotas a partir de 2023 foi insuficiente para coibir a prática, não havendo meta clara do governo de zerar as importações. “Geramos papelão, plástico, papel, caco de vidro em grande quantidade, no país inteiro. Não entendo por que continuar permitindo a importação”, diz.
“(A importação) desvaloriza o trabalho dos catadores e toda uma política de economia circular inclusiva no País”, acrescenta o diretor-presidente da Associação Nacional dos Catadores (Ancat), Roberto Laureano.
Senador diz que importação não será irrestrita
O relator do projeto, o senador Weverton (PDT-MA), rebate as críticas à proposta. Ele argumenta que o texto não facilitará a entrada de produtos perigosos no País, já que o importador ou o fabricante de autopeças só poderão importar resíduos que sejam derivados de produtos nacionais que tenham sido exportados.
“A importação não será irrestrita e ilimitada, mas vinculada à quantidade de produtos nacionais perigosos exportados”, diz.
Segundo ele, essa trava facilitará o controle do volume de entrada de resíduo perigoso. O senador cita ainda a exigência de regulamentação pelos ministérios. De acordo com Weverton, dessa forma, o governo poderá controlar o que entra no país. O senador afirma que a aprovação do projeto mostrará a responsabilidade ambiental do Brasil com a comunidade internacional” e trará benefícios para a indústria.
“Além do acesso à matéria prima, estima-se a geração de empregos nos recicladores que têm hoje 30% de capacidade ociosa”, diz ele, citando ainda como benefícios uma suposta melhoria na balança comercial a partir da redução de importação de chumbo. “A medida foi tomada porque há setores da indústria nacional que dependem de insumos que já foram exportados e não se encontram em quantidade suficiente.”
Tema não foi prioridade de Ministério do Meio Ambiente
Segundo o Estadão apurou, o tema acabou não sendo tratado como prioridade dentro do Ministério do Meio Ambiente – diferentemente de outros projetos, em que há mobilização de membros do alto escalão.
Em nota à reportagem, a pasta se limitou a dizer que é favorável ao PL, acrescentando de forma genérica que “se preocupa com eventuais exceções à Política Nacional de Resíduos que possam causar impactos negativos ao meio ambiente ou à saúde pública”. Não respondeu, no entanto, se havia solicitado parecer do instituto.
Secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do MDIC, Rodrigo Rollemberg afirmou que o ministério intercedeu para incluir no texto a possibilidade de importação de sucata de metal. Segundo ele, dados da Associação Brasileira do Alumínio mostram que a indústria nacional garante a reciclagem de resíduos próprios e importados.
“Isso é muito importante para a indústria e para a descarbonização da indústria. Para se ter ideia, a sucata de alumínio reduz em 95% a pegada de carbono do alumínio primário e reduz também em 95% o uso de energia em relação ao alumínio primário”, diz.
Por outro lado, o secretário afirma ser “contra a permissão de importação de resíduos perigosos.”
Por Estadão