Maior fabricante de eletroeletrônicos da China inaugura a terceira fábrica no País, a primeira de geladeiras e lavadoras; novos investimentos estão no radar da companhia que tem o Brasil como peça-chave na expansão
Maior fabricante de eletroeletrônicos da China, com faturamento de US$ 52 bilhões (R$ 314 bilhões) em 2023, a Midea inaugura oficialmente nesta segunda-feira, 9, a terceira fábrica no País. Com investimentos de R$ 600 milhões para erguer uma planta em Pouso Alegre (MG), a fabricante chinesa estreia com produção local no segmento de eletrodomésticos da linha branca: geladeiras e lavadoras. Vai disputar um mercado com líderes consolidados, como a americana Whirlpool, dona da marca Brastemp, e a sueca Electrolux.
Neste ano, a linha branca foi o segmento de eletroeletrônicos que mais cresceu. De janeiro a agosto, as vendas da indústria para o varejo aumentaram 20% ante igual período de 2023, segundo a Eletros, associação que reúne os fabricantes.
A gigante chinesa começou a atuar no Brasil em 2007 com aparelhos de ar condicionado e depois com micro-ondas. Na linha branca, a intenção da companhia é escapar da sazonalidade da venda de aparelhos de ar condicionado e avançar no grande mercado brasileiro de eletrodomésticos, diz o CEO da Midea no Brasil, Felipe Costa.
As pretensões da companhia não param por aí. O executivo diz que outros investimentos estão sendo estudados no segmento de fogões e componentes para a indústria de aparelhos de ar condicionado. Segundo ele, o Brasil é peça-chave no plano de expansão internacional da Midea.
Em relação às oscilações da economia brasileira, como juros altos e inflação acelerada que podem atrapalhar o consumo, Costa diz que essa volatilidade não afasta os chineses. “O Brasil, possivelmente, na América Latina, ainda é um dos melhores países para investir, com todos os problemas que nós brasileiros criticamos. E a empresa que quer ser grande, tem de aprender a trabalhar com essa volatilidade.” A seguir, os principais trechos da entrevista.
Por que a Midea decidiu erguer a terceira fábrica no País?
É a primeira de eletrodomésticos de linha branca (geladeira, lavadora), eletrodomésticos de grande porte. Temos uma fábrica de Manaus (AM) que é dedicada a micro-ondas e ar-condicionado, que até então era a nossa maior fábrica. Temos uma fábrica em Canoas, no Rio Grande do Sul, que é onde a empresa começou no Brasil, dedicada à refrigeração comercial. E agora essa fábrica de Pouso Alegre (MG), que está dedicada hoje para refrigeradores e máquinas de lavar. Estamos trabalhando para entrar no segmento de eletrodomésticos há vários anos. Começamos em 2014, com micro-ondas, em Manaus. Iniciamos com eletrodomésticos importados entre 2016 e 2017. Agora, essa fábrica de Pouso Alegre é para botar o pé na liga A. Para poder participar realmente de um dos maiores mercados que é o de refrigeradores e lavadoras no Brasil, os mais relevantes.
Por que a decisão foi começar por refrigeradores e lavadoras?
Porque são, realmente, mercados com maior volume no Brasil, dentro da linha branca. O crescimento deste ano está sendo muito forte e até está nos surpreendendo. Quando começamos a planejar a fábrica anos atrás, não imaginávamos que a linha branca crescesse tanto como neste ano. A linha branca tem uma base instalada muito grande, mas está tendo uma renovação dos eletrodomésticos. As pessoas estão buscando aparelhos mais eficientes e com inovação. E é isso que a gente está tentando embarcar nos nossos produtos. Fizemos investimento na fábrica e os produtos foram pensados para o mercado brasileiro. A nossa engenharia do Brasil trabalha em paralelo com o pessoal que está desenvolvendo o produto na China. Nos últimos cinco anos, testamos o mercado com importações para aprender a necessidade dos brasileiros.
Qual o diferencial dos produtos?
Os refrigeradores têm maior espaço interno. O brasileiro gosta de ter espaço no freezer. A máquina de lavar roupa é uma máquina que tem uma pegada de tecnologia. O fechamento da tampa superior ocorre em ritmo mais lento. Todos os nossos produtos têm eficiência energética mais alta possível.
E os preços?
Temos um posicionamento de preço muito acessível ao consumidor. Estamos focados muito no público jovem, de 18 a 40 anos de idade, que está mobiliando a primeira residência. Ou aquele que já casou e está querendo modernizar a casa. A gente pensa muito mais em valor agregado do que em preço. Obviamente que precisamos ser competitivos para chegar no mercado. Sempre digo: quem compra um produto nosso se surpreende com o que o produto entrega. Estamos trabalhando fortemente para desenvolver a marca. Ainda não temos o reconhecimento de marca das companhias líderes de mercado.
Diante do desempenho surpreende do mercado de linha branca neste ano, essa fábrica começa a funcionar com capacidade defasada?
Não. Começamos três anos atrás com refrigeradores importados. Já estamos chegando a 8% de market share (participação de mercado), segundo dados da GFK, o que é bastante expressivo. A nova fábrica tem capacidade instalada para produzir 700 mil unidades de refrigeradores por ano e 600 mil de máquinas de lavar. Temos um terreno que nos permite expansão à medida que a gente for ganhando o share de mercado, porque queremos nos aproximar dos competidores, temos a opção de expandir a fábrica. Em refrigeradores, vamos levar dois anos para ocupar 100% da capacidade e em lavadoras, um ano. Nós começamos a faturar os produtos no final de agosto e estamos entregando para o varejo. A cada mês, temos crescido a produção e a fábrica deve entrar em velocidade de cruzeiro no primeiro trimestre de 2025.
Quantos empregos foram gerados?
Hoje estamos com 700 empregos nessa fábrica. Devemos chegar ao final do ano que vem com 1.200 empregados.
Quanto foi investido?
R$ 600 milhões nessa primeira fase.
Há mais investimentos previstos?
Obviamente são questões estratégicas, mas a gente está olhando. A Midea tem um plano de expansão internacional e o Brasil é parte chave desse plano. Essa fábrica é um primeiro passo, outros (investimentos) estão sendo estudados em outras linhas de produtos e, como eu falei, a expansão dessa fábrica também.
Mas a expansão de outras linhas de produtos seria em Pouso Alegre (MG) ou em outras plantas?
Queremos ter o máximo possível de sinergia nesse campo de Pouso Alegre, mas não descartamos outros lugares também.
Em quais linhas seriam os investimentos?
Estamos olhando a parte de fogões e também algumas questões de componentes para a indústria de refrigeração e ar condicionado. Porque a Midea também tem uma divisão de componentes bastante grande na China.
Qual é a meta de Midea com a fábrica de Pouso Alegre?
Nosso primeiro objetivo é em até três anos chegar próximo dos líderes. E num horizonte de cinco anos, estar brigando pela liderança do mercado.
O sr. falou que o Brasil tem um papel estratégico nos investimentos da Midea. A empresa pensa em fazer do Brasil uma base para exportação para outros países da América Latina?
Esse é o segundo passo. A nossa prioridade é o mercado brasileiro. Mas o segundo passo é usar essa base instalada também para outros países aqui da América do Sul.
Por que a empresa escolheu ter uma fábrica em Pouso Alegre (MG)?
Porque Pouso Alegre é uma cidade que tem já uma cultura industrial e mão de obra qualificada. Logisticamente, Pouso Alegre está muito bem localizada. E a política do governo de Minas de atração de investimentos é muito bem gerenciada. Acho que esses três fatores nos fizeram escolher Pouso Alegre.
O governo de Minas Gerais deu isenção fiscal para a Midea se instalar em Pouso Alegre?
Hoje todos os Estados têm pacotes de atração e eles são muito parecidos. Até porque a guerra fiscal é muito bem regulamentada. Não é tão forte como era no passado. Então, realmente, a atração de Pouso Alegre é pela logística, que está muito bem localizada, e pela mão de obra.
Quanto que a Midea investiu no Brasil desde que chegou ao País?
Esse número é um número que normalmente não divulgamos. A Midea entrou no Brasil em 2007 com ar condicionado e fez joint venture com a Carrier em 2011. São quase 18 anos. Em 2014, trouxemos o micro-ondas para a fábrica de Manaus (AM). Entre 2015 e 2020, começamos a trabalhar fortemente os eletrodomésticos importados. Agora culminou com a fábrica de Pouso Alegre. Se você olhar o investimento ao longo de todos esses anos, foi um investimento bastante grande, pensando no Brasil como um país estratégico. Hoje tem cinco países no mundo que a Midea está investindo forte. E o Brasil é um deles, fora a China. O primeiro é os Estados Unidos e o segundo, o Brasil.
E qual é o motivo para investir no Brasil?
É o tamanho do mercado. O Brasil é hoje o maior mercado de eletrodomésticos, incluindo ar-condicionado. Então, qualquer empresa que queira ser global, e a Midea tem essa ambição, tem de estar em vários países do mundo inteiro. Tem de se internacionalizar não só como produção, mas com marca. As empresas globais, no nosso segmento, têm de participar do mercado brasileiro.
Mesmo com toda a oscilação que existe na economia brasileira, taxa de juros e inflação elevadas?
Estou com 56 anos de idade e nunca vi o Brasil não ser assim. Lembro quando eu era menino, dizia-se que o Brasil seria o seu país do futuro. Quarenta anos depois, eu já não sou mais menino, e o Brasil é muito parecido. A volatilidade é marca do Brasil e marca da América Latina. E os nossos vizinhos não sei se são melhores, não. O Brasil, possivelmente, na América Latina, ainda é um dos melhores países para investir, com todos os problemas que nós brasileiros criticamos. A empresa que quer ser grande, tem de aprender a trabalhar com essa volatilidade. Eu acho que esse é um dos nossos diferenciais.
Mas isso é fácil para um chinês entender?
Eu acho que não é fácil para ninguém. Mas eu diria que o chinês tem uma característica que é ser muito maleável. Ele consegue entender mais a volatilidade da América Latina até do que outros asiáticos. E até do que, talvez, outros investidores estrangeiros. O chinês não se deixa intimidar por essa volatilidade. Ele é muito pragmático dentro do tamanho dos mercados, da capacidade de fazer negócio.
Quanto a Midea fatura no Brasil?
Neste ano, estamos chegando a R$ 6 bilhões. No ano passado, faturamos R$ 4 bilhões.
O que puxou esse crescimento de 50%?
Ar-condicionado e o crescimento da linha branca, eu diria meio a meio. Aliás, o ar-condicionado é um produto sazonal. Sempre tivemos a ideia de estrategicamente balancear a empresa. Tornar a empresa menos suscetível à sazonalidade.
A meta é que a linha branca represente quanto do faturamento da companhia no Brasil?
Naturalmente, o mercado de linha branca em valor é bem maior do que o mercado de ar-condicionado. Na hora que nós tivermos um share relevante em linha branca, ela vai predominar. No ano passado, a linha branca representou 30%. Este ano, em torno de um terço. Em três anos, será cerca de 55%. Ou seja, em três anos a linha branca vai predominar.
Por Estadão