Novos dados apontam mudanças nos núcleos familiares brasileiros, com menos filhos, mais mulheres comandando o lar, e mais pessoas morando sozinhas
A estrutura demográfica do Brasil no século 21 será completamente diferente daquela prevalecente nos primeiros 500 anos da história do País. Durante quase cinco séculos, o Brasil sofreu com a triste realidade de altas taxas de mortalidade.
Mas, progressivamente, vencemos as elevadas e inaceitáveis taxas de mortalidade infantil, reduzimos a mortalidade materna e ampliamos a expectativa de vida ao nascer. Sem dúvida, a população brasileira vive mais e melhor no século 21, embora ainda tenha muito espaço para melhorar.
Brasil passa por fase de transição demográfica, com famílias menores, mais idosos e mais mulheres chefiando o lar. Foto: Taba Benedicto/Estadão
A queda da mortalidade e a maior sobrevivência dos filhos possibilitou a redução das taxas de fecundidade, que estavam acima de 6 filhos por mulher, e agora estão abaixo de dois filhos por mulher.
A transição da fecundidade foi fundamental para libertar o sexo feminino de boa parte das massacrantes tarefas domésticas e acelerou transformações na antiga estrutura familiar brasileira, que foi caracterizada por Capistrano de Abreu como: “Pai taciturno, mulher submissa e filhos aterrorizados”.
A mais perceptível mudança na estrutura familiar diz respeito à quantidade de pessoas no espaço doméstico, que sempre ficou acima de 5 pessoas por domicílio, mas caiu para pouco menos de 4 pessoas no ano 2000. Agora está em 2,8 pessoas por moradia.
Outra grande mudança é o crescimento dos domicílios unipessoais que representavam menos de 10% no ano 2000 e agora estão perto de 20%. Este é o tipo de arranjo domiciliar que terá maior crescimento no século 21, em decorrência não só do maior número de jovens morando sozinhos, mas principalmente por conta do envelhecimento populacional e dos diferenciais de longevidade entre homens e mulheres.
Quanto mais se sobe a estrutura da pirâmide etária, maior é o número de mulheres solteiras, separadas e viúvas vivendo sozinhas.
Por definição, mulheres vivendo sozinhas são “chefes de família”. E isto ajuda a explicar por que, pela primeira vez, há mais mulheres na posição de comando das moradias brasileiras do que como esposa do responsável.
Há um lado positivo no crescimento da chefia feminina dos domicílios, que é o empoderamento das mulheres em função da maior escolaridade feminina e da maior inserção no mercado de trabalho.
Mas há um lado negativo e sombrio, que é a falta de compromisso masculino com as famílias e os deveres da reprodução. Muitos homens simplesmente abandonam o lar, o que provoca o crescimento dos arranjos monoparentais femininos. Mulheres sozinhas com filhos pequenos são chefes, mas também são a base do fenômeno da feminilização da pobreza.
De modo geral, se pode afirmar que o modelo hegemônico de família nuclear no Brasil era formado por um homem provedor e uma mulher submissa, que se uniam em um matrimônio por toda a vida e tinham compromisso com o sexo com finalidade generativa. Esse modelo de família trazia embutida forte desigualdade de gênero e dificultava a mobilidade social ascendente das novas gerações.
Contudo, essa “família padrão” deixou de ser o arranjo majoritário e hoje o Brasil tem uma multiplicidade de arranjos domiciliares, inclusive com famílias poliafetivas, e arranjos domiciliares com casais do mesmo sexo. Formas diversificadas de família têm afinidades eletivas com um sistema de produção e consumo mais multifacetado.
A transição demográfica (redução das taxas de mortalidade e natalidade) implicou na transição da estrutura etária e, ambas as transições, abriram espaço para a transição nos padrões de família no Brasil, com o predomínio de uma estrutura familiar mais plural, complexa e diversa.
A dinâmica populacional brasileira tem se adaptado aos desafios do século 21, mas a sociedade ainda não conseguiu superar a pobreza e as desigualdades sociais.
O Brasil continua um país de renda média e terá de avançar nos indicadores de desenvolvimento humano simultaneamente ao processo de envelhecimento da estrutura etária. A sociedade precisa enfrentar os desafios e capitalizar as oportunidades da contemporalidade para construir um país mais justo, próspero e feliz.
Por Estadão