Com mais de 50 anos de carreira, ele morreu nesta quinta-feira, 24. Grande referência do cinema nacional, Carvalho produziu dezenas de documentários e foi professor universitário
Vladimir Carvalho, cineasta e documentarista com mais de 50 anos de carreira, morreu nesta quinta-feira, 24, aos 89 anos. Por decorrência de um infarto, ele estava internado com problemas renais há três semanas e recebia hemodiálise em um hospital de Brasília, onde morava.
Referência do cinema nacional, Carvalho produziu dezenas de documentários que enfocavam, sobretudo, temas políticos e da história do País. Suas produções fazem parte do chamado Cinema Novo, com destaque para obras como O País de São Saruê (1971), O Evangelho Segundo Teotônio (1984) e Conterrâneos velhos de guerra (1991).
Ele também foi professor da Universidade de Brasília (UnB) por mais de 20 anos. O governador Ibaneis Rocha (MDB) anunciou luto oficial de três dias no Distrito Federal. “Referência do cinema brasileiro, o professor Vladimir Carvalho dedicou sua arte para denunciar injustiças e dar voz aos desassistidos numa época de censura e de perseguição política. Contribuiu para mudar a linguagem cinematográfica brasileira, formou uma geração de aguerridos cineastas, levou e enobreceu o nome de Brasília no cenário cultural internacional”, escreveu o governador em suas redes sociais.
Em sua filmografia, estão títulos que registram a memória do DF, como Brasília segundo Feldman (1979), sobre o massacre dos trabalhadores da Pacheco Fernandes; Barra 68 (2000), que tematiza a invasão militar à UnB; e Rock Brasília (2011), sobre a geração rockeira da capital, nos anos 1980.
Vladimir era irmão do também cineasta e fotógrafo Walter Carvalho, de 76 anos. Walter começou no cinema ajudando o irmão, e acabou seguindo seus passos.
Nascido em Itabaiana, na Paraíba, Carvalho começou a cursar filosofia na capital João Pessoa, mas optou pela transferência para a Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, onde terminou os estudos. Caetano Veloso e Carlos Nelson Coutinho estavam entre seus colegas de curso.
Engajado politicamente, Vladimir foi atraído para a capital baiana para participar do Centro Popular de Cultura, vinculado à União Nacional dos Estudantes (UNE), do qual foi militante. Na cidade, ele convivia com artistas e aspirantes a intelectuais.
Também na Bahia, Carvalho conheceu o cineasta Glauber Rocha, e acabou integrando sua produção documental ao movimento chamado Cinema Novo, conhecido pela crítica à desigualdade social do Brasil dos anos 1960 e 1970. O curta-metragem Os Romeiros da Guia, de 1962, foi seu primeiro filme, feito com João Ramiro.
Vladimir foi convidado para ser assistente de Eduardo Coutinho em Cabra Marcado para Morrer (1984), um dos principais documentários do cinema nacional. As filmagens foram interrompidas em 1964, ano em que a ditadura militar foi instaurada no País. Carvalho foi o responsável por ajudar na fuga de Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, o “cabra” ao centro da narrativa, líder da liga camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado por ordem de latifundiários.
Cena de ‘Cabra Marcado para Morrer’, obra referencial do período militar. As filmagens foram interrompidas pelo golpe militar e retomadas às vésperas da redemocratização, já buscando o paradeiro dos personagens originais. Foto: Eduardo Coutinho Produções Cinematográficas
Os cineastas acabaram na clandestinidade para se protegerem da prisão política. De início, Carvalho se escondeu em Campina Grande, e depois foi para o Rio de Janeiro. Nesse período, foi assistente de Arnaldo Jabor no documentário A Opinião Pública (1967). Trabalhou também como repórter, no Diário de Notícias, cobrindo passeatas contra a ditadura militar na cidade.
No final da década de 1970, mudou-se para Brasília para trabalhar em um projeto relacionado a documentários na UnB, que duraria dois meses. Acabou ficando, e tornou-se professor da universidade, dedicando ao ensino e pesquisa de cinema por 20 anos. Em 2012, recebeu o título de Professor Emérito da UnB.
Em 1994, Carvalho fundou a Associação Brasileira de Documentaristas. Também criou a Fundação Cinememória, que abriga o seu acervo, além de peças doadas por outros cineastas e pesquisadores. No total, são 23 documentários, além de mais de 5 mil livros, cartazes de filmes, jornais, revistas, fotos, equipamentos como câmeras e máquinas, incluindo a moviola utilizada por Glauber Rocha para editar o filme Terra em Transe. Nos últimos anos, o cineasta havia transformado sua casa em um museu, exibindo tais peças.
Por Estadão