Há muito tempo o Tribunal de Contas da União extrapola sua função constitucional de órgão auxiliar do Poder Legislativo. A polêmica sobre a devolução de presentes recebidos por presidentes da República expôs o presidente do TCU, Bruno Dantas. Ele faz articulações na área política com apoio de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
Dois fatos simultâneos ampliaram a discussão.
O Partido Novo pediu a extinção da SecexConsenso, secretaria criada por Dantas, em 2022. A secretaria faz acordos com órgãos públicos, controle não previsto pela Constituição.
Dantas diz que o objetivo é “induzir a administração pública a profissionalizar a negociação dos acordos público-privados”.
Mendes foi criticado por submeter a questão do marco temporal e conflitos fundiários em terras indígenas à conciliação e composição de interesses no STF.
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) quer garantir no STF que nenhum magistrado seja submetido à fiscalização do TCU sobre verbas não pertencentes à União. Alega que se trata de uma competência do CNJ.
Ao suspender um acórdão do TCU, o ministro Luís Roberto Barroso considerou plausível a alegação [dos juízes federais] de que “o ato impugnado exorbitou da competência constitucional do Tribunal de Contas”.
Os magistrados citam decisão em que o decano do STF sustenta que a tarefa de proteger o erário federal “não pode elevar o TCU a uma espécie de juízo universal”, para resolver questões afetas aos TCEs, “ou, o que é pior, ao Judiciário”.
“O Tribunal de Contas da União passou da conta. Muito. Pela Constituição, é órgão auxiliar do Poder Legislativo. E só.” É o que diz o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, ex-ministro da Justiça no governo José Sarney.
“O TCU abusa, arvorando-se legislador ou tribunal com poder jurisdicional. Age como se fosse um Poder superior aos demais”, diz o advogado Airton Florentino de Barros, ex-promotor de Justiça.
Segundo Barros, “enquanto não houver transparência nas contas de todos os órgãos públicos, haverá margem de abuso do TCU”.
A Folha revelou, em 2011, que o Congresso não fiscaliza o TCU. O STF já determinou a suspensão de pagamento de reajuste de 367% em gratificação que o Senado e o TCU haviam concedido a si mesmos.
Neste ano, enquanto eram questionados os gastos de recursos públicos nos eventos de Gilmar, Dantas viajou a Portugal com seis ministros do TCU.
O presidente da Academia Paulista de Direito, Alfredo Attié, acha errado que juízes queiram se subtrair ao controle do Legislativo. “Vejo nessa tentativa do ministro Gilmar e das entidades de classe de magistrados, um problema constitucional”.
“O controle externo é para toda a Administração. A fiscalização é sempre do Legislativo. Tribunais de Contas não são órgãos judiciais”, diz.
Gilmar e Dantas usaram as redes sociais para pressionar o governo Jair Bolsonaro a pagar auxílio para trabalhadores informais durante a pandemia.
Dantas opina como se fosse representante de um Poder. Atribui-se essa superexposição ao desejo de ser ministro do STF. Ele é casado com Camila Funaro Camargo, CEO do Esfera Brasil, grupo que promove eventos com empresários e autoridades.
Dantas compôs o CNJ e o CNMP. Foi indicado para o TCU pelo senador Renan Calheiros.
Quando foi eleito presidente do TCU, promoveu jantar em sua casa com Lula, Gilmar, Gleise Hoffmann e Randolfe Rodrigues. Antes da posse, Lula e ministros do STF confraternizaram em sala reservada no TCU.
Lançou no Senado o livro “Consensualismo na Administração Pública e Regulação”, com prefácio de Gilmar.
Eles entendem que a administração pública precisa agilizar as decisões, e que o consensualismo é uma opção para resolver impasses.
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