Como é comandar a pasta de meio ambiente em um Estado predominantemente agrícola e exportador de minerais?
Temos dois desafios na secretaria, um que eu chamo da porta para dentro, que é fazer a gestão administrativa e estruturação das políticas públicas a partir da burocracia do estado. Isso significa colocar as políticas públicas para funcionar de forma eficiente. É um desafio enorme, porque quando chegamos, não havia nada estruturado; todos os procedimentos, processos e políticas públicas basicamente saíram do zero em toda estruturação. Isso significa ter um sistema, informatização, transparência, ter uma qualificação das políticas públicas, entendendo os resultados que elas têm que alcançar e buscando alcançar essas metas. É um processo bastante complexo na estruturação da máquina pública. Tem os desafios relativos a recursos, tanto financeiros quanto de pessoas, as dificuldades da máquina pública na contratação, concurso público, baixa quantidade de pessoas. Como é que se entrega o meio ambiente com as políticas públicas estruturadas com toda essa complexidade e desafios que uma gestão pública no Brasil implica? Por outro lado, há a política pública de porta para fora, que é a quem alcançamos. Nós tivemos ao longo desses cinco anos e meio, um processo que se inicia em 2019, e foi bastante difícil nos relacionar com setores econômicos até que eles entendessem que estávamos estruturando uma política pública e tudo foi feito com muito diálogo. Houve momentos em que o diálogo teve que se esgarçar para que pudéssemos ajustar a relação, entre o que é o papel do estado na efetivação da política de meio ambiente e o papel dos setores econômicos, que não estavam acostumados com esse tipo de gestão pública e de eficiência. Nós já ultrapassamos isso e, neste momento, posso dizer que a relação entre a secretaria e seus usuários, aqueles que de alguma forma afetam o meio ambiente de forma direta, é muito pacificada. Não temos essa dinâmica nacional, do nós contra eles, do meio ambiente contra o desenvolvimento. Conseguimos chegar a um lugar em que todas as partes entendem o seguinte: temos uma legislação e temos que cumprir essa legislação e a máquina pública entrega um cumprimento eficiente dessa legislação. Quando eu cheguei, eles dizem que mesmo que se quisesse cumprir, não teria como, porque o estado não estava estruturado, o que era verdade. À medida que fomos estruturando da porta para dentro, isso foi facilitando o diálogo com os setores usuários de recursos naturais. Hoje é uma dinâmica muito mais fácil, tudo é muito dialogado e construído em conjunto. Quando se fala em avaliar uma política pública, um impacto ambiental de um frigorífico, por exemplo, não é métier da Secretaria de Meio Ambiente conhecer a atividade econômica. Fomos para dentro das atividades conhecer, verificar como elas funcionam, como podíamos fazer os ajustes necessários para que eles pudessem cumprir a legislação, estar dentro dos preceitos básicos do cumprimento e, ao mesmo tempo, pudéssemos alcançar isso sem ser de cima para baixo. Hoje temos essa configuração muito bem azeitada em Goiás e acho que o maior aprendizado desse processo todo, sobretudo com as atividades do agronegócio, que são o fator mais importante da economia goiana, foi que o meio ambiente em Goiás atuava única e exclusivamente na fiscalização, era uma política pública punitiva, que bem ou mal exercia a violência do estado – quando falo violência do estado é a partir de uma dinâmica jurídica, porque o estado tem o monopólio do poder e da força e exercia essa força sem exercer as outras políticas públicas ao mesmo tempo. Ficávamos como algozes contra quem estava violentando o meio ambiente, isso formou uma cultura no estado, tanto dentro da secretaria como fora, provocando um efeito adverso. Todos aqueles que de alguma forma entendiam que a atuação do estado era só punitiva se escondiam do licenciamento e da fiscalização. A secretaria só chegava para punir e à medida que eles podiam, se escondiam ou escondiam aquelas coisas ilícitas. Fizemos uma reversão desse processo, entendendo que na centralidade da discussão da política ambiental estão seres humanos; é preciso compreender a realidade cultural, estrutural e até antropológica do processo de desenvolvimento do estado, para que se alcance, antes de mais nada, os corações e as mentes dessas pessoas. Atuar só friamente com uma política que não traga essas pessoas para a base de negociação, que não traga essas pessoas para um outro patamar, que não seja só o da punição, é um equívoco que estamos corrigindo em Goiás. À medida que entregamos política pública, que somos eficientes em dar licença, em nos aproximar dos setores econômicos, somos, ao mesmo tempo, intransigentes com quem pratica o ilícito, mas essas coisas não podem andar separadas, têm que andar em conjunto. Quem quer cumprir a leitem um benefício e é até mais bem atendido, de forma mais ágil, inclusive, do que aquele que ainda insiste no descumprimento ou na negação de executar ou de cumprir as políticas de meio ambiente. A sua pergunta é bastante complexa, porque envolve um conjunto bem grande de coisas que temos feito e com resultados muito positivos.
Quais são as atividades que registram o maior número de irregularidades? A pasta tem um número suficiente de servidores e equipamentos para fazer a fiscalização?
Nós fizemos uma mudança muito importante nesse processo, trazendo automação, tecnologia e pessoal. Primeiro veio toda a estruturação, as imagens de satélite chegam para nós e fazemos a fiscalização remota; fomos um dos primeiros estados a implantar essa ação.
Não vamos mais ao campo em todos os desmatamentos, até porque não é necessário e segundo porque a fiscalização remota é muito mais eficiente que a de campo. No campo, o fiscal chega por terra e tem que fazer o perímetro todo do desmatamento, às vezes são áreas muito grandes, ou ele chega por uma entrada e, na verdade, o desmatamento está acontecendo atrás e ele não está vendo. Por cima, não tem muito como a pessoa fugir. E como em Goiás os imóveis são todos conhecidos, sabe-se quem são os proprietários, não temos dificuldade de achar quem são as pessoas que estão ainda praticando ilícito, e isso facilita muito. É muito diferente da Amazônia, que não tem regularização fundiária, não se sabe quem é dono daquela área, a fiscalização acaba tendo que ser presencial, porque não se sabe quem está fazendo o desmatamento. Por meio da fiscalização remota, aumentamos em 1.800% a nossa fiscalização, porque não é preciso mais deslocar para todo o ponto de desmatamento. Isso gerou um efeito muito positivo no controle e no combate ao desmatamento ilegal. Isso é uma realidade nacional, não só em Goiás, a abertura de áreas para as atividades de agricultura e pecuária; em geral, a pecuária. Mas temos que entender a dinâmica disso. No Brasil, o direito à propriedade é um direito fundamental, está no artigo 5º da Constituição, e cada pessoa que tem sua propriedade, está previsto no Código Florestal, tem o direito, aliás, não só o direito, mas a obrigação de fazer a exploração econômica desses imóveis rurais. A partir daí, tem que atender aos requisitos de meio ambiente, solicitar uma autorização e muitos deixam de fazer isso por alguns motivos. Primeiro, porque antigamente a secretaria não funcionava e demorava 7, 8 anos para sair uma licença de desmatamento. Ninguém esperava, ia lá e fazia. Nos dias atuais, todos autuados que recebemos falam que a secretaria não solta licença; eles ainda têm essa visão. A segunda questão é: é caro para pedir o licenciamento, porque tem que contratar uma empresa de consultoria, tem que submeter o processo, às vezes o processo não está bem qualificado, ele é notificado, indeferido; tem fases para cumprir para obter a licença. Em torno de 1,5%, no máximo 2% dos imóveis rurais ainda cometem esses ilícitos, é uma taxa muito pequena, mas ela existe e estamos fazendo um combate bastante intransigente.
A Semad contestou os dados do Mapbiomas sobre a taxa de desmatamento em 2023. A secretaria registrou uma redução de 13% e um desmatamento de 26,7 mil hectares. O que representa esse dado para o projeto de preservação do bioma Cerrado?
Temos que entender isso na dimensão do território do estado, porque quando comparado com os milhões de hectares que o estado tem, é uma taxa muito pequena. Porém ainda existe o desmatamento ilegal e há uma frente bastante consolidada para que se coíba essas ações, não só com fiscalização, mas estamos avançando num programa de pagamento por serviços ambientais, porque nosso entendimento é de que enquanto o Cerrado em pé não tiver valor econômico, ele está competindo com uma atividade económica que tem valor e deixa dinheiro no bolso daquele proprietário rural. Precisamos valorizar o Cerrado em pé e não adianta achar que vai combater o desmatamento no Brasil com fiscalização, porque a fiscalização, ainda estejamos diuturnamente com equipe, com força-tarefa para combater o desmatamento, a fiscalização, quando não acha sujeito, vai em campo, apreende, nada disso vai resolver enquanto o cerrado, que não tem valor económico, não tiver essa valorização. Estamos avançando na educação ambiental, avançamos nos licenciamentos, entendendo que é à medida que ele submete o pedido, conseguimos avaliar o impacto daquilo, minimizar, resolver as questões relativas à fauna silvestre, ao deslocamento dessa fauna. Isso tudo vai diminuindo o impacto, porém, entendemos com clareza, que a valorização do Cerrado em pé é a única alternativa viável para que de fato se elimine o desmatamento ilegal do bioma.
A Semad terminou de cadastrar as barragens para poder monitorá-las. Mesmo que não haja o rompimento, por si só, elas representam um risco ao meio ambiente? Qual o impacto das barragens, especialmente de mineração, ao meio ambiente?
Nós temos 56 mil barragens cadastradas no sistema e a grande maioria delas são barragens de água, são aqueles barramentos feitos em cursos d’água para o abastecimento animal ou para irrigação. Muitas fazendas do estado tem e isso pode, sim, provocar dano ambiental, uma vez que essa barragem se rompa. O volume de água é liberado muito rapidamente o que tiver ali para baixo, se for casas, se for uma ponte, uma estrada, aquela água, com a força que ela vem quando o rompimento acontece, leva tudo. É competência do estado controlar barragens de água. Já as barragens de mineração são competência da Agência Nacional de Mineração. Temos algumas barragens de mineração aqui, não são muitas, acredito que 8 ou 9, porém são barragens muito grandes. A Semad licencia a atividade de mineração, faz o acompanhamento e monitoramento sobre a segurança da barragem no âmbito do licenciamento, sobrepondo de alguma forma a ação da Agência Nacional de Mineração, controlando para saber se essa atividade de fato está sendo feita de forma adequada. A maioria das mineradoras já estão descomissionando essas barragens, ou seja, elas estão desativando essas barragens, porque isso virou o grande problema da mineração, não só no Brasil, mas mundial. Há um movimento nesse sentido, mas ainda temos algumas e estas são constantemente monitoradas. A Semad pede os relatórios de segurança de barragens, eles têm que trazer para nós, avaliamos e acompanhamos seguidamente para ver se os empreendedores estão adotando os cuidados. Onde está o problema da barragem? Exatamente na estrutura física; se essa estrutura física se rompe, é que o dano ambiental pode acontecer. Não existe um dano ambiental a priori, enquanto a barragem está estruturada e cuidada. Se tem algum material contaminante, ela só pode ser estabelecida com com as mantas de impermeabilização para que aquele material não se infiltre, mas tudo já é controlado desde o início. Há um cuidado, sim, que deve ser feito. Há algumas situações perto de cidades, perto de populações grandes, mas o controle está sendo feito da melhor forma possível.
Com relação aos lixões, a Semad vem trabalhando com os municípios para que eles consigam fazer a transição de lixão para aterro. Por que os municípios têm dificuldade para fazer essa transição e eles vão conseguir no prazo estabelecido, que é até agosto?
Vamos entender o contexto dos resíduos sólidos em Goiás. Até 2023, a competência para resolver a questão dos aterros e lixões era exclusiva dos municípios, mas nós entendemos que isso não ia acontecer, porque precisamos entender o resíduo sólido em uma cadeia de produção, desde a produção domiciliar, a coleta, a varredura da cidade, tem o material de construção, o resíduo da saúde, o resíduo comercial de grandes atividades comerciais; no meio, tem a separação do resíduo para a reciclagem e, lá no fim, é o aterro. Cuidar da política de saneamento relativo a resíduos sólidos vai desde a produção dele no domicílio ou na atividade comercial e industrial até o fim. Nesse processo, o custo é muito alto, envolve não só toda a parte de coleta e separação; a educação ambiental das pessoas para que elas não misturem o lixo; a formulação da política para os grandes geradores fazerem uma destinação adequada; implantar as cadeias produtivas dos catadores e dos recicladores dos resíduos; e depois o aterro sanitário em si. Um aterro pequeno, de R$ 2 a R$ 3 milhões, vai custar quase R$ 1 milhão por mês para fazer a manutenção. Os pequenos municípios não têm estrutura, nem administrativa para processar toda essa cadeia, muito menos recursos financeiros para operar essa atividade. Então, fica muito mais fácil coletar e jogar o lixo em algum terreno, que é o que acontece nos pequenos municípios. Nos grandes, o custo é muito maior, mas os grandes têm mais recursos, ainda assim com muita dificuldade de operar de forma adequada, inclusive porque a gestão pública é muito complexa. Se quebra um equipamento, o prefeito tem que fazer uma licitação para contratar ou recuperar o equipamento, e enquanto está acontecendo, o resíduo começa a ser descartado de forma irregular. E nesse meio tempo, aquilo que era aterro vira lixão, porque isso acontece de forma muito rápida. Decidimos, junto com o governador Ronaldo Caiado, que o estado apoiaria os municípios; mais do que apoiar, entramos junto com eles nas microrregiões para operar uma solução para os lixões de Goiás. O estado entrou como um ator ativo, competente do ponto de vista legal, porque não tínhamos competência para agir. Dividimos em fase de transição e fase definitiva; na fase de transição, se o município tem um aterro licenciado e controlado a uma distância de até 100 km, não posso mais continuar destinando para o lixão e tem que levar para esse aterro. Mas para levar para o aterro precisa fazer uma licitação, contratar uma instituição para levar o lixo para lá. Se não tem (aterro perto), o prefeito vem aqui na secretaria, traz essa informação e nós o autorizamos a continuar a operar por dois anos, numa condição mais controlada do que está acontecendo agora. Isso é um processo e temos que entender que não se desmobiliza tudo do dia para a noite, porque são muitos recursos para investir. A ideia, agora que contatamos o BNDES para fazer a modelagem econômica do melhor modelo de regionalização para resíduos sólidos em Goiás, que viabilize o encerramento definitivo desses lixões. Temos um ano e meio, no máximo dois anos, para estar com esse assunto definitivamente consolidado. Os prefeitos vão conseguir até agosto? A gente faz reunião, conversa, pede, instrui, senta, pega na mão, mas esperamos que os primeiros tenham entendido, por inclusive isso implica em responsabilidade pessoal para eles.