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mudanças progressivas ou puro retrocesso? – Opinião – CartaCapital

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O Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade é formado por professores e professoras da educação básica, superior, técnica e tecnológica, por pesquisadores e pesquisadoras e por representações da categoria docente na rede de Educação Básica Técnica e Tecnológica (EBTT). Desde 2023, o grupo se dedica a produzir notas técnicas, estudos, análises, artigos e propostas com vistas a contribuir com o debate acerca dos rumos do Novo Ensino Médio no Brasil, com o objetivo de estabelecer uma política pautada pelas Ciências da Educação e pelo princípio constitucional do direito à educação.

Nos atemos nesta nota às proposições que constam do Parecer apresentado pela senadora Dorinha Seabra ao PL n. 5.230/2023  a partir do texto aprovado pela Câmara dos Deputados.

As alterações mais relevantes contidas no texto Substitutivo apresentado pela senadora, em nome da Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal, são:

  • a composição dos currículos do ensino médio com carga horária de 2.400 horas de Formação Geral Básica (FGB) com diminuição para um mínimo de 2.200 horas no caso do itinerário da formação técnica e profissional até o ano de 2028;
  • a partir de 2029, fica assegurada de forma equitativa um mínimo de 2.400 horas e, para o itinerário da formação técnica e profissional o aumento da carga horária total do ensino médio nos seguintes termos: “o ensino médio com oferta de formação técnica e profissional, prevista no inciso V do caput do art. 36, terá carga horária total mínima de: I – 3.200 horas, quando ofertado curso técnico de carga horária de 800 horas; II – 3.400 horas, quando ofertado curso técnico de carga horária de 1.000 horas; III – 3.600 horas, quando ofertado curso técnico de carga horária de 1.200 horas”;
  • a definição de proporcionalidade de oferta na carga horária entre FGB (70%) e Itinerários Formativos (IF) (30%);
  • a extinção da possibilidade de cursos de qualificação (que não asseguram habilitação profissional) para comporem o itinerário de formação técnica e profissional;
  • a definição presente no art. 35-C de que a “a formação geral básica, com carga horária mínima total de 2.400 (duas mil e quatrocentas) horas, ocorrerá mediante articulação da Base Nacional Comum Curricular e da parte diversificada de que trata o caput do art. 26 desta Lei”;
  • a alteração do art. 3º da Lei n. 14.640/2023, estabelecendo prioridade para o fomento à criação do ensino médio de tempo integral quando se tratar de oferta articulada à educação profissional;
  • as indicações para a implementação do Programa Pé-de-Meia;
  • a nova redação à lei de cotas para acesso à educação superior, incluindo “escolas comunitárias”;
  • a Inclusão da Língua Espanhola na área de Linguagens;
  • a definição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como referência para os processos nacionais de avaliação educacional; e
  • a “garantia” de equilíbrio na oferta dos componentes curriculares sem exclusão de nenhum deles, sem, no entanto, definir carga horária mínima para qualquer um deles.

O PL do Senado mantém proposições que já constavam da Lei n. 13.415/2017 com alterações, considerando o teor do PL n. 5.230/2023:

  • a designação dada aos itinerários formativos como tendo um caráter de aprofundamento das áreas de conhecimento;
  • a determinação de que os itinerários formativos tenham carga horária mínima de 600 horas;
  • a utilização do notório saber para a docência no caso do itinerário da formação técnica e profissional “em caráter excepcional” a ser regulamentado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e Conselhos Estaduais de Educação das unidades da federação;
  • a oferta do ensino médio da modalidade a distância (EaD) em caráter de “excepcionalidade”;
  • a oferta de ensino médio “presencial mediado por tecnologias”;
  • a integralização de carga horária do ensino médio por meio do “reconhecimento de aprendizagens, competências e habilidades obtidas em experiências extraescolares” (estágios, aprendizagem profissional, projetos de extensão ou iniciação científica) no caso do Ensino Médio em tempo integral;
  • a determinação de que o Conselho Nacional de Educação elabore “Diretrizes para as áreas de aprofundamento” que compõem os itinerários formativos; 
  • a incorporação de parte da carga horária da FGB no itinerário formativo de formação técnica e profissional (“aproveitada para o aprofundamento de estudos de conteúdos da Base Nacional Comum Curricular diretamente relacionados à formação técnica e profissional” até o ano de 2028; e
  • a formação de professores vinculada obrigatoriamente à BNCC.

Outras proposições da Lei n. 13.415/2017 são mantidas sem quaisquer alterações:

  • a organização curricular composta por FGB e itinerários formativos;
  • a vinculação obrigatória ao documento de BNCC;
  • a oferta de formação técnica e profissional por meio de cooperação técnica entre secretarias de educação e instituições credenciadas de educação profissional, preferencialmente públicas, observados os limites estabelecidos na legislação (permitida, portanto, a oferta pelo setor privado);
  • a determinação de que os processos seletivos para a educação superior ocorrerão com base nas competências e habilidades definidas na BNCC; e
  • a nomenclatura da área do conhecimento denominada “Ciências Humanas e Sociais Aplicadas”.

Em síntese, trata-se de alterações pontuais que reiteram problemas já amplamente detectados nas pesquisas que abordaram a legislação e a implementação do chamado Novo Ensino Médio, mas também a criação de um novo problema, ao dar uma definição para o conceito de Formação Geral Básica.

RETROCESSOS E PONTOS NEGATIVOS

O PL do Senado retrocede em relação ao PL n. 5.230/2023 aprovado na Câmara dos Deputados ao estabelecer uma diferenciação quanto à carga horária mínima da FGB com redução para 2.200 horas no caso do itinerário da formação técnica e profissional. O mínimo necessário, tendo em vista as imensas desigualdades de acesso ao conhecimento que caracteriza o ensino médio brasileiro, seria a manutenção das 2.400 horas para todos.

O conceito dúbio de Formação Geral Básica presente no Art. 35-C, definindo que a FGB de 2.400 horas deve ocorrer “mediante articulação da Base Nacional Comum Curricular e da parte diversificada”. Esta formulação implica que, em tese, poderão compor a FGB componentes curriculares não necessariamente relacionados às áreas do conhecimento, com a possível consequência prática de incorporar à FGB “disciplinas exóticas” semelhantes à dos itinerários formativos do atual “Novo Ensino Médio”;

A possibilidade de parcerias com o setor privado para a oferta do itinerário de formação técnica e profissional, a manutenção da oferta na modalidade EaD e do notório saber para a docência são outros aspectos negativos e preocupantes do texto.

Apesar da inclusão da língua espanhola na área de Linguagens e suas Tecnologias, não foi assegurada a obrigatoriedade de carga horária mínima para nenhum componente curricular.

APRIMORAMENTOS NECESSÁRIOS AO PL N. 5.230/2023

Reiteramos, portanto, nossas recomendações contidas em Nota de 16 de abril de 2024:

A ampliação da carga horária de FGB para um mínimo de 2.400 horas foi, sem dúvida, um ganho importante do texto na Câmara dos Deputados. Ela foi defendida por este Coletivo desde a sua primeira “Carta Aberta à Sociedade Brasileira” (mar. 2023), reiterada pelo texto do Projeto de Lei n. 2.601/2023 da Câmara dos Deputados (mai. 2023) e pelo documento “Contribuições da Universidade de São Paulo à Política Nacional do Ensino Médio” (jul. 2023), além de ser uma demanda da Consulta Pública sobre o tema promovida pelo Ministério da Educação.

O substitutivo da Câmara dos Deputados, porém, traz ambiguidades, reiteradas no PL Substitutivo apresentado pelo Senado, que fragilizam – e que, no limite, podem anular – os efeitos da recomposição de carga horária da FGB. Para garantir que os/as estudantes possam aprender os conteúdos científicos, humanísticos e artísticos consolidados pela humanidade – inclusive presentes nas matrizes de referência das avaliações em larga escala e exigidos no Enem e nos demais exames vestibulares –, é necessário especificar que as 2.400 horas devem corresponder, exclusivamente, à Base Nacional Comum e não à parte diversificada.

Também é preciso explicitar que os componentes curriculares que compõem a FGB são: Artes, Biologia, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Língua Espanhola, Matemática, Química e Sociologia. A recomposição das 2.400 horas da FGB precisa ser acompanhada dos conteúdos disciplinares que lhes dão substancialidade e propiciam uma formação sólida aos/às estudantes. Assim, deve-se explicitar que os componentes curriculares integrantes da FGB, citados nominalmente, são de caráter obrigatório. A maioria das escolas privadas do país assegura todas as disciplinas para seus/suas estudantes. Caso o texto do PL aprovado pela Câmara dos Deputados seja mantido pelo Senado Federal, haverá risco de ampliação das desigualdades entre egressos/as das redes pública e privada.

Destacamos ainda a necessidade de alterar a nomenclatura utilizada para denominar a área de conhecimento “Ciências Humanas e Sociais Aplicadas” para “Ciências Humanas, Sociais e suas Tecnologias”, de modo a garantir a uniformização dos termos utilizados nas demais áreas do conhecimento e a evitar equívocos e confusões com a área de Ciências Sociais Aplicadas definida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes).

A tentativa de ajustar, ainda que em período de transição (2025 a 2028), a carga horária quando se trata da formação técnica e profissional, cria uma segmentação interna ao sistema escolar brasileiro que incidirá sobre os/as jovens das escolas públicas que busquem a profissionalização em nível médio, sendo fator de agravamento de desigualdades educacionais e sociais. Quanto à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, reiteramos que a mesma se encontra devidamente regulamentada na LDB n. 9.394/1996 e que a modalidade na forma de oferta de Ensino Médio Integrado é que a melhor responde às demandas postas pelo mundo do trabalho em sua complexa configuração contemporânea.

O Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade tem, ao longo das discussões realizadas nos últimos anos, apresentado os pontos mais relevantes e as lacunas da Lei n. 13.415/2017 por entender que o direito à educação deve ser de todos e todas, o que demanda do poder público e da sociedade o compromisso de ofertar um ensino médio que possibilite as mesmas oportunidades educacionais aos/às milhões de jovens do país.

Assinam este artigo:

Ana Paula Corti (IFSP | REPU), Andrea Caldas (Setor de Educação/UFPR), Andressa Pellanda (Campanha Nacional pelo Direito à Educação), Ângela Both Chagas (UFRGS), Carlos Artexes Simões (CEFET-RJ), Carlota Boto (FE/USP), Carmen Sylvia Vidigal de Moraes (FE/USP), Catarina de Almeida Santos (FE/UnB), Christian Lindberg (UFS | OBSEFIS), Cleci Körbes (UFPR | Observatório do Ensino Médio), Cristiano das Neves Bodart (CEDU/UFAL), Daniel Cara (FE/USP | Campanha Nacional pelo Direito à Educação), Elenira Oliveira Vilela (IFSC | Sinasefe | Intersindical CCT), Elizabeth Bezerra Furtado Bolzoni (UECE), Fernando Cássio (FE/USP | REPU), Filomena Lucia Gossler Rodrigues da Silva (IFC), Gaudêncio Frigotto (UERJ), Idevaldo Bodião (Faced/UFC), Jaqueline Moll (Faced/UFRGS), Jean Ordéas (FE/USP), Lucas Barbosa Pelissari (FE/Unicamp), Manoel José Porto Júnior (IFSul | Direção Nacional do Sinasefe), Márcia Aparecida Jacomini (Unifesp | REPU), Marcos Goulart (Faced/UFAM), Maria Ciavatta (UFF), Marise Nogueira Ramos (Fiocruz | UERJ), Mateus Saraiva (Faced/UFRGS), Monica Ribeiro da Silva (UFPR | Observatório do Ensino Médio), Nilson Cardoso (UECE), Rafaela Reis Azevedo de Oliveira (Faced/UFJF | ABECS), Renata Peres Barbosa (UFPR | Observatório do Ensino Médio), Salomão Barros Ximenes (UFABC | REPU), Sandra Regina de Oliveira Garcia (UEL), Sergio Stoco (Unifesp | Cedes | REPU) e Thiago de Jesus Esteves (CEFET-RJ | ABECS).

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