Caminhando para um ano e meio do seu terceiro mandato, Lula enfrenta uma conjuntura política particularmente complexa, com uma mescla de aspectos positivos e negativos cuja resultante, em termos de impactos concretos na governabilidade até 2026, ainda é difícil de divisar.
A pesquisa Quaest divulgada ontem (12/4, sexta-feira) sobre os eleitorados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás mostra que os governadores de direita desses Estados estão bem avaliados, até melhor do que Lula nos respectivos colégios eleitorais, o que seria de esperar dados os resultados da eleição de 2022. Por outro lado, Lula aparece razoavelmente “bem na fita” nos dois maiores colégios eleitorais entre aqueles quatro, São Paulo e Minas, com uma divisão mais ou menos meio a meio entre os que o aprovam e os que desaprovam. A pesquisa da Quaest, claro, tem que ser lida no âmbito das pesquisas nacionais recentes que mostraram queda, ainda que longe de dramática, da popularidade de Lula.
Para Ricardo Ribeiro, analista político da LCA e MCM Consultores, a pesquisa reforça a posição de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, como potencial principal candidato da direita a enfrentar Lula em 2026. Na verdade, Ronaldo Caiado e Ratinho Júnior, governadores respectivamente de Goiás e Paraná, aparecem, na pesquisa da Quaest, mais bem avaliados por seus respectivos eleitorados do que Tarcísio e Romeu Zema, governador de Minas Gerais. Mas, dado o peso eleitoral de São Paulo em termos nacionais, a “pole-position” na direita ainda parece ficar com Tarcísio.
O cientista-político Octavio Amorim Neto, da EBAPE-FGV, vê a direita brasileira numa encruzilhada. Ele concorda que algum desses governadores de direita bem avaliados do Sudeste, Centro-Oeste e Sul pode vir a liderar a direita no futuro próximo. Para o pesquisador, porém, o mais importante seria que esse movimento se desse no quadro da reconstrução de uma centro-direita/direita democrática e protagonista no jogo político no País. Isso saiu do mapa, na sua visão, com a ascensão do bolsonarismo, que não tem nada de democrático, e o esfacelamento até a quase irrelevância do PSDB.
Amorim vê dois sinais positivos recentes na direção da reconstrução de um direita democrática. Um deles foi a recente decisão do Supremo sobre a interpretação do artigo 142 da Constituição, no sentido de cabalmente negar às Forças Armadas qualquer poder constitucional para uma intervenção militar ou para agir como “Poder Moderador”.
O segundo foi o fato de que o PSD, um partido que potencialmente poderia substituir o PSDB na centro-direita, teve uma alta proporção de votos (80%, ou 35) para manter na prisão Chiquinho Brazão (sem partido/RJ), acusado de mandante do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Entre os pedessistas que não votaram pela manutenção da prisão, apenas dois votaram contra, sendo os outros votos abstenções ou ausências. O comportamento do PSD nessa votação indica que o partido está menos infiltrado pelo bolsonarismo do que outros partidos de centro-direita e direita, incluindo o Centrão.
Amorim Neto, no entanto, é cético quanto ao passo decisivo para o renascimento da direita democrática, que seria a ruptura do potencial novo candidato protagonista nesse campo, como Tarcísio, com o bolsonarismo. “Esse é um passo que deve ser difícil e lento”, ele diz.
Um dos problemas é que o bolsonarismo permanece como uma força eleitoral substantiva, sendo inclusive alimentado no momento pela polêmica do conflito sobre liberdade de expressão e riscos à democracia envolvendo o bilionário Elon Musk, dono da rede social X, e o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que vem liderando no Brasil o combate ao golpismo.
Ribeiro, da LCA e MCM, nota que a polêmica dá combustível ao bolsonarismo para defender a tese espúria de que houve um conluio entre o Supremo e Lula que resultou na eleição do atual presidente. O analista, porém, considera que o episódio não deve ter consequências para além do público bolsonarista, não afetando o sentimento no Congresso em relação ao governo Lula, nem para melhor nem para pior.
De qualquer forma, é nesse ambiente político carregado e complexo, em que a força do populismo antidemocrático de direita parece bastante preservada, que o governo Lula terá que se esforçar para manter a governabilidade política e tocar sua pauta econômica. O espaço para erros parece ser bem pequeno.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 12/4/2024, sexta-feira.