Num dos trechos de sua delação premiada, o ex-PM Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle Franco e Anderson Gomes, conta como foi tranquilizado pelo conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Domingos Brazão sobre o crime que estavam tramando.
Lessa comenta que se trataria de um homicídio “impactante”, mas Brazão demonstra não estar preocupado. “A DH tá na mão”, diz ele. “O Rivaldo é nosso”, acrescenta, em referência ao delegado de polícia civil Rivaldo Barbosa de Araújo, que chefiava a Delegacia de Homicídios do Rio e se tornou chefe da corporação na véspera do crime.
Apontado como um dos “autores intelectuais” do assassinato, ao lado dos irmãos Brazão, Rivaldo orientou o planejamento da ação e chegou a proibir que a execução de Marielle ocorresse nas imediações da Câmara de Vereadores do Rio.
“Um crime difícil, sabotado desde o limiar. Nunca vi um caso desses na carreira, uma infiltração desse nível numa delegacia de homicídios”, resume um dos policiais que atuam no caso.
Essa contaminação das instituições no Rio de Janeiro pelo crime organizado é objeto de um capítulo específico do relatório da PF sobre o assassinato, em que fica claro que as investigações de homicídio praticadas pelo que ficou conhecido como “Escritório do Crime” eram sistematicamente sabotadas – a ponto de nenhum inquérito em que os suspeitos eram ligados ao jogo do bicho ter avançado.
O relatório cita uma sentença do juiz Bruno Monteiro Rulière, da 1ª Vara Criminal Especializada em Organização Criminosa do Rio de Janeiro, em que ele diz que “todos os inquéritos (grande parte plenamente solucionáveis) acabam sem conclusão. E quando muito indica-se um singelo executor (numa reconstrução histórica dos fatos capenga) mas invariavelmente as investigações jamais ousam se aproximar de mandantes de homicídios ligados à guerra da contravenção”.
O documento indica ainda uma lista de homicídios inconclusos na gestão de Rivaldo Barbosa. Segundo a PF, o chefe da DH atuava em conjunto com o promotor Homero das Neves, que era responsável pela supervisão das investigações daquela delegacia especializada.
Entre as vítimas estão o ex-PM e candidato a vereador Marcos Falcon; José Luis de Barros Lopes, o Zé Personal, genro do falecido bicheiro Maninho; Haylton Escafura, ex-policial e filho do bicheiro Piruinha; o sargento reformado Geraldo Antonio Pereira, o Pereira; e o contraventor Marcelo Diotti da Matta.
Na definição da PF, havia um esquema criminoso funcionando dentro da DH. E esse esquema estava em plena operação quando Marielle foi assassinada.
Num dos depoimentos utilizados pela Polícia Federal no relatório apresentado ao ministro do Supremo Alexandre de Moraes, o matador e chefe de milícia Orlando Curicica resume: “Não que a contravenção tenha mandado matar Marielle, mas a contravenção criou um sistema que facilitou a morte de Marielle”.