Estadão ouviu integrantes da ativa e da reserva de alta patente das três Forças Armadas sobre a investigação que expôs brigas internas e detalhes de como oficiais se envolveram nos planos de Bolsonaro para dar golpe de Estado
Agentes da PF deixam o prédio onde mora o general Augusto Heleno, após realizar busca e aprender objetos no apartamento do ex-ministro de Jair Bolsonaro, em Brasília FOTO: WILTON JUNIOR/ESTADÃO
BRASÍLIA – A Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal expôs pela primeira vez de que forma oficiais-generais das Forças Armadas, exercendo cargos na cúpula militar e no primeiro escalão do governo federal, envolveram-se na trama golpista do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A ofensiva policial autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes expôs as entranhas da caserna, revelou quem agiu contra quem no planejamento do golpe para “virar a mesa” da derrota eleitoral e colocou novos generais, coronéis e majores sob suspeita.
A operação da PF levou a reações distintas no oficialato, seja entre integrantes da ativa e da reserva, que conversaram com o Estadão, sob a condição de terem suas identidades preservadas.
Os militares temem ser identificados porque, segundo as regras das Forças Armadas, eles não podem se manifestar sobre assuntos de natureza política ou sem aval superior. Há precedentes de militares que, mesmo na reserva, sofreram algum tipo de retaliação por falar publicamente.
Nesta quinta-feira, dia 8, apenas o Exército e a Marinha se manifestaram institucionalmente, por meio de notas, a respeito da operação. A Força Aérea não divulgou nenhum comunicado, embora tenha sido formalmente questionada pela reportagem.
O Estadão ouviu cinco oficiais das três Forças Armadas, sendo dois da Marinha, dois do Exército e um da Aeronáutica. Três deles são da ativa, e dois da reserva. Foram dois almirantes, um general de quatro estrelas, um coronel e um brigadeiro. Procurados, os alvos da operação não se manifestaram.
Um dos generais de Exército que foi alvo da campanha para dividir o Alto Comando, cuja autoria e métodos começaram a ser desvendados pela Polícia Federal, confidenciou que operação atinge a imagem da Força Terrestre de forma “muito ruim” e traz mais desgastes ao atual comandante, Tomás Paiva. De perfil legalista, este quatro estrelas afirma que, assim como a sociedade, havia divisões internas no Alto Comando na época, agora trazidas à público pelo relato da PF.
O general ouvido pelo Estadão diz que houve ações isoladas “de pessoas isoladas” e que refletem a divisão da sociedade, mas não representam a posição do Exército. Para ele, os defensores de golpe eram minoria e a tropa não se mexeu.
Um dos nomes que apareceu pela primeira vez e, conforme a apuração policial, se dispôs a mover tropas na cartilha de Bolsonaro, é o do general Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, então comandante de Operções Terrestres. Ele era de longa data considerado o mais bolsonarista do Alto Comando, segundo integrantes da Força Terrestre.
Decepção
Um coronel da reserva disse que, entre os mais realistas no Exército, a ofensiva da PF era considerada uma “questão de tempo”. Calculavam que algo mais contundente viria desde a notícia de que o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, decidira delatar o que sabia em troca de alívio na sua pena. As revelações de Cid, entre elas provas como cópias de mensagens e gravações, embasaram as ações que atingiram a cúpula bolsonarista.
Mesmo assim, houve quem ainda se surpreendesse e se decepcionasse com o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Insititucional. Conforme os investigadores descobriram, ele planejava infiltrar agentes de inteligência em campanhas adversárias, teria atuado no monitoramento clandestino para prender Moraes e pregava uma “virada de mesa antes das eleições”.
Primeiro comandante brasileiro nas Forças de Paz no Haiti, Heleno já havia há muito radicalizado sua postura, num governo no qual chegou a ser considerado um moderador. Desmandos em série passaram a ser investigados na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada a seu ministério. Mas Heleno ainda gozava de prestígio e admiração entre os mais modernos nas três forças, tendo sido tomado como referência na formação militar, em áreas como a Comunicação Social, por exemplo, e de ter sido o primeiro colocado em suas turmas de formação no Exército.
Um coronel do Exército disse o caso abala a reputação do general da reserva que era sempre lembrado com adjetivos como “brilhante, sumidade, excepcional”.
Outros já lembram que Heleno “sempre foi de bravatas” e aparentava estar afastado das operações de inteligência paralela atribuídas e investigadas ao delegado e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, deputado pelo PL-RJ.
O deputado nega ilegalidades e tem espalhado um coro que ganhou tração nas Forças Armadas: a narrativa da “perseguição política ao espectro de direita” para prejudicar o bolsonarismo nas eleições municipais.
Perseguição
As maiores ressalvas à ação da PF vieram da Marinha, justamente nessa linha. Os dois integrantes da ativa da Força Naval manifestaram preocupação com o andamento da investigação, que atingiu o ex-comandante-geral, almirante Almir Garnier Santos. Segundo os investigadores e o próprio Cid, ele foi o único dos comandantes-gerais se colocar à disposição de Bolsonaro para uma intervenção.
Em mensagem recebida por integrantes do almirantado – atribuída ao ex-comandante – Garnier diz que foi acordado em casa às 6h15 da manhã por causa da “situação política” do País.
Um integrante do almirantado disse que a operação soou “muito negativa” e “desagradável ao extremo” para todos na Marinha e que o País não precisava dessa “agenda de turbulência” agora e deveria andar para frente.
Em linha com o discurso de Ramagem e com a manifestação do antigo comandante, o militar fala na hipótese de perseguição e enumera que pode ter um efeito eleitoral negativo, como reclama o próprio deputado Ramagem, pré-candidato a prefeito do Rio.
Diz ainda que o País vive uma fase de “absurdo atrás de absurdo”, citando as anulações de atos e condenações de investigações contra corrupção, como a Operação Lava Jato. E que ninguém “que sempre fez tudo certo na vida” gosta de ser acordado às 6h30 da manhã em casa, uma referência ao que ocorreu com Garnier.
Outro almirante afirma que existe um “açodamento para aparecer um culpado” e que deve ser observado o processo legal. Embora admita a pressão sobre a Marinha, a ordem é não se manifestar porque não houve nem sequer ainda acusação formal contra Garnier, e o teor completo da colaboração de Cid é desconhecido.
Alívio
Já na Força Aérea, o que se ouve é uma espécie de alívio. A Aeronáutica não teve nenhum membro alvo da operação desta vez.
O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior era considerado o “mais bolsonarista de todos” os comandantes-gerais, especialmente pelo tipo de interação e perfil que ostentava nas redes sociais, mas até agora “saiu sem nada, ileso”, como notou um brigadeiro da ativa.
Segundo consta no inquérito, o brigadeiro teria rechaçado o intento golpista de seu então comandante supremo, Jair Bolsonaro. Mas a PF reputa relevante para manter os acampamentos antidemocráticos uma nota que ele assinou com os demais comandantes de Força.
Mais uma vez, reaparece o tradicional discurso militar de preservar a imagem da instituição e desvincular as Forças Armadas de atos de pessoas – ainda que sejam seus integrantes de cúpula.
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