Ele deveria pertencer a todos os brasileiros. Se não pertence, o Congresso deveria assumir sua parcela de responsabilidade. Não são emendas parlamentares que farão com que isso mude
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez sentir sua ausência nos principais eventos políticos do início deste ano. De forma calculada, o deputado não participou das cerimônias para lembrar os atos do 8 de Janeiro nem da retomada dos trabalhos do Judiciário, em que foram retiradas as grades que cercaram a Esplanada dos Ministérios por mais de dez anos. E agora se sabe por quê. Seu primeiro discurso público, na abertura do ano legislativo, foi preparado para marcar posição e enviar recados ao Executivo.
Lira não está satisfeito com o tratamento que o governo lhe tem reservado – leia-se, com o veto presidencial que reduziu o valor das emendas de comissão em R$ 5,6 bilhões. Acredita ter feito tudo o que fora combinado – ou seja, trabalhado pela aprovação da agenda econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad – e cobra do Executivo que reconheça seu esforço e faça sua parte – leia-se, pague o valor integral das emendas.
Poderia ter sido mais sutil, mas preferiu ser bem direto. Para defender seu ponto de vista, citou a Constituição para cobrar respeito ao papel do Legislativo. Mirou não apenas na chefia do Executivo, mas na própria estrutura da administração pública, a quem cabe cumprir etapas burocráticas e obrigatórias, estabelecidas em lei, até que o pagamento das verbas seja liberado.
“O Orçamento da União pertence a todos e todas e não apenas ao Executivo porque, se assim fosse, a Constituição não determinaria a necessária participação do Poder Legislativo em sua confecção e final aprovação”, afirmou.
“O Orçamento é de todos e para todos os brasileiros e brasileiras: não é e nem pode ser de autoria exclusiva do Poder Executivo e muito menos de uma burocracia técnica que, apesar de seu preparo, não duvido, não foi eleita para escolher as prioridades da nação. E não gasta a sola de sapato percorrendo os pequenos municípios brasileiros como nós, parlamentares”, acrescentou.
Lira, como sempre, confunde conceitos de forma propositada. Tenta convencer o público que aprovar o Orçamento é o mesmo que elaborá-lo e quer tirar do Executivo a função de executar a peça orçamentária. Para isso, defende um calendário para o pagamento das emendas e dá a entender que o governo não quer dividir os recursos que tem à disposição com o Legislativo, que, mais próximo da população, saberia exatamente onde e em que aplicar os recursos.
Mais de 90% das despesas do Orçamento são obrigatórias, ou seja, precisam ser pagas independentemente da vontade ou da existência de recursos em caixa – entre elas os salários dos servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e os benefícios da Previdência Social, como aposentadorias e pensões, bem como o fundo eleitoral.
Sobram menos de 10% em despesas discricionárias, nas quais há alguma ingerência sobre o destino final, e que incluem investimentos e emendas. Sobre este naco, o Legislativo avança ano a ano. Segundo reportagem do jornal O Globo, dos R$ 222 bilhões de livre destinação neste ano, R$ 44,6 bilhões se referem a emendas parlamentares, ou 20,05% do total. A título de comparação, em 2014, antes da criação das emendas impositivas, ao Legislativo cabia indicar 4,65% do valor dos gastos discricionários.
Se Lira estivesse certo, o olhar do Legislativo teria feito com que as desigualdades regionais caíssem vertiginosamente nos últimos anos. Este modelo, no entanto, agravou o que já era ruim e criou os chamados desertos políticos, municípios sem padrinhos em Brasília que não recebem recurso algum.
O Orçamento, de fato, deveria pertencer a todos os brasileiros e brasileiras. Se não pertence, o Congresso também deveria assumir sua parcela de responsabilidade em vez de jogar toda a culpa no Executivo.
Não basta recompor o valor das emendas parlamentares para que esse problema seja solucionado. E, se realmente quer aumentar sua participação na destinação de despesas do Orçamento, o Legislativo também terá que começar a contribuir mais ativamente pela recomposição das receitas e, eventualmente, pela elevação da carga tributária.
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