A inércia do procurador-geral da República, Paulo Gonet em relação à decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu os pagamentos devidos pela J&F como parte de seu acordo de leniência abriu caminho para que o ministro também suspendesse os pagamentos bilionários previstos no acordo de leniência da antiga Odebrecht e atual Novonor. Essa é a avaliação de quatro integrantes do Ministério Público Federal (MPF) ouvidos reservadamente pela equipe da coluna ao longo dos últimos dias.
O acordo de leniência da Odebrecht, que previa o pagamento de R$ 3,8 bilhões em multas, foi firmado com a Operação Lava-Jato e homologado pelo então juiz federal Sergio Moro, em maio de 2017. Com a correção monetária pela taxa Selic, o valor chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final dos 23 anos previstos para o pagamento.
Toffoli estendeu à empreiteira o mesmo entendimento aplicado à J&F em dezembro do ano passado, quando suspendeu os pagamentos do acordo de R$ 10, 3 bilhões firmado pelo grupo dos irmãos Batista com o MPF.
A mulher do ministro, Roberta Rangel, é advogada do grupo dos Batista. Ela atua pela empresa no litígio contra a indonésia Paper Excellence em torno da aquisição da Eldorado Celulose, inclusive assinando petições.
Para integrantes do Ministério Público, Gonet deveria ter agido imediatamente para contestar a decisão de Toffoli no caso J&F, ainda no recesso do Supremo, com o objetivo não só de priorizar a defesa da instituição e do interesse público, mas também de impedir que se abrisse uma porteira para beneficiar outras empresas, como acabou ocorrendo.
“A hesitação de Gonet em tomar alguma medida provoca um efeito cascata: o questionamento dos acordos já vigentes, o descrédito do instituto da leniência e o desencorajamento dos colegas procuradores por conta da insegurança jurídica”, resume um membro da PGR preocupado com os desdobramentos do caso.
Conforme informou o blog, a Odebrecht/Novonor usou os mesmos argumentos do grupo dos irmãos Batista para suspender o pagamento das multas até que possa examinar o material obtido pela Operação Spoofing – o ministro não fixou um prazo para a conclusão da análise.
A Odebrecht alega que a troca de mensagens entre Moro e procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, obtidas ilegalmente pelo hacker Walter Delgatti Netto, “revelam um quadro de atuação comum de todas essas autoridades visando à derrocada da Novonor, tendo isso se dado por meio de procedimentos ilícitos”.
Ao atender aos interesses da Odebrecht, Toffoli disse ainda que teria havido conluio para “elaboração de cenário jurídico-processual-investigativo que conduzisse os investigados à adoção de medidas que melhor conviesse a tais órgãos, e não à defesa em si”.
A equipe da coluna apurou que as decisões de Toffoli e a inação de Gonet têm provocado forte descontentamento entre procuradores que atuam diretamente no combate à corrupção nas diversas instâncias do MPF em todo o país.
Para um integrante do MPF, “não há segurança jurídica para atuar” nem motivação. “Enfim, situação bem grave e complexa”, resumiu.
Um outro investigador disse ao blog que “não veremos mais acordos de leniência e colaboração como no passado”. “O sistema criminal voltou a só alcançar os PPP: pretos, pardos e pobres. Gonet deveria ter entrado no recesso com suspensão de liminar perante o Barroso (presidente do STF), seria a única chance de barrar essa violação da lei promovida por Toffoli”, afirmou.
Na opinião de um subprocurador, o momento é “de repensar se vale continuar trabalhando nesse sistema de justiça que temos”.
Se de fato for adiante com o recurso, Gonet tem basicamente duas opções: entrar com um pedido de suspensão da liminar direcionado ao próprio presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ou apresentar um recurso para que a decisão seja analisada pela Segunda Turma do STF, colegiado formado por Toffoli, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Edson Fachin.
Só que, para investigadores e fontes que acompanham de perto o caso, se o recurso parar na Segunda Turma, as chances de êxito da PGR são remotas. Isso porque Gilmar deve se aliar a Toffoli, enquanto Mendonça – defensor dos acordos de leniência – ficaria ao lado do relator da Lava-Jato, Edson Fachin, pela manutenção do valor bilionário da multa da J&F.
A peça-chave desse eventual julgamento seria, então, o ministro Kassio Nunes Marques, que já acompanhou outras vezes Gilmar Mendes para impor reveses à Lava-Jato, como no julgamento em que foi arquivada uma denúncia contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por envolvimento em desvios na Petrobras.
É por conta dessas dificuldades que a PGR avalia uma alternativa – entrar com uma suspensão de liminar, para Barroso encaminhar o caso para a análise do plenário do Supremo. Lá, votam o presidente do STF, os ministros da Segunda Turma e os integrantes da Primeira Turma – Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Em tese, no plenário haveria mais chances de derrubar a decisão de Toffoli que na Segunda Turma. A dúvida é saber se Gonet tem real disposição para realmente enfrentar Toffoli e sair em defesa do MPF.
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